domingo, 29 de junho de 2014

O PAPA, os comunistas e os pobres

Li na comunicação social: “ O papa Francisco considera que os comunistas roubaram à Igreja Católica a causa ou "a bandeira dos pobres" que, no seu entender, "é cristã", uma vez que se encontra no centro do Evangelho há vinte séculos.” E ainda: "Os comunistas roubaram-nos a bandeira. A bandeira dos pobres é cristã [...]. Os comunistas dizem que tudo isto [a pobreza] é algo comunista. Sim, claro, como não? Mas vinte séculos depois [da escritura do Evangelho]. Quando eles falam nós poderíamos dizer-lhes: pois sim, sois cristãos", afirmou o sumo pontífice.”

Sábias palavras que merecem reflexão.

Em primeiro lugar, há que dizê-lo, é injusto imputar tão virtuoso roubo apenas aos comunistas. Mencione-se em tão honroso rol , também, a presença dos socialistas. Sem excluir aliás a presença de quaisquer outras esquerdas, pelo menos daquelas que se radiquem numa recusa clara  de qualquer modelo de sociedade em que o bem-estar de alguns é construído à custa da pobreza de muitos.

Em segundo lugar, é um dado objetivo verificável que os vinte séculos que durou o desfraldar da bandeira dos pobres pela Igreja não foram suficientes para acabar com  a pobreza. O que torna legítimo recear-se que o modo como a Igreja combateu a pobreza durante vinte séculos seja insuficiente para acabar com ela. Ora, como a pobreza é a desgraça dos seres humanos que são pobres, não é aceitável que nos conformemos com a inevitabilidade dessa insuficiência histórica que tão drasticamente tem atingido milhões e milhões de criaturas humanas ao longo da história. Algo se tem que somar à Igreja.

Em terceiro lugar, registo que o Papa não diz que os comunistas vieram partilhar com a Igreja a bandeira dos pobres. Acha que lha roubaram. Assim, diz que verdadeiramente no seu todo a Igreja já não leva  essa bandeira. É uma autocrítica subliminar, mas justa; uma vez que, sendo injusto menosprezar o apoio a muitos e muitos  pobres que as instituições da Igreja  têm dado ao longo dos séculos, também o seria esquecer a cumplicidade das instituições católicas com o sistema económico-social atualmente dominante, o qual é uma das mais duradouras máquinas de gerar pobres da história da humanidade. Pode dizer-se que, pelo menos aos cultores da teologia da libertação, não pode imputar-se esse pecado. Concordo, sublinhando como  é pequena a sua dimensão, no quadro do grande oceano da vida institucional da Igreja ao longo dos últimos séculos.

Em quarto lugar, em simetria com aquilo que o Papa afirma, se pensarmos na Europa, poderíamos dizer que tal como o Papa acha que os comunistas roubaram à Igreja a causa da luta contra a pobreza, os factos autorizam-nos a que achemos que  os democratas –cristãos europeus do Partido Popular Europeu roubaram aos liberais  e conservadores a bandeira da defesa dos interesses dos ricos.  E, ao longo do último século, a própria Igreja Católica Romana defendeu mais os interesses dos ricos do que os dos pobres, embora, depois de consentir que os pobres  se multiplicassem, não se tenha desinteressado da sua sorte.

Se o Papa conseguir retirar a Igreja institucional da sua proximidade insalubre com a lógica dos ricos e dos poderosos do mundo, se a distanciar realmente da sombra decadente das direitas europeias, se seguir o caminho aberto pelos cristãos que  individualmente que se têm  vindo a integrar nas esquerdas solidárias e sociais, tornará mais forte o cerco às causas da  pobreza  e mais humana , fraterna  e eficaz  a solidariedade para com os pobres. Poderá assim voltar a partilhar realmente, sem reservas em todos os aspetos, a bandeira da luta pelo fim da pobreza, a solidariedade completa para com os pobres.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

No dia 30 também em Coimbra


Também em Coimbra, à semelhança do que ocorre na Figueira da Foz, logo no próximo dia 30 de junho, 2ªfeira, há acontecimentos que evocam Joaquim Namorado no centenário do seu nascimento.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

