quarta-feira, 30 de setembro de 2015

O OVO DA SERPENTE


Esmaguemos o ovo da serpente!

1. Está em marcha uma tentativa de distorção do significado dos resultados das eleições do próximo domingo, concebida para a hipótese de a coligação PSD/CDS não ter maioria absoluta, mas ter mais deputados do que o PS. O que essa tentativa de golpe branco procura é desconsiderar a dualidade de partidos da coligação para a ficcionar como se eles  fossem um só.  E desse modo comparar o PS com a soma do PSD e do CDS, fingindo que eles são em definitivo uma entidade única. 

Criada a falsa evidência mediática de que isso é o espelho da realidade e não a sua distorção, passa a sustentar-se que o PR deve agir em conformidade, quando se tratar de indigitar um primeiro-ministro após as eleições. Para tanto, força-se sorrateiramente o texto constitucional, retirando-se qualquer significado político ao imperativo constitucional de ouvir os partidos políticos para decidir essa indigitação e defende-se que a necessidade de o PR ter em conta os resultados eleitorais aponta para o imperativo de ele indigitar sem mais o representante do partido com mais deputados. Claro, sempre à sombra da falsa evidência de que no plano jurídico-constitucional é legítimo neste caso considerar a Coligação de direita como um todo (como se ela própria fosse um partido), esquecendo a relevância e a identidade autónomas de cada um dos partidos que a integram.

Deste modo, na  hipótese de a coligação PSD/CDS não ter maioria absoluta, mas ter mais deputados  do que o PS, chamar-se-ia a  formar governo o líder do PSD e não o do PS, apesar deste partido ter um maior número  de deputados do que aquele. Seria como se o CDS fosse um simples banco ao qual subiria o PSD para ficar mais alto do que o PS. Ou seja, seria um expediente para contornar a vontade popular, a legalidade constitucional  e assim um atentado grosseiro á legitimidade democrática.

2. Basta recordar o que foi dito a propósito da recente recusa de o PS de deixar passar um futuro orçamento e da possibilidade de apresentar uma moção de rejeição do programa de governo de um governo PSD/CDS sem maioria absoluta, para se perceber quem está  envolvido na tentativa de golpe de Estado constitucional e quem beneficia dele. Estamos perante uma inqualificável tentativa da direita de vir a ancorar o seu poder numas eleições em que o povo a tenha derrotado.

Mas esta tentativa golpista, para poder resultar, não pode ser demasiado descarada, demasiado ostensiva. Não pode ser excessivamente provocatória. Por isso, ela ainda pode ser neutralizada. Pode esmagar-se o ovo da serpente, antes da serpente nascer. Basta que o PS, o PCP e o BE declarem formalmente que aprovarão uma moção de rejeição do programa de um governo de direita, muito especialmente se ele não tiver maioria absoluta. Por que é essa a sua decisão política, porque terá sido essa a vontade do povo expressa nas eleições, porque a tentativa de impor um governo minoritário de direita seria, por si só, uma tentativa de golpe de Estado. Desse modo, depois de os ouvir, o PR não pode indigitar um governo minoritário que já tem adquirido o respetivo  chumbo, tentando instalá-lo precariamente no poder durante uns meses, a não ser que queira assumir o protagonismo central da tentativa de golpe  de Estado.

Se isso acontecer, estar-se-á a pôr em causa a legitimidade das instituições, a fazer correr um grave risco à paz cívica e social, a lesar gravemente as condições sociais e institucionais do funcionamento da economia. Só uma grande sofreguidão pelo poder , uma sobranceria bacouca ou um profundo desprezo pela democracia podem justificar um tal dislate. É realmente uma aventura perigosa querer manter no governo uma coligação que acabe de ter contra ela nas urnas uma grande maioria do eleitorado, tendo contra ela mais deputados do que aqueles que tem a favor.

E o PS tem que estar especialmente atento e  precavido, uma vez que a hipótese de  imposição de um governo minoritário PSD/CDS tem como pressuposto a captação do apoio ou da complacência do PS. Por isso, a direita quer espolia-lo do exercício legítimo do poder e ainda por cima transformar o espoliado num  fiel escudeiro. Se por absurdo isso acontecesse,  por força de  um impossível acesso de delírio dos seus responsáveis,  o PS seguiria certamente o calvário dos seus congéneres grego, polaco e húngaro. Ora, se isso seria trágico para nós, socialistas, não o seria menos para a democracia portuguesa que dificilmente resistiria como tal com um PS que ficasse reduzido a uma sombra de si próprio.

Não estamos pois perante  uma simples burla política destinada apenas  a ser pasto  de comentadores  gulosos. Estamos perante um profundo golpe na democracia, um irresponsável desafio á paciência do povo, uma grosseira  provocação a todos os democratas,  digna do vinte e quatro de abril.

Nem as sondagens dos seus donos apontam para uma maioria absoluta da coligação dos partidos da direita, razão pela qual estão tão presos a essa tentativa de golpe. Mas não esqueçamos. A direita ganha se a coligação tiver maioria absoluta. Se a não tiver é derrotada. Derrotada!

