Evocando a Crise Académica de 1962 na sua dimensão coimbrã
I. Algumas memórias da crise de 1962 evocadas
recentemente no FB pela Teresa Rola, pelo Lopes Dias e pelo Correia Pinto, em
torno de algumas das suas sequelas, levaram-me a trazer à superfície três
ressonâncias desse confronto. Ainda que uma delas repita parte do que
recentemente aqui escrevi.
Vou assim
transcrever tês Anexos que incluí no meu livro, publicado em 2016, sobre a
crise de Coimbra de 1969 , “Abril antes
de Abril”; todos eles sobre a crise de 1962. São eles:
Anexo nº 3 - Estudantes expulsos na crise académica
de 1962.
Anexo
nº 4 - Estudantes presos em Coimbra pela PIDE na crise académica de 1962.
Anexo nº 5 -Uma viagem atribulada durante a crise académica de 1962.
Vou publicá-los separadamente para serem mais digeríveis. Hoje, começo
pelo nº3, o que envolve em grande parte uma repetição. Mas no fim vou acrescentar-lhe uma pequena história que está adormecida
desde então, ocorrida no gabinete da direção-geral da AAC em 1962, ainda no velho
Palácio dos Grilos.
II -Anexo
nº 3
-
Estudantes expulsos na crise académica de 1962.
1. Como
resposta à Crise Académica de 1962, o poder salazarista expulsou das
Universidades de Coimbra e Lisboa (julgo que não houve expulsões do Porto)
largas dezenas de estudantes. Alguns foram expulsos de todas as Universidades
portuguesas, outros apenas da Universidade que frequentavam. Socorrendo-me de
um documento, difundido em Maio de 1962, que me foi enviado pelo Marcelo
Correia Ribeiro, o qual coincide quase por completo com outro que tinha
em meu poder, consegui reconstituir a lista dos estudantes expulsos de Coimbra.
Eis o essencial do referido documento:
“ Por
decisão ministerial foram punidos os colegas:
1º
- Acusados de organizarem o I Encontro Nacional de Estudantes, cuja
responsabilidade a Assembleia Magna da Academia assumiu:
a) Com dois anos de exclusão de frequência de todas as
escolas nacionais:
José Augusto Rocha (dir. geral da aac); Margarida Lucas (dir. geral da aac); Francisco Leal Paiva (dir. geral da aac e república dos galifões); David Rebelo (dir. geral da aac); Eduardo Soeiro (dir. geral da aac e república dos pinguyns);
b) Com
dezoito meses de exclusão de frequência de todas as escolas nacionais: António Taborda (dir. geral da aac); José Sumavielle (dir. geral da aac).
2º-
Acusado de “ser de certo modo, mentor da consciencialização coletiva” (sic): Com dois anos de exclusão de
frequência de todas as escolas nacionais: Francisco
Delgado (CITAC).
3º- Acusados de perturbar o funcionamento
duma aula (1º assalto da polícia de
Choque à Associação Académica):
a) Com um ano de exclusão de frequência de
todas as escolas nacionais: Luís Filipe Madeira (República dos
Kágados e Comissão da Queima de 62);
b) Com seis meses de exclusão de
frequência da Universidade de Coimbra:
José Luís Nunes (Centro de Estudos Filosóficos); Parcídio Sumavielle (Via
Latina).
4º- Acusados de colaborarem na entrada para
a Torre, quando do primeiro assalto da Polícia de Choque à Associação Académica:
a) Com trinta meses de exclusão de
frequência da Universidade de Coimbra:
António Carvalho; Mário Brochado Coelho (Direcção do
CITAC); Maria Fernanda Dias (Dir.
Geral da AAC de 1960/61) ;
b) Com
dois anos de exclusão da frequência da Universidade de Coimbra: Alberto Mendonça Neves (República do
Prakyistão); António de Sousa Almeida (Secção
de Judo); Luís Lemos (Secção de
Atletismo).
5º- Acusados de assinarem uma moção na
Assembleia Magna da AAC que pedia um voto de censura ao Reitor da Universidade
e a sua demissão:
a) Com dois anos de exclusão da frequência
da Universidade de Coimbra: Albano Serra
Pina; Alfredo Estrela Esteves
(Via Latina); António Lameiras de
Figueiredo (República do Prakyistão);Carlos
Alberto Furtado (República do Prakyistão); Eduardo Casais; João Bilhau;
João Quintela; Jorge de Sousa Rocha (República do Prakyistão); Manuel da Silva Ventura (Secção
Social); Maria Fernanda Granado; Rui Namorado (Via Latina); Rui Neves;
b) Com um ano de exclusão da frequência
da Universidade de Coimbra: António
Machado Vaz (República do Bamus ó Bira); José Macedo Cruz; Vladimiro
Pereira Mateus.
6º- Acusado de emprestar a capa e hasteá-la
na Torre, quando ocorreu o segundo assalto da Polícia: Com um ano de exclusão
da frequência da Universidade de Coimbra:
José Luís Santos Lima (Secção Social ).