CEM ANOS - memória breve de um longo século


O tempo é a ironia da saudade. Passa, parecendo que nos escapa por entre os dedos, para logo a seguir deslizar por dentro da nossa memória como uma sucessão de eternidades.Momentos de eternidade, escondidos como preciosos tesouros nos recantos da nossa memória, para de vez em quando nos falarem da novidade do que já passou, da luminosidade tranquila das palavras e das pessoas que foram dando cor às nossas vidas.Vai agora ser tempo de muitos percorrerem com emoção a presença que Joaquim Namorado assinalou nas suas vidas, e de outros ouvirem os ecos dessas narrativas nos testemunhos em sépia que as corporizem.Cem anos desde que chegou à vida no seu Alentejo de sempre, ocupando, como viria a acontecer com  os seus irmãos , o seu lugar entre a gente de Alter. Mas foi há quase trinta anos que nos deixou.


Faço parte de um pequeno grupo de privilegiados para quem Joaquim Namorado, era, antes de tudo o mais e simplesmente, o tio Joaquim.Uma vez, muitas vezes, ao mesmo tempo que ia juntando as primeiras letras, fui ouvindo o meu pai ( o seu irmão António) recitar o pequeno poema que sempre preferiu a todos os outros : " Na terra que o sangue rega e aquece...". Foi ele que permitiu que, antes de conhecer os poetas através das palavras, antes de os poder aprender a cultivar nas minhas emoções e imaginações, antes de olhar a poesia como o mistério subtil das palavras e do sonhos, tivesse podido ter ao vivo diante de mim um poeta. Talvez por isso, cedo tenha aprendido que a poesia vive nas pessoas e das pessoas, embora se transmita como magia  pelo perfume da palavra. Talvez por isso tenha percebido mais tarde toda a serena ironia, toda a laicização do poético que está presente na sua lendária "Aventura nos Mares do Sul" , traduzida simplesmente nesse curto verso de tantas viagens que se não esquece: " Eu não fui lá..." Aventura em que, ironizando sobre a ironia ao torná-la algo de muito sério, participou o grande actor e declamador Carlos Wallenstein, amigo do Joaquim Namorado, vindo de Lisboa a Coimbra para, junto do autor, se certificar do acerto da interpretação dessas terríveis quatro palavras. Reza a história que uma tarde não chegou para levar a bom termo tão complexa empresa. O eminente actor e declamador voltou para Lisboa sem ter conseguido uma interpretação que o poeta aceitasse como boa.















Alguns dos títulos dos seus livros , tendo ficado como marcos do  seu universo poético, reflectiram também algumas das linhas mestras da sua vida. A "Incomodidade" sempre foi o modo como se relacionou com o quotidiano mole dos conformistas. O magistério informal de que sempre revestiu as suas amizades foi muitas vezes  um preocupado "Aviso à Navegação".A  matemática com que ganhou a vida, a actividade política e cívica através da qual cumpria um dever, o envolvimento cultural que era a sua respiração, o convívio com os amigos que o abria para o mundo, nunca o fizeram esquecer "A Poesia Necessária".

Mestre de inquietações, escolheu o Partido Comunista Português como o seu partido, na juventude e para toda a vida. Não foi esse o meu caso, nunca pertenci a esse partido. Mas isso não impediu que muito tivesse aprendido com Joaquim Namorado no campo da política. Nomeadamente, aprendendo a distinguir as sombras que  rodeiam o imediatismo dos comportamentos quotidianos da luz que nos mostra os horizontes rasgados daquilo em que acreditamos. Mas também como é possível e desejável ser-se aberto na troca de ideias, flexível na atenção que se dá ao outro, mas em simultâneo absolutamente firme na vertebração estrutural do nosso pensamento. Dizia ele  repetidamente que a verdadeira aventura intelectual era a ortodoxia, que, digo eu, no fundo assumia não como um dogma, mas como um horizonte. Um horizonte  para atingir o qual eram legítimas e talvez necessárias múltiplas heterodoxias. Não sendo um estalinista prático e muito menos teórico, fazia gala em declarar-se publicamente como tal, num protesto subtil contra  os aparelhos ideológicos do oficialismo soviético que, com a  destalinização, decretaram a diabolização absoluta do que antes haviam santificado para além de todos os limites.