Repito, portanto: esmaguemos o ovo da serpente antes de ela nascer!

sábado, 26 de setembro de 2015

Sessão de Poesia em Coimbra



Ciclo “Coimbra (t)em Poesia”
Rui Namorado e Vasco Pereira da Costa | Casa da Escrita 
 29 de setembro | 18h15

O ciclo mensal “Coimbra (t)em Poesia”, promovido pela Câmara Municipal de Coimbra, prossegue, no dia 29 de setembro. Rui Namorado e Vasco Pereira da Costa são os poetas que estarão presentes na Casa da Escrita, a partir das 18h15, para partilhar momentos de poesia com o público, num clima de proximidade e de grande interação entre público e autores.
O ciclo de poesia visa, assim, valorizar as potencialidades comunicativas dos encontros com criadores artísticos dos nossos dias pretendendo, sobretudo, evidenciar o papel dos escritores e, mais concretamente, dos poetas “de Coimbra” que, quer ontem como hoje, tanto destaque alcançaram no meio poético-literário português.
No início da sessão será apresentada uma breve biografia de Rui Namorado e de Vasco Pereira da Costa, seguida da leitura de um poema de ambos.
Os poetas abrangidos pelo Ciclo “Coimbra (t)em Poesia” têm uma ligação diversa e multifacetada com Coimbra, ou seja, podem ser poetas que nasceram (o caso de Rui Namorado), vivem ou viveram na cidade (Vasco Pereira da Costa) ou, simplesmente, que tenham escrito sobre Coimbra.
Entrada livre.

Anexo: Breve biografia e poemas dos intervenientes.

Ciclo Coimbra (t)em Poesia | 29 setembro | 18h15 | Casa da Escrita


Rui Namorado nasceu em Coimbra em 1941, onde viveu até aos cinco anos. Depois, foi para Silgueiros, uma aldeia perto de Viseu, onde o pai foi médico. Fez o liceu em Viseu.
Voltou para Coimbra, em cuja Universidade frequentou a Faculdade de Direito, onde se licenciou e onde fez um mestrado. Desde 1979 até jubilar-se, em 2011, exerceu funções docentes na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (FEUC), onde se doutorou em Direito Económico, na especialidade de Direito Cooperativo. Foi investigador do Centro de Estudos Sociais, desde 1981 até 2011, e coordena o Centro de Estudos Cooperativos e da Economia Social da FEUC desde a sua fundação, nos anos 80.
Como estudante participou nas lutas dos anos 60, tendo sido expulso da Universidade de Coimbra, por dois anos, na sequência da crise académica de 1962 (tendo frequentado a Faculdade de Direito de Lisboa durante esse tempo) e tendo-se, depois, envolvido profundamente na crise universitária de Coimbra de 1969.
Fez parte da redação da Via Latina, órgão da Associação Académica de Coimbra, em 1961 e 1962; da redação do Quadrante, órgão da AAFDL em 1963; da redação da revista Vértice, desde Novembro de 1964 até Dezembro de 1974. Foi um dos fundadores da editora “Centelha”, em 1970, tendo sido seu administrador, desde Abril de 1972 até Dezembro de 1974.
Exerceu a advocacia, desde 1970 até dezembro de 1974, tendo sido consultor jurídico do Sindicato de Hotelaria do Centro, desde 1 de julho até 31 de dezembro de 1974.
Foi Presidente da Caixa de Previdência do Distrito de Coimbra, de 1975 a 1977. Em representação do Partido Socialista, foi deputado municipal na Assembleia Municipal de Coimbra, desde 1989 até 1993, e deputado na Assembleia da República de 1995 a 1999.
Organizou, prefaciou e participou em diversas coletâneas e revistas com textos ensaísticos, tendo ainda sido autor dos seguintes livros: Movimento Estudantil e Política Educacional, Coimbra, Centelha, 1972; Educação e Política, Coimbra, Centelha, 1973; Os Princípios Cooperativos, Coimbra, Fora do Texto, 1995; Introdução ao Direito Cooperativo, Coimbra, Almedina, 2000; Horizonte Cooperativo, Coimbra, Almedina, 2001; Cooperatividade e Direito Cooperativo, Coimbra, Almedina, 2005; O essencial sobre Cooperativas, Lisboa, Imprensa Nacional, 2013; O Mistério do Cooperativismo, Coimbra, Almedina, 2013.
É autor dos seguintes livros de poesia: Maio Ausente, Vértice, Coimbra, 1970; Lírica do Silêncio, Centelha, Coimbra, 1973; Debruçado no Vento, Centelha, Coimbra, 1983; Sete Caminhos, Fora do Texto, Coimbra, 1996; Nenhum lugar e sempre, Quasi, Vila Nova de Famalicão, 2003; Os Dias Imensos, Lápis de Memórias, Coimbra, 2015.
Participou em várias antologias e em coletâneas de diversos autores: Poemas Livres 1, Coimbra, 1962; A Poesia Útil, Coimbra, 1962; Poemas Livres 2, Coimbra,1963; Antologia de Poesia Universitária, (coorganizador), Portugália, Lisboa, 1964; Poemas Livres 3, Coimbra, 1968; Vietname – antologia poética, Nova Realidade, Tomar, 1970; Poesia 70 – antologia, Inova, Porto, 1970; O trabalho – antologia poética, Sindicatos dos Bancários, Lisboa, 1985; Poetas Escolhem Poetas – antologia, Lello, Porto, 1992; Cântico em Honra de Miguel Torga, Fora do Texto, Coimbra, 1996; Poetas da Centelha, Associação de Jornalistas e Homens de Letras, Porto, 2001; De Palavra em Punho – Antologia Poética da Resistência, Campo das Letras, Porto, 2004; Os Poemas da Minha Vida – segundo Marcelo Rebelo de Sousa, Público, Lisboa, 2005; Antologia da Memória Poética da Guerra Colonial, Afrontamento, Porto, 2011.


POEMAS
A hora do tigre

Foi em vão que esperaste, loucamente,
essa hora do tigre desregrada
que te rasgasse o fundo de ti próprio.

Foi em vão que, sofrendo, imaginaste
essa hora do tigre que inventasse
o gesto de uma audácia ainda pura.

Foi em vão que, sonhando, construíste
uma hora do tigre que salvasse
de misérias, insídias, de traições,
das emboscadas torpes e fatais.

