segunda-feira, 29 de março de 2021

Segunda evocação da Crise Académica de 1962 na sua dimensão coimbrã

 

Segunda evocação da Crise Académica de 1962 na sua dimensão coimbrã

I.. Na sequência  da evocação, que aqui fiz ontem, da dimensão coimbrã da crise académica de 1962, vou hoje transcrever um novo Anexo que também incluí no meu livro, publicado em 2016, sobre a crise de Coimbra de 1969 , “Abril antes de Abril”.

         II. Anexo nº 4 - Estudantes presos em Coimbra pela PIDE na crise    académica de 1962.

1. A divulgação da lista dos estudantes presos pela PIDE em Coimbra no decorrer da crise académica de 1962 justifica a transcrição como enquadramento de um pequeno comentário que fiz no meu blog, o qual como podem constatar se relaciona diretamente com a sua génese.

De facto, em Janeiro de 2012, soube da morte do Xico Delgado, tendo-lhe prestado homenagem no meu blog, evocando especialmente a nossa participação na aventura poética e cívica dos “Poemas Livres”. Depois acrescentei-lhe uma pequena narrativa que mostra a verdadeira razão pela qual, fora da Direção- Geral da AAC, ele foi o estudante de Coimbra mais duramente sancionado (dois anos de expulsão de todas as escolas nacionais). Eis o texto que então escrevi:

“Nesta evocação quero recordar um episódio ocorrido, em Coimbra, durante os dias escaldantes da crise de 1962. Os estudantes tinham aceitado sair da sede da AAC, cercada pela polícia de choque, para corresponderem a um esforço de mediação de um grupo de professores da UC, que se dispuseram a promover uma saída negociada para o conflito que opunha os estudantes e as autoridades universitárias. Todavia, o máximo que esse grupo conseguiu obter destas últimas não foi considerado satisfatório pela Assembleia Magna, reunida no Campo de Santa Cruz , uma vez que estava encerrada a sede da AAC no Palácio dos Grilos. Por isso, a proposta veiculada pelos professores foi rejeitada.

O corolário natural dessa rejeição era o regresso à sede da AAC, donde só tínhamos saído para permitir essa negociação. Falhada a negociação, haveria que voltar ao Palácio dos Grilos. Mas se tal fosse votado expressamente no Campo de Santa Cruz, quando chegássemos ao Palácio dos Grilos já lá estaria a polícia e não conseguiríamos entrar. Por isso, a decisão não foi formalmente tomada na AM, tendo apenas sido passada a palavra de que iríamos até ao Pátio da Universidade.

 Apenas alguns foram informados da razão dessa ida. Umas centenas de estudantes deslocaram-se assim até lá. Haviam sido distribuídas tarefas pela Direcção-Geral. A mim , aos irmãos Luís e Pedro Lemos e a mais alguns, cabia-nos promover o arrombamento da Torre da Universidade para fazer tocar a "cabra".[ Prometo que, além dos três textos prometidos, escreverei depois  um quarto em que contarei em detalhe o que aconteceu então no Pátio da Universidade. Algo, que ao que julgo saber, nunca foi divulgado.] Ao Xico Delgado coube um papel crucial. Chegados ao Pátio da Universidade era preciso dar o passo seguinte: ir para a sede da AAC, entrar arrombando a porta e reocupá-la. Mas alguém tinha que o propor. Foi essa a missão do Xico Delgado. Subindo alguns degraus da escada que desce da Via Latina para a Porta Férrea, perante algumas centenas de estudantes, em breves palavras, incisivas e cortantes, como a ocasião exigia, apelou a que regressássemos à sede da AAC. Assim aconteceu. Era perto. A polícia não podia chegar antes de nós. Não chegou. Entrou-se pela Filantrópica. Menos de uma hora depois o Palácio dos Grilos estava completamente cercado pela polícia de choque.