Joaquim Namorado foi também um prático de muitas tertúlias, um mestre na esgrima de argumentos, da ironia e até, no limite e quando fosse caso disso,  do sarcasmo. Nada nem ninguém ficava aquém do seu respeito, sem contudo escapar da sua ironia. Ágil era capaz de surpreender o seu contendor na discussão com frases que desarmavam qualquer incauto. Quando se sentia acossado perante a evidência de que estava ser muito mais exigente para o outro do que aquilo que seria justo, dizia por vezes: " O facto de te chamar careca não quer dizer que eu tenha juba de leão!". Ou se, de repente, alguém confrontava a opinião que acabara de expender com uma outra que lhe ouvira de sentido contrário, dizia: "Desde quando é que eu sou obrigado a estar de acordo comigo próprio?"

Vai decorrer um ano de homenagem e memória a Joaquim Namorado. Se ele  aqui estivesse comover-se-ia com cada pequeno gesto , com cada palavra, com cada cada louvor ou elogio.Mas haveria de cultivar  a arte de se mostrar distante, sem esconder toda a sua emoção. 

Estão anunciadas sessões de homenagem para o próximos dias 30 de junho e 1 de julho, na Figueira da Foz e em Coimbra, como se pode ver nas figuras que acima integram este texto. Há outras iniciativas já anunciadas. Estou certo que este vai ser um ano em que vamos ficar a conhecer melhor a vida e a obra de Joaquim Namorado, mas também um tempo que está na raiz do que somos e vivemos hoje, um pouco da nossa história do século XX.Os seus muitos amigos que ainda estão entre nós partilharão certamente com júbilo os acontecimentos deste ano de homenagem e memórias. E o  pequeno número  que, em vida, sendo do mesmo lado, em termos pessoais o desconsiderou  sordidamente, pode naturalmente  associar-se agora à corrente de homenagens. Mas seria elegante e decente que, quem dentre eles o  fizer, declare também com clareza o seu arrependimento pelo modo como se comportou com Joaquim Namorado, quando ele era vivo.

domingo, 22 de junho de 2014

Palavras de homenagem ao Osvaldo Castro




No passado dia 20 de junho, ocorreu em Lisboa, no Museu da Resistência e da República, uma Homenagem ao Osvaldo Castro, um ano depois de ele nos ter deixado. Foi-me dada a honra de ser um dos intervenientes. A sala repleta ilustrava a marca que o Osvaldo deixou entre nós. A sua família, que também se colocou com naturalidade dentro da nossa saudade e dentro do nosso afecto, sublinhou bem a tristeza e o júbilo que pairavam na sala.  Eis o texto que então li:

"Às vezes, o tempo atravessa-nos como um estilete implacável, para nos lembrar brutalmente como corre. É assim que os amigos nos deixam. Com ou sem aviso, mas inscrevendo sempre dentro de nós o rasto de uma saudade que, mesmo esbatendo-se melancolicamente, não passará.

E, quando partilhámos com eles desígnios, que foram muito para além da pequena dimensão de cada um de nós, essa saudade tinge-se de uma memória que a ergue sem tristeza, como se todo o passado que nos diz respeito estivesse afinal concentrado no futuro de que não desistimos.

Por isso, o Osvaldo está hoje aqui presente, não só como a sombra luminosa de uma saudade, mas também como camarada de um futuro que, mesmo quando parece afastar-se de nós pela crueldade fria da história, continua como horizonte irrenunciável das nossas vidas.
Corria o mês de Janeiro de 1968. Não sabíamos ainda que se aproximava um mês de Maio que inscreveria, uma vez mais, a França na legenda histórica do inconformismo e da revolta. Não sabíamos ainda que um velho ditador iria cair de uma cadeira e do poder, oito meses depois. E muito menos sabíamos que o garrote fascista que nos apertava o pescoço se desfaria em pó, pouco mais de seis anos depois.

Sete estudantes de Coimbra sentaram-se em volta de uma mesa para uma primeira reunião na cave da República do Ninho dos Matulões: o Osvaldo Castro, o Celso Cruzeiro, o Carlos Baptista, o Pio Abreu, o Jorge Strecht, o Jorge Aguiar e eu próprio. O Conselho das Repúblicas e os Organismos Autónomos haviam-nos escolhido para liderarmos o combate contra o estado de exceção na AAC, contra os delegados do Governo que usurpavam a direção da Associação Académica de Coimbra, contra a Comissão Administrativa que nos envergonhava.