Soltaste, ainda em vão, o voo das águias
que fosse além de todas as montanhas
e nas asas do vento abandonasse
a secreta flor do teu destino.

Estavas preso entre nós, desamparado,
numa angústia sem margens que perdia
suas próprias raízes.

Só o extremo de tudo te bastava
na mais larga ambição de liberdade,
harpa de um sonho, som de violino,
ou asa do rigor de uma palavra.

Abriste cada gesto, em tempestade,
aos mistérios da luz, despovoados.
O mundo num poema e em cada verso
o secreto sabor da madrugada.

Foi na hora do tigre que ensinaste
a épica altivez de ser vencido
e num último voo ainda ousaste
o gesto de ir mais longe.

In, “Nenhum lugar e sempre”, 2003.



O vinho necessário

o meu país é um copo vazio
a um canto da Europa gangrenado

Os lábios usuais morreram já
falemos pois do vinho necessário
falemos das sementes e da esperança
da cólera madura repetida
do murro que se abate sobre a mesa

Critico a memona apenas doce
do tempo já perdido
critico os lábios em posição de espera

A sede só por si não é o vinho
e as uvas apodrecem na tristeza
o copo mais vazio e mais antigo

Abril consentido maio ausente
novembro muito triste sempre triste

apenas estar aqui não é viver.

In, Maio Ausente, 1970
Rui Namorado


 *********************************************************




Vasco Pereira da Costa nasceu em Angra do Heroísmo, em 1948.
Professor aposentado do ensino secundário e da Escola Superior de Educação de Coimbra.
Doutor Honoris Causa pela Universidade de São José (Macau).
Cônsul Honorário de França em Coimbra (1998-2001).
Diretor do Departamento de Cultura, Turismo e Espaços Verdes da Câmara Municipal de Coimbra (1991-2001).
Diretor Regional da Cultura do Governo dos Açores (2001-2008).
Conselheiro Nacional da UNESCO (2004-2008).
Membro do Conselho Diretivo da Fundação Luso-americana para o Desenvolvimento.
Presidente da Assembleia Geral da Alliance Française.
Como pintor, usa o pseudónimo de Manuel Policarpo.
No âmbito da escrita, publicou obras de prosa e poesia:
Prosa narrativa: Nas Escadas do Império (1978); Amanhece a Cidade (1979); venho cá mandado do Senhor Espírito Santo (1980); Plantador de Palavras/Vendedor de Lérias (1984 – Prémio Miguel Torga- Cidade de Coimbra); O maestro, o Poeta e o menino de sua Mãe (1985- Prémio Aquilino Ribeiro); Memória Breve (1987)
Poesia: Ilhíada (1981); Riscos de Marear (1992); Sobre-ripas/Sobre-rimas (1994); Terras (1998); My californian friends (1999; ed. Bilingue 2000); O Fogo Oculto (2009); Ilhíada: antes e depois (2012).

POEMAS
Retrato de Antero
Cerca-se um homem
(ou a verdade)
de descrença e nuvens:
uma ilha num mar de humanidade

dá-se-lhe uma pistola
um banco de jardim
defronte da vida
em frente à morte

e fixando a tela
se espera
o estrondo da poesia


O Milagre das Trovas
A Isabel, mulher do poeta

Apenas te perguntou
o que levavas no regaço

e logo-logo esse embaraço
essa escusada magia:
- São rosas, Senhor!

presunçosa!

qualquer cantiga de amor
se faz com nacos de pão
ou com pétalas de rosa.

Vasco Pereira da Costa




sexta-feira, 25 de setembro de 2015

Um pouco de golpe, algum esclarecimento

O texto que segue é um comentário a comentários que me foram feitos à mensagem anterior. Publico-o aqui porque tem um  número de caracteres superior àquele que é autorizado na seção de  comentários.

***********************

As coligações são um instrumento para potenciar os votos dos partidos que as integram, traduzindo um compromisso político pré-eleitoral. Passadas as eleições desaparecem juridicamente, conservando o vigor político que os seus integrantes quiserem. E tanto assim é que na AR há décadas que o PCP e os Verdes têm grupos parlamentares distintos, não havendo na Assembleia qualquer vestígio da CDU. O mesmo irá ocorrer com a PAF, já que o PSD e o CDS terão grupos parlamentares distintos. O que conta por isso, para determinar a relação de forças institucional, são os partidos. Aliás , isso resulta da própria Constituição que os considera as únicas realidades políticas constitucionalmente relevantes, em termos de expressões do poder político eleitoralmente gerado. Como se pode ver no artigo 117.

Aliás, a Constituição, para indigitação do primeiro-ministro, obriga o PR a ouvir os partidos políticos e a ter em conta os resultados eleitorais. Desse modo, os resultados eleitorais serão considerados à luz da posição de todos os partidos, quanto ás hipóteses de governo que lhes sejam colocadas. Assim, se o PSD e o CDS juntos tiverem maioria absoluta , certamente que comunicarão ao PR que querem projetar no Governo a coligação que formaram para concorrer ás eleições, sendo natural que o PR convide um primeiro-ministro que exprima essa maioria.

Mas se esses dois partidos não obtiverem maioria absoluta, deixa de haver uma razão política para os convidar a formar governo , como primeira opção. Se eles  não têm essa maioria, isso significa que há uma maioria na AR fora deles. Falta saber se essa maioria aritmética pode gerar uma alternativa política. Isso só cada partido desse segundo conjunto o pode dizer. Se essa hipótese não for clara, mas for claro que ninguém mais apoiará um governo PSD/ CDS, o PR não pode nomear um governo destes dois partidos. Se o fizer estará apenas a perder tempo, uma vez que basta a aprovação de uma moção de rejeição na discussão do programa de governo para que ele nem sequer chegue a existir.