À noite, os estudantes manifestaram-se na rua em solidariedade com os colegas cercados. Foram dispersos brutalmente, pela polícia. Às quatro da manhã o Palácio dos Grilos foi assaltado pela PSP e pela PIDE. Todos os que estávamos lá dentro fomos transportados em carrinhas para o quartel da GNR na Av. Dias da Silva. Aí a PIDE identificou-nos um por um. Selecionou trinta e nove homens e quatro mulheres. As quatro mulheres ficaram em Coimbra, presas na sede da PIDE. Os trinta e nove homens foram de imediato enviados para o Forte de Caxias. Viagem de chumbo, imensa e fria; madrugada que ia abrindo dentro de si uma noite de incerteza. O que nos ia acontecer? Por quanto tempo iríamos estar presos? O Xico Delgado fez essa viagem; e eu também. Foram apenas alguns dias no  reduto norte do Forte de Caxias, uma das prisões políticas existentes,  mas naquela soturna manhã de maio, nós ainda não sabíamos se iriam ser dias, meses ou anos.”

2.Viria a juntar-se-nos já em Caxias o Presidente da Assembleia Magna da AAC, o angolano estudante de Medicina, Mac Mahon. Foi no dia 18 de maio de 1962. Os que estiveram menos tempo saíram oito dias depois. Tal como outros, eu saí ao fim de onze dias. Os restantes foram saindo aos poucos. Os últimos passaram em Caxias mais de um mês.

Um amigo e companheiro desses velhos tempos ─ Marcelo Correia Ribeiro ─ fez-me recentemente chegar às mãos o elenco completo dos estudantes presos nas circunstâncias acima mencionadas. Cada nome vinha acompanhado das referências que ele achou relevantes. A uma parte delas reproduzo-as, tendo apenas acrescentado duas ou três alterações de pormenor.

As quatro estudantes presas ficaram na sede da PIDE em Coimbra na Rua Antero de Quental, Foram elas:

Isabel Duarte Reis (médica estagiária), Irene Namorado (Ciências), Judite  Cortesão (Letras), Margarida Lucas (Direito; direção-geral da AAC).

Os quarenta estudantes presos foram enviados em carrinhas da polícia para o reduto norte do Forte de Caxias. Foram eles:

Abílio Vieira (Direito; presidente da seção de futebol da AAC), Alberto Mendonça Neves [Alá] ( Medicina; Rep. do Prá-kystão), Alberto Sousa Pinguinhas (Medicina; CITAC),Alfredo Fernandes Martins (estudante liceal; Pró-associação), Alfredo Soveral Martins (Direito; Rep. dos Corsários, delegado de curso),António Bernardes (Letras; República do Rás-teparta), António Ferreira Guedes (Direito; TEUC; “Poemas Livres”), António Jacinto Rodrigues [Yoga] (Letras- Universidade de Lisboa), António Lopes Dias (Direito; CITAC; “Poemas Livres”), António Manuel  Lecquoc ( Medicina), António Mota Prego ( Direito), António Teles Grilo (Direito; Rep. do Bota-abaixo; Orfeon), Carlos Ferreira Bento (Ciências; Rep. do Bota-abaixo), Carlos Mac-Mahon de V. Pereira (Medicina; Presidente da Assembleia Magna), Eduardo Casais ( Letras), Francisco Delgado (Letras; CITAC; “Poemas Livres”), Jaime Dória Cortezão (Direito), João Gargaté (Medicina), João Quintela (Letras; CITAC), Jorge Manuel Bretão (Direito; Rep. dos Corsários; Orfeon), Jorge Ormonde de Aguiar (Medicina; Rep. dos Corsários; Orfeon), José Augusto Rocha (Direito; direção-geral da AAC), José Ferraz Alçada ( Medicina; Rep. dos Corsários; Orfeon), José Martins Baptista (Medicina; CITAC), José Monteiro (Ciências; Rep.do Prá-kystão), Luís Gonzaga Bagulho (Medicina; Cine- Clube), Luís Nogueira de Lemos (Medicina; “Via Latina”), Manuel Balonas [Manecas] (Medicina; Rep. dos Myl-ionários; delegado de curso),  Manuel Cassiano Póvoas (Direito; Orfeon), Manuel Lima ( médico estagiário), Marcelo Correia Ribeiro (Direito; CITAC; secção pedagógica), Mário Silva (Ciências; Círculo de Artes Plásticas), Octávio Ribeiro da Cunha (estudante liceal; Pró-associação), Pedro Mendes de Abreu (estudante liceal; Pró-associação), Pedro Nogueira de Lemos (Medicina; seção de atletismo), Raul Branco (Ciências; CITAC), Raul Sobral (Ciências), Rui Fernando de Moura ( Direito), Rui Namorado (Direito; “Via Latina”; “Poemas Livres”), Uriel de Oliveira (Direito; secção de natação).

 

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