7º- Acusado de subir à Torre, quando
ocorreu o segundo assalto da Polícia: Com
um ano de exclusão da frequência da Universidade de Coimbra: José Luís Morais Alçada.
No texto que me enviou Marcelo
Correia Ribeiro presta dois esclarecimentos: 1º- No momento em que o comunicado foi divulgado a Associação Académica de
Coimbra estava fechada compulsivamente no rescaldo da crise. A própria
assinatura do comunicado sugere que não havia em funções órgãos académicos
legais. É possível que não se mencionem alguns nomes por lapso. De facto, no
próprio exemplar do comunicado que conservo há três nomes manuscritos que não
constavam da versão publicada.; 2º -
“Depois de ter escrito o que está para trás, lembrei-me de consultar de Álvaro
Garrido, o livro “Movimento estudantil e crise do estado Novo” (pag.214)
(Minerva Editora, Coimbra). Os nomes dos expulsos coincidem. No entanto, devem
ser-lhe acrescentados mais alguns, cuja expulsão foi decretada apenas em Agosto
de 1962.” Ei-los: Alberto Rui
Pereira; César Oliveira
(República do Prakyistão); António da Silva Coelho; Joaquim
Tomé; Simão Santiago.
2. No documento assinado por “Estudantes
de Coimbra”, copiografado e clandestino, estava escrito em letras garrafais: “HOJE,
ÀS 15 HORAS UMA COMISSÃO AVISTAR-SE-Á COM AS AUTORIDADES UNIVERSITÁRIAS NA
REITORIA”.
Este aviso fez-me recordar o que
aconteceu nesse avistamento. De facto, eu integrei o grupo de estudantes
expulsos que acorreram à entrevista com o Reitor, Guilherme Braga da Cruz. Foi
uma surpresa ela ter sido concedida, pois vinha ao arrepio do que era o
comportamento padrão das autoridades académicas.
Provavelmente, o Reitor convenceu-se
que os estudantes iam proceder a um qualquer tipo da “abaixamento de
bandeiras”. Enganou-se. Os cerca de quinze estudantes presentes, onde um ou
outro nem sequer fora expulso, iam protestar. O Reitor pareceu apanhado de
surpresa. Perante o facto de alguns deles terem protestado veementemente contra
a dureza dos castigos, titubeou : “O Senado aprovou os castigos por unanimidade!
“ Nunca me esqueci do que eu próprio lhe respondi : “Se assim foi, então o
Senado manchou a honra da Universidade de Coimbra”. Entretanto, alguns dos
presentes pura e simplesmente começaram a fazer galhofa e uma algazarra de
gozo. Mas antes que o Reitor desse apressadamente por finda a entrevista, houve
ainda tempo de António Ferreira Guedes, que aliás nem havia sido expulso, lhe
ter dito: “ Se por uma viragem da história, de réus que hoje somos, passarmos a
juízes, não sabemos o que poderá acontecer!”
3.Não dispunha de qualquer documento que
mencionasse os estudantes expulsos de
Lisboa. No entanto, em fevereiro de 2012
evoquei no meu blog, “O grande zoo”, a
crise académica de 1962,tendo falado nos estudantes de Coimbra
então expulsos da Universidade. Mencionei também alguns nomes de que me
recordei entre os estudantes de Lisboa também expulsos.
A atenção vigilante do Artur
Pinto levou-o a colmatar a minha lacuna de memória, enviando-me para o meu blog um comentário ao referido texto, do
qual constavam os nomes dos estudantes de Lisboa então expulsos. Vou transcrever na íntegra esse comentário:
"Meu caro, aqui vai a lista dos expulsos de Lisboa com alguns exemplos das
razões da expulsão.
Abílio Teixeira Mendes, António Correia de Campos, António da
Conceição Bento, António da Cruz Rato, António Montez, António Rego Chaves,
António Ribeiro, Augusto José Amorim, Eugénio Pinto Basto, Eurico Figueiredo,
Isabel Vila Maior, João Carlos Passos Valente, João de Freitas Rego Santos,
José Emílio Calvário José
Garibaldi, José Luís Boaventura, José Marques Felismino, Manuel da Silva
Tavares, Manuel Valentim Alexandre, Mário Sotto-Mayor Cardia, Nuno Brederode
Santos.
Abílio Teixeira Mendes:
expulso por trinta meses da UL por ter sido um dos dirigentes associativos da
academia de Lisboa que maior atividade desenvolveu no movimento estudantil de
1962 e “por ter comparecido na maioria dos plenários feitos em Lisboa,
incitando sempre a massa académica à luta”.
António Manuel Dias da
Conceição Bento: expulso por trinta meses por ser um dos alunos
encontrados nas instalações da UL na evacuação feita pela PSP durante a greve
de fome e por ser um dos responsáveis pelo movimento de 1962.