A democracia tinha que regressar á nossa Associação, a Academia de Coimbra não queria ver prolongada a sua humilhação. Cabia-nos conseguir a realização de eleições.

Éramos, por isso, a Comissão pró-Eleições. Liderámos o movimento estudantil em Coimbra até ao início do ano seguinte, quando, tendo sido cumprido o encargo que recebemos, uma nova direção eleita para a AAC tomou o seu lugar na liderança do movimento estudantil em Coimbra.

Sinalizando uma continuidade procurada, o Osvaldo e o Celso faziam parte da nova direção, ao lado do Alberto Martins, da Fernanda da Bernarda, do Matos Pereira, do Gil Ferreira e do José Salvador.

Nessa tarde simples de um janeiro banal, começou de algum modo uma nova aventura. Aqueles primeiros sete estudantes, mas também os outros cinco, sabiam-se e queriam-se como apenas um punhado entre milhares. Gostavam de ler, de escrever, de viver o teatro, a música e o canto, de praticar desporto, de serem gente da boémia coimbrã e até de estudar. Gente comum que não tinha interesse em subir ao palco das pequenas glórias, que não estava impregnada pela vertigem ilusória das pequenas ambições. Uns acabados de entrar na juventude, outros navegando a meio do rio, outros ainda resistindo teimosamente a sair dela.

Não podíamos defraudar os que haviam confiado em nós. Não éramos heróis de coisa nenhuma, mas estávamos dispostos a vender cara a nossa pele. Não íamos cumprir um calendário de sofrimento. Íamos conseguir eleições. E houve eleições na AAC.

O fascismo, irritado com aquele primeiro passo, largou os mastins da violência contra os estudantes. Os estudantes resistiram. A luta entrou num patamar mais duro, novos protagonistas a lideraram nesta nova e mais difícil fase. A responsabilidade dirigente passara a um outro coletivo, no qual o Osvaldo também participava. Um outro coletivo, mas a mesma determinação e o mérito acrescido de terem navegado com êxito numa tormenta maior.

Sem tergiversarem, mas com a serena inteligência dos justos, com determinação, sempre olhando a realidade a partir dos estudantes, sem inúteis alaridos, mas sempre de pé, a Direcção-Geral da AAC ergueu-se com a Academia, tornando evidentes os limites que crescentemente apertavam o fascismo.

Nas reuniões assim como na liderança coletiva do movimento, o Osvaldo era o tecido conjuntivo que dava coesão às equipas, que transmitia serenidade e que limava com bonomia as arestas naturais das crispações de ocasião. Os companheiros de responsabilidade, os estudantes, não se limitavam a respeitá-lo. Gostavam dele.

O poder fascista não conseguiu esmagar a Academia de Coimbra. O governo não caiu, mas verificámos depois que algo se quebrou então dentro dele, arrastando-o para uma anemia crescente da qual nunca se viria a recompor.

Hoje, sabemos que aqueles anos mágicos vertebraram as nossa vidas sem que nos transformassem em antigos combatentes. O horizonte, que o Osvaldo partilhava com tantos de nós, continua vivo. É certo que talvez tenhamos encarado esse horizonte, ao longo da vida, de maneiras entre si diferentes, que nos levaram por vezes a enveredar por caminhos diversos, mas nenhum de nós deixou escapar as utopias em que realmente acreditava.

O tempo passou pelas nossas vidas como uma tempestade de esperança muitas vezes travada por melancolias e desilusões. O Osvaldo deixou sempre que a tempestade o levasse, não como folha perdida a que escapasse o norte, mas como a vontade firme e serena de quem quer fazer parte dela.

Mesmo quando os nossos caminhos se afastaram, sempre trocámos com naturalidade sinais de uma amizade intocável. Quando voltaram a convergir e nos reencontrámos na Assembleia da República como deputados do mesmo Partido, tudo se passou como se na semana anterior tivéssemos dito um até já, no fim de uma reunião. E haviam passado décadas.

Os anos haviam-no amadurecido, mas não o tinham mudado. Como deputado ou como governante, o Osvaldo, ainda mais apurado na sua competência, cultivou sempre como se voasse a memória dos anos mágicos, ouviu sempre com alegria o marulhar generoso das “repúblicas”, exerceu sempre sem embaraço a ironia aguçada da congeminação.

 Por isso, é