Se for clara essa recusa, mas não for certa uma alternativa, o natural será encarregar o partido com mais deputados para tentar encontrar uma solução. Se ele falhar deverá ser chamado o segundo. Se tudo falhar terão que ser marcadas novas eleições.

Ora, se a coligação PSD/CDS não obtiver maioria absoluta, o que é praticamente certo, o Partido com maior número de deputados será naturalmente o PS, já que se fosse o PSD o partido com maior número de deputados isso significaria que a coligação muito provavelmente teria maioria absoluta. E é por isso que, neste caso, deve ser o PS o partido chamado a formar governo em primeiro lugar e não o PSD, na qualidade de partido liderante da coligação que não na de partido com um maior número de deputados. Isto se o PS não obtiver maioria absoluta, como parece provável.

É claro que se nas audiências com o PR os outros partidos disserem que deixam passar a coligação na AR mesmo que ela não tenha obtido a maioria absoluta, o PR tem legitimidade para a encarregar de formar governo. Mas só nesse caso, o que na atual conjuntura, é politicamente muitíssimo improvável, para não dizer impossível.

Normalmente, uma tentativa de ignorar os resultados eleitorais como a que , na minha opinião, está aqui em causa seria rapidamente desfeita com a aprovação de uma moção de rejeição, havendo sempre o recurso a novas eleições em caso de bloqueamento. Mas na presente conjuntura tudo se complica pelo facto de não poderem ser realizadas novas eleições durante quase uma ano, em virtude da conjugação das eleições legislativas com as presidenciais. E assim o golpe tem duas faces: indigitar um governo de direita minoritário e pressionar depois  o PS para que o deixe passar; e para que depois sucessivamente lhe deixe passar o orçamento e o vá deixando governar. Ou seja, pôr uma coligação minoritária de direita no poder e obrigar o PS a coresponsabilizar-se com a sua política. Obrigá-lo através de pressões nacionais e internacionais.

O golpe é esse e os seus resultados, se for tentado e se for consumado, serão certamente desastrosos, desde logo na instabilidade política e social que suscitará, bem como na incerteza institucional e na degradação democrática que inevitavelmente  causará.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

O Estranho Caso da Direita Uivadora


 
O Estranho Caso da Direita Uivadora

1. Uma resposta óbvia dada por António Costa a uma pergunta absurda  pôs a nossa inefável direita a imitar canhestramente  um coro de hienas. Querendo parecer que choravam, em virtude de  uma malfeitoria  que haviam sofrido do Partido Socialista, uivavam de facto junto ao que já sonhavam   virem a ser os seus destroços .  A matilha habitual de plumitivos mansos , de comentadores reacionários  e de  manhosos politólogos associou-se gravemente ao comovente coro.

Haviam perguntado a António Costa se o PS viabilizaria um próximo orçamento de um governo de direita e ele naturalmente respondeu o óbvio: que não.  Talvez devesse ter dito mais alguma coisa.  Algo mais que, ainda que  logicamente supérfluo, se justificava pelo embuste montado pela direita em todas as suas dimensões de transformar em reflexo do senso comum uma tentativa de golpe de Estado. Mas devia ter dito o quê?

Que um governo de direita, só tem legitimidade política e viabilidade institucional se a direita tiver maioria absoluta. E se a direita tiver maioria absoluta não precisa dos votos do PS para viabilizar o orçamento. Por isso a pergunta é absurda.

2. Mas a reação da direita é sintomática: ela acha que realmente pode vir a ser governo mesmo que não tenha maioria absoluta. Isto é, ela acha que pode ser governo mesmo que perca as eleições. Pior – ela acha que se pode impor como governo ao povo português depois de uma maioria do eleitorado a ter rejeitado. Em que democracia julga ela que está?

Ela sonha portanto beneficiar de um golpe de Estado que a mantenha ilegitimamente no poder apesar do veredito das urnas e leva o  seu  delírio até ao ponto de exigir das vítimas uma beata cumplicidade. Acordemo-la;  pois como se sabe o sono da razão cria monstros.

Realmente, a hidra analítica jurídico-constitucional já esclareceu abundantemente que não interessam os votos mas os deputados eleitos por cada partido, justificando abundantemente o óbvio com a exuberância habitual. Mas essa intrincada questão só se coloca, em virtude da tentativa de golpe de Estado. De facto, se partirmos das sondagens que temos, podendo haver dúvidas quanto a saber se o PS terá mais ou menos votos do que a coligação, não parece haver dúvidas que contados os votos será o PS o partido com o maior número de deputados, o que acontecerá forçosamente se o PSD e o CDS somados não chegarem á maioria absoluta.

Ou seja, o PSD e o CDS juntos ganham as eleições por terem maioria absoluta, ou perdem-nas. Se as ganham formam governo, se as perdem ficam fora do Governo.  A posição do PS não é simétrica, já que se tiver maioria absoluta governará, mas se a não tiver, sendo no entanto o partido com  um maior número de deputados, será chamado a formar governo podendo ser governo se as outras esquerdas se não juntarem á direita para aprovarem uma moção de rejeição do seu programa de governo.

É isto que os golpistas tentam esconder. Eles querem investir a coligação eleitoral  PSD/CDS de uma qualidade que não tem como conjunto.: a de partido político. Uma entidade dotada  das prerrogativas que cabem aos partidos políticos à luz da Constituição. É uma distorção grosseira. Basta lembrar que na nova Assembleia  da República o PSD e o CDS têm grupos parlamentares distintos, tal como sempre aconteceu com a CDU, que na AR sempre se tem desdobrado em dois grupos parlamentares , o do PCP e o dos Verdes.

3. Portanto, o Presidente da República, ouvidos os Partidos deve chamar o partido com o maior número de deputados . Se um partido obtiver sozinho a maioria absoluta deverá ser encarregado de formar governo. Se dois ou mais partidos comunicarem formalmente a sua disponibilidade para formarem governo, de modo a assegurarem por si só uma maioria parlamentar serão naturalmente encarregados e formar governo .  Se nenhuma das hipóteses anteriores se verificar deverá ser indigitado o partido com o maior número de deputados.

Por isso, é juridicamente inconstitucional  e politicamente antidemocrático encarregar os partidos de direita de  formarem governo se não obtiverem maioria absoluta , sendo o PS  o partido com o maior número de deputados.

Assim, cai dentro do mais rasteiro cinismo político tentar consumar um golpe de estado e pressionar aqueles que seriam  as suas vítimas no sentido de facilitem a vida aos golpistas. Por isso, é preciso uma grande falta de vergonha  por parte da direita, para sustentar que o PS  devia aprovar-lhe um orçamento legitimador de um golpe de estado. Isto pressupondo-se , por absurdo,  que o golpe não tinha já  sido antes travado com a aprovação de uma  moção de rejeição que impedisse o governo resultante do golpe de sequer existir.

4.  Deste modo, se o golpismo não desistir e os resultados das eleições não o inviabilizarem objetivamente, o cenário político ficará ainda mais sombrio pelo facto de a Assembleia  da República não poder  ser dissolvida durante vários meses. O que poderia dar ao primeiro-ministro  primeiramente indigitado um poder precário durante cerca de um ano. Um poder que enfrentaria uma maioria parlamentar hostil e consubstanciaria um inacreditável desprezo pela vontade do eleitorado acabada de ser expressa nas urnas.

E como se viu seria sobre o PS que se concentrariam as pressões para que permitisse que continuasse vivo o resultado de um golpe que o havia privado de uma oportunidade legítima de ser governo.

Em conclusão:

 É improvável ,á luz das sondagens existentes ,que o PS tenha uma maioria absoluta, mas não é impossível; o mesmo acontece no que diz respeito à coligação entre o PSD e o CDS. Portanto, muito provavelmente o que está , na verdade, em causa é a dimensão da vantagem em número de deputados  de que o PS disporá relativamente ao PSD. Por isso, ao contrário do que se tenta desesperadamente esconder, nada indica que a direita possa vir a formar governo. A propaganda em contrário é uma componente, consciente ou não, da tentativa d golpe de Estado. A direita está derrotada, mas ameaça ficcionar uma vitória ilegítima se não a varrermos com decisão e se não dermos força ao maior partido da oposição

 

 

 

terça-feira, 22 de setembro de 2015

COELHO no churrasco da segurança social


COELHO  no churrasco da segurança social

Nos últimos tempos, Coelho tem dado passos de gigante na rota da mentira e da mistificação. Sôfrego, não se dá sequer ao cuidado de apurar se a sua galga matinal não choca com especial despudor alguma posição pública recente de um dos seus. Um exemplo. Um vulto do PSD entendeu por bem defender recentemente no jornal  Expresso o plafonamento das pensões de reforma . A sua linha de argumentação assentava na ideia de que era necessário aliciar os quadros mais qualificados, e por isso mais bem remunerados, dando-lhes oportunidade de descontarem para um seguro privado a partir de um certo montante, em vez de os obrigar a integrar por completo  o sistema público de segurança social, com a sua relativa carga de solidariedade. Aliciá-los, para que não fugissem para outros países. Generosidade para com gente vive bem, muito bem. E nada mais. Involuntariamente sincero? Talvesz.
Eis se não quando Coelho num tom pedagógico e quase intimista , em face de uma oportuna pergunta de um jornalista sobre plafonamento das pensões, confessa ao perguntador que o que está em causa é retirar ao Estado a obrigação de pagar  pensões “milionárias”. Ou seja, está em causa um verdadeiro ato de amor para com a segurança social pública. Desvanecedor, mas completamente hipócrita.
Na verdade, o Dr. Coelho esqueceu-se de dizer que a segurança social deixava de ter que pagar pensões” milionárias”, mas deixava também de receber as correspondentes  contribuições “milionárias”. Ou seja, na globalidade não havia qualquer vantagem para o sistema público de SS, havia sim para as companhias de seguros que se encarregariam da gestão daquilo que antes cabia ao sistema público.
Com uma agravante enorme: a SS pública deixaria desde já de receber as contribuições “milionárias”, mas continuaria a ter que pagar as pensões “milionárias” correspondentes às contribuições já recebidas. Durante muito tempo, esse plafonamento traduzir-se-ia na prática numa descapitalização da segurança social pública, para além de ficar anulada qualquer solidariedade para como os beneficiários mais pobres. Ou seja, fingindo preocupar-se com a sustentabilidade da Segurança Social, o que o Dr. Coelho realmente pretende é oferecer um chorudo negócio às companhias de seguros, mesmo sabendo que atinge essa sustentabilidade no imediato. Hipocrisia, incompetência, leviandade.
Outra coisa muito diferente, da qual a direita foge como o diabo da cruz, seria  a de um plafonamento das pensões num patamar elevado, mas sem qualquer plafonamento das contribuições. Este caminho é que  beneficiaria direta e claramente a SS Pública, traduzindo-se numa solidariedade real e efetiva  dos que aufeririam pensões “milionárias” para com os destinatários de pensões sociais.  Era no fundo um tributo pago pelos que mais têm em benefício dos que mais precisam. 

domingo, 20 de setembro de 2015

POESIA EM COIMBRA

Para chamar desde já a vossa atenção.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Portugal, aluno modelo?



Portugal, aluno modelo?

É este título interrogativo que encabeça um texto sobre a situação atual do nosso país que acaba de ser publicado no número de setembro do magazine francês, Alternatives Economiques. (nº349 – setembro de 2015). São seus autores, Sandra Moatti e Alexis Toulon.
No seu início, pode ler-se a seguinte frase destacada:” Portugal retomou o crescimento e libertou-se da troika, mas o seu endividamento público e privado, continua colossal e a sua economia muito frágil”.
Dele vou traduzir a segunda parte desse texto, tecendo depois alguns comentários acerca do respetivo conteúdo. Atentemos no texto que mostra como é grande o embuste com que a direita quer enganar os portugueses, através de uma propaganda mentirosa e desonesta. Eis o extrato que referi, cujo subtítulo é significativamente,


Enormes Fragilidades

“Menos punitiva do que para a República helénica, a cura deixou no entanto marcas profundas sobre no tecido económico e social. O investimento afundou-se 35% desde 2008. A taxa de desemprego subiu até aos 17,5% em janeiro de 2013 e atinge ainda  12,4% em junho de 2015, e 31,6% entre os menores de 25 anos. Um refluxo que se explica em boa parte pela emigração massiva: mais de 100.000 portuguese deixam o país em cada ano desde o início da crise, em maioria jovens diplomados, e a população ativa recuou 350.000 pessoas entre 2008 e 2015. Os bancos, no entanto recapitalizados, continuam frágeis, como o mostrou o resgate do Banco Espírito Santo em 2014 e o falhanço do Banco Comercial Português nos testes de resistência do banco central Europeu (BCE) em outubro passado.
E se  enfim a atividade económica arrancou a partir do segundo trimestre de 2014, fê-lo em bases frágeis. No primeiro trimestre de 2015, a produção portuguesa continuava mais de 7% aquém do seu nível do início de 2008 e mesmo abaixo do seu nível de 2001. Com um setor industrial que continua a representar 20% do PIB e os salários que baixaram 5,3% entre 2010 e 2014, o país reencontrou realmente uma certa competitividade custo: uma hora de trabalho portuguesa custa 9,80 euros, todos os encargos considerados, contra 14,40 euros na Grécia. O que permitiu dopar as exportações, nomeadamente, no seio da união Europeia. Mas a produtividade da mão-de-obra continua ela também muito fraca: um trabalhador gera apenas 17,10 euros por hora trabalhada, contra 20 euros na Grécia e 32 ao nível da União.
Portugal continua a depender fortemente da indústria com fraco valor acrescentado, como é o caso do têxtil, que representa 10% das suas exportações. O nível de educação dos portugueses continua a ser um dos mais baixos da Europa: somente 43% dos mais de 25 anos concluíram o ensino secundário (contra 68% na Grécia e 76% no conjunto da União). Uma situação que a crise degradou ainda mais com os cortes orçamentais que amputaram um investimento público já pouco elevado, bem com as despesas com a educação.
Contrariamente às economias grega ou espanhola, a economia portuguesa não tinha tido nenhum “boom” antes da crise ela tinha vegetado durante toda a primeira parte dos anos 2000. Beneficia hoje da energia e de um euro não caros enquanto a política activa do BCE faz baixar os custos de financiamento. Mas o crescimento continua demasiado frágil para permitir que os agentes económicos se desendividem. Portugal é com efeito um dos países da União onde o endividamento total é mais pesado. Ele representa 486% do PIB, bem mais do que os 364% da Grécia ou dos 321% da média da zona euro. A dívida pública de Portugal que , como na Grécia, continuou a crescer com a ação da troika, passou de 111% do PIB em 2011 para 129% em 2014. Mas a daas famílias é também colossal, 120% do PIB, tal como a das empresas não financeiras que é de 237%.
Apesar disto, o país conseguiu escapar às garras da troika em maio de 2014 e o seu Estado financia-se a taxas historicamente baixas: menos de 3%. Mas, mesmo baixas, as taxas de juro pagas pelos agentes económicos continuam superiores à taxa de crescimento dos seus rendimentos, e num tal contexto o peso das dívidas não pode baixar. Tal como a Grécia, Portugal precisará de um política de investimento massivo e de um apagamento da dívida para que a sua economia verdadeiramente recupere. Aquando das tensões surgidas nos últimos meses por causa da situação grega, a taxa das obrigações portuguesas voltou a subir. Antes de voltar a descer depois do acordo de julho passado. Se o Grexit tivesse ocorrido, todos sabemos que Portugal seria o que viria a seguir na lista.”

Comentário:

Este excerto mostra quão descarado é o embuste assumido pelos partidos da direita que formam o atual governo, quando ficcionam um país viçoso e economicamente saudável graças aos seus méritos imaginários. A coligação que nos governa é um desastrado grupo de capatazes do capital financeiro, cuja agenda neoliberal segue docilmente, não sem que se tenham desgraçadamente aprimorado num fatal excesso de zelo que muitos e muitos portugueses pagaram duramente. Para se desembaraçarem da sombra do servilismo perante interesses estrangeiros, os do capital financeiro internacional, vestiram-se de um nome – disfarce, usando o nome de Portugal para esconderem quanto dele se têm afastado.
O gang do grande capital internacional, onde se destaca o FMI, o BCE, as agências de notação financeira, a alta burocracia da União Europeia e os principais dirigentes do PPE, com especial destaque para os alemães, comporta-se como se Portugal estivesse a respirar saúde com as mesmas motivações que antes o levaram a ficcionar desastres e a construir uma ameaça de bancarrota. Os alegados mercados ajudam à festa, mostrando bem o que realmente os move. Dispostos a “salvar” países, na estrita medida em que tal seja necessário para “salvar” bancos, vestem a pele de credores, mas verdadeiramente apenas usam essa posição para impor políticas e agravar sujeições.
A sua generosidade, em face de um “status quo” económico-social  que permanece desastroso, só tem paralelo na sua intransigência hostil, quando deram à troika o papel de garante da aplicação de uma política de direita ( não só antipopular como antinacional) que em democracia os portuguese nunca teriam aceitado. Os seus dóceis mandatários que nos governaram nesta ultima legislatura são agora levados ao colo, mas não entram pela porta principal, continuando a servir as bicas aos senhores.

Não enxotar de vez esta coligação de criados de libré do grande capital financeiro, pode suscitar os aplausos da Sr.ª Merkel ou do afogueado Camarão britânico, mas arrastará o nosso país para o risco de um colapso civilizacional. Se o soubermos ler, é isto quee nos mostra o texo acima transcrito.

sábado, 5 de setembro de 2015

A justiça é realmente cega?



Fiquei siderado pelo que acabei de ouvir na conferência de imprensa dada pelos advogados de José Sócrates. A leitura mais pessimista do respectivo processo, no plano da qualidade do nosso sistema judicial, do grau de credibilidade da protecção das liberdades cívicas que ele faculta, foi gritantemente sublinhada. 
E não há dúvida que é difícil imaginar-se que uma tão baixa qualidade de desempenho das entidades públicas envolvidas neste processo seja  apenas o resultado de um episódico tropeção de dois ou três responsáveis , tendo sido apenas a má sorte que fez com que o alvo fosse um antigo primeiro-ministro, que por mero acaso o foi em representação do PS. É pelo menos tão improvável como cada um de nós ganhar o primeiro prémio do euromilhões.
Mais provável do que este rosário de azares é o de haver um propósito no lançamento deste caso com estas características. Não é possível termos certezas, mas podemos fazer conjecturas, algumas das quais verosímeis. E é legítimo que nos interroguemos.
A escolha do alvo tem alguma coisa a ver com uma pulsão revanchista de certas categorias profissionais ligadas à justiça que se sentiram lesadas pela governação de José Sócrates? Ou essa escolha tem apenas a ver com uma especial antipatia episódica de quatro ou cinco magistrados para com um antigo primeiro-ministro? Ou essa escolha traduz no essencial uma opção de combate ao PS através de alguém que representou o partido à frente do Governo?
Qualquer destas hipóteses representaria uma gravíssima instrumentalização do aparelho judicial para uma interferência ilegítima e ilegal no processo político.
Mas se nenhuma destas hipóteses corresponder à verdade , nem por isso poderemos esperar tranquilamente que se faça justiça. De facto, os atropelos detectados na condução deste processo pela maior parte das entidades públicas que nele intervieram, se não foram especialmente causados pela identidade do visado, podem ser a má sorte de qualquer cidadão. Isto significa que a democracia conquistada  , além de outras mazelas, sofre agora de uma anemia aguda do nosso sistema de aplicação da justiça, quando se trata de proteger os direitos dos cidadãos. A gravidade desta hipótese é diferente da anterior , mas não é menor.

Deixemos pois a justiça funcionar, mas estejamos atentos ao seu funcionamento. Não nos esqueçamos que ela só é legítima e só tem base legal por ser exercida em nome do povo. Em nosso nome, portanto. Ora, por aquilo que outros fazem em nosso nome também nós somos responsáveis. Por isso, há uma responsabilidade cívica a que não devemos fugir: a  de escrutinarmos  a qualidade da justiça prestada. Haver crimes por descobrir, criminosos por punir, inocentes condenados, cidadãos que são incomodados pelo aparelho judicial por razões extra judiciais, haver arguidos cujos direitos processuais não são escrupulosamente respeitados, haver vítimas que não são protegidas e ressarcidas, são delitos básicos na aplicação da justiça que não podem ser consentidos, que se forem aceites como possíveis ou até como naturais degradarão profundamente a qualidade da nossa democracia.

democraciademocraciademocracia.

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

CONTRA O GOLPE DE ESTADO DESLIZANTE


Está instalado no espaço mediático um enorme embuste, gerado por uma manobra política que transgride a ordem constitucional vigente. Trata-se de fazer esquecer que a aliança eleitoral de direita  só ganhará as eleições se tiver  maioria absoluta. Falhado esse objectivo  será politicamente derrotada. Não terá qualquer legitimidade para ser sequer convidada a formar governo. Ora, nem as sondagens domésticas inventadas pelos partidos do governo ousaram apontar para esse resultado. Modestamente, não se atreveram a mais do que ficcionar uma vantagem da soma dos dois partidos da coligação em face do PS. Não tendo também ousado, mesmo nessas sondagens domésticas,sugerir que o PSD , por si só teria mais deputados do que o PS.Para não se arrastarem pela campanha com uma derrota pendurada no pescoço,tentados pela vertigem do poder mesmo que o povo os não queira, só lhes restou ficcionar um caminho tortuoso, mesmo entrando no terreno fugidio do desrespeito pela ordem juridico-constitucional. É a denúncia dessa verdadeira tentativa de golpe de Estado que fiz num texto que ontem foi publicado no Jornal I. Deixo-o à vossa consideração.


Contra o golpe de Estado deslizante

"Está em marcha a tentativa de um subtil golpe de Estado. Quer garantir que o PSD e o CDS permaneçam no poder mesmo sem uma maioria absoluta. Depende, portanto, da remota hipótese de a soma dos deputados do PSD e do CDS exceder a do PS; e só será necessário se a direita não obtiver maioria absoluta. A opinião pública foi preparada para aceitar como legítimo o resultado pretendido, inculcando-se-lhe a ilusão de que o objectivo do golpe cabe na ordem jurídico-constitucional. 
As esquerdas não lhe têm dado importância. Ou por entenderem que a tentativa em causa pressupõe um cenário político improvável, ou por acharem que podiam beneficiar eleitoralmente com ele, ao acirrarem-se os receios de um êxito do actual governo. A probabilidade de o PSD e o CDS somados terem mais deputados do que o PS é remota, mas existe. A hipótese de uma maioria absoluta de direita é pura retórica propagandística. Mas tentativa de golpe não deve ser ignorada.
Nestas eleições, o PS disputa, com o PSD e o CDS coligados, a maioria absoluta. Se não a obtiverem, deverá ser chamado a formar governo o partido com o maior número de deputados. Isto é, o PS, já que o PSD, isoladamente, a fazer fé nas sondagens, não tem hipóteses de ser o partido com o maior número de deputados. Portanto, ou o PSD e o CDS coligados têm maioria absoluta e ganham as eleições, ou perdem-nas; e o PS, como partido mais votado, é chamado a formar governo, quer tenha maioria absoluta, quer seja apenas o maior partido.
Na verdade, o PSD e o CDS coligaram-se, não se fundiram. E a Constituição dá ao PR o poder de nomeação do primeiro-ministro, “ouvidos os partidos representados na Assembleia da República e tendo em conta os resultados eleitorais” (art.o 187). Constitucionalmente, apenas são relevantes os partidos políticos. As coligações, juridicamente, caducam no dia das eleições (formando grupos parlamentares autónomos). Podem apenas manter-se no plano político. A competência do PR é, pois, condicionada. Ele tem de ouvir os partidos políticos para depois decidir, tendo em conta os resultados eleitorais. Não pode ficcionar a subsistência jurídico-constitucional de uma coligação que se extinguiu, nem pode ignorar o que lhe disserem os partidos.
Ora, a conjugação dos calendários eleitorais inviabiliza a realização de novas eleições legislativas durante meses. Assim, quem for encarregado de formar governo pode permanecer nele quase um ano, independentemente da vontade dos deputados. Isto é, se o PSD e o CDS, mesmo não obtendo maioria absoluta, fossem chamados a formar governo, isso implicava que, tendo sido expulsos do poder pelos eleitores, continuassem a governar. Seria um ataque contundente à democracia.
O plano em causa implica também que recaiam sobre o PS as dificuldades geradas pelo golpe. Esperar-se-ia que chovessem sobre ele as maiores pressões para que viabilizasse o novo poder ilegítimo; nacionais e internacionais, de poderes económicos e políticos, dos “mercados” e do complexo mediático. O PS teria de escolher entre resistir a pressões brutais e implacáveis ou ceder. Cedendo, provavelmente, estaria condenado a murchar no plano eleitoral e a fragmentar-se. Resistindo, estaria sob um fogo implacável.
Par além disso, o golpe procura tornar político-institucionalmente irrelevantes os outros partidos de esquerda – ou seja, desconsiderar quase um quinto do eleitorado. Esta agressão à legitimidade democrática seria um verdadeiro golpe de Estado deslizante, devastador para a paz social e para a credibilidade da democracia.
Por isso, os partidos de esquerda só podem repudiar essa tentativa, tornando claro que apresentarão uma moção de rejeição de qualquer governo PSD/ CDS, tenha ele ou não maioria absoluta. Se o fizerem, a natureza do golpe ficará a descoberto no seu grosseiro desrespeito pela ordem constitucional. Desmascarado, dificilmente poderá prosseguir."

Rui  Namorado  - Professor jubilado da Universidade de Coimbra [02/09/2015]


terça-feira, 1 de setembro de 2015

O Apocalipse dos Modernos



Há quem qualifique como modernas as posições de esquerda mais moderadas, dando-lhes a ancoragem neste século como uma característica que falta ás posições mais enraizadas no sentido histórico do socialismo e dos seus valores, consideradas mais à esquerda. Não é um argumento. É um carimbo arbitrário que traduz apenas a subjectividade de quem o usa, bem como a dispensa de uma argumentação política efectiva.

Sem querer aqui discutir o fundo da questão, uma coisa a experiência histórica nos mostra: já tem mais de cem anos a tentativa de carimbar como modernas as posições moderadas e como ultrapassadas as posições que o não são.

Por isso,  esses modernos, afinal tão antigos, usam este carimbo , principalmente, quando sentem que a realidade lhes foge debaixo dos pés . É o que parece estar a acontecer com os trabalhistas britânicos. Um candidato da  esquerda  do Partido Trabalhista parece ter a preferência dos militantes . Logo saltam para a ribalta mediática as vozes modernas dos blairistas, a começar pela do próprio Blair, para desenharem  como Apocalipse uma vitória de Jeremy Corbyn.

Se os Apocalipses bíblicos são um risco milenar inscrito nos medos mais ancestrais que pairam sobre os povos, há outros aparentemente mais triviais mas pesados, muito pesados nos custos humanos que têm. É o que está agora a ocorrer na chegada á Europa  das externalidades humanas das politicas guerreiras de Bush e do seu acólito Blair, cujo expoente máximo foi a conquista do Iraque com base em motivações que hoje se sabe serem redondamente falsas.
É assim uma dramática ironia que Blair qualifique como apocalíptico o risco de uma vitória de Corbyn, quando ele próprio foi um dos terríveis cavaleiros do Apocalipse.


Por isso, verdadeiramente, os que à esquerda se reivindicam como modernos talvez apenas estejam a  procurar que os dispensem de explicar porque viraram tanto à direita. Mas se realmente, ao contrário do que eu julgo, esses modernos estão verdadeiramente possuídos pela vertigem do amanhã, não podem deixar de se angustiarem com o facto de apenas estarem a regressar a um nariz de cera que data do fim do século XIX.