Augusto José Carvalho de
Amorim: expulso por trinta meses da UL por ter sido
identificado pela PSP a 3 de Dezembro de 1961 enquanto tomava parte numa
manifestação hostil na inauguração da Reitoria da UL, por ter participado na
greve da fome e por ser um dos responsáveis pela agitação de 1962.
Eugénio Barata Pinto Basto:
expulso por trinta meses da UL por ter participado na manifestação de
hostilidade levada a efeito a 31 de Dezembro de 1961 por vários estudantes da
UL na inauguração da Reitoria em frente do Presidente da República e por ter
sucessivamente aderido à greve de fome".
4.Quando, em 2012, publiquei no meu blog (“ O Grande Zoo”), a lista dos
expulsos da Universidade de Lisboa acrescentei-lhe o pequeno comentário que vou
transcrever:
“Repito
o que disse ontem, a propósito dos nomes dos estudantes de Coimbra
expulsos: é uma grande honra estar
nestas listas. O fascismo certificou-nos para sempre como seus inimigos.
Julgando que nos esmagava, elevou-nos. É a subtil ironia da História. Mas esta
honra só é na verdade imensa, porque não estamos nelas a título individual.
Estamos nelas, em nome de todos. Fomos nós, podiam ter sido outros. Por isso, sendo umas dezenas, sentimo-nos
como se fossemos milhares”.
______________________
Eis o acrescento prometido:
Em
comentário recente no FB, alguém mencionou o excesso de uma expulsão por dois
anos para sancionar os que apenas foram
acusados “ de assinarem uma moção na Assembleia
Magna da AAC que pedia um voto de censura ao Reitor da Universidade e a sua
demissão”.
Os vários estudantes submetidos aos processos disciplinares
que precederam as expulsões foram ouvidos num inquérito disciplinar de que foi
instrutor um assistente da Faculdade de Direito. Reuniram-se previamente para
concertarem uma estratégia comum. Quando foram inquiridos a AAC já estava
fechada e as Assembleias Magnas proibidas.
A posição de princípio acordada foi a de nos recusarmos a
dar qualquer resposta que implicasse revelar ou comentar factos ocorridos na
Assembleia Magna. Alegámos que sendo a Associação Académica autónoma e a
Assembleia Magna o seu órgão supremo só podíamos responder a perguntas sobre o
que se lá tinha passado se ela nos desse expressa autorização para isso. Não se
tratava de nos recusarmos a prestar declarações. Tratava-se de respeitar o
órgão máximo da Academia, aliás então impedido de se reunir.
A quase totalidade dos estudantes envolvidos na questão
específica da moção de censura ao Reitor que pedia a sua demissão seguiu
fielmente o guião. Exceção para os que disseram que não se lembravam ou não
sabiam, já que essa resposta foi considerada como não sendo uma recusa ( que
viram a punição reduzida a metade).
O mesmo aconteceu com o A. M. Vaz que cedeu à pressão do
inquiridor e, ao que nos disse, numa segunda ida ao inquiridor acabou por
prestar as declarações pretendidas, ainda que não tivesse prejudicado ninguém.
No entanto, comunicou-nos que mais grave do que termos pedido a demissão e
proposto a censura do Reitor era a nossa recusa em prestar declarações.
Trazia-nos o recado que não tínhamos que dizer nada, podíamos dizer que não nos
lembrávamos que não sabíamos o que não
podíamos era manter a recusa formal de prestar declarações sobre o que se
passara na Assembleia Magna sem o seu consentimento. De facto, lembro-me bem
que cada um de nós apenas reconheceu ser sua a assinatura que subscreveu a
moção, uma vez que isso era um dado de facto, uma responsabilidade a que não
pretendíamos do modo algum fugir com a nossa recusa. Como não fui o primeiro a
ser interrogado, o inquiridor nem insistiu tudo tendo decorrido celeremente.
Eventualmente frustrado pelo valor simbólico da nossa recusa,
radicada numa assunção prática da autonomia da nossa Associação, o inquiridor
tentou amolecer-nos nos termos acima referidos. E deve sublinhar-se que não
havia um padrão conhecido da medida das sanções disciplinares. Podiam ser dias
, meses, anos, de exclusão de uma ou de várias Universidades. Naquele momento
não sabíamos. Por isso, ignorávamos em que medida a nossa recusa iria agravar a
sanção disciplinar que nos iria ser aplicada. A. M. Vaz preconizou o recuo que
ele próprio já teria posto em prática.
Logo de início, alguns de nós ( entre os quais eu também)
avisámos que se a maioria optasse por
ceder à proposta do inquiridor, nós não acataríamos a vontade da maioria e
manteríamos a recusa. Não foi preciso. Só o A.M. Vaz defendeu a cedência que talvez
já tivesse posto em prática por decisão isolada. Quando foram publicadas as
sanções, verificámos que a recua tinha feito duplicar a medida do castigo que
nos foi aplicado . Fomos expulsos por dois anos da Universidade de Coimbra, o que
se traduziu de imediato na perda do ano, daquele ano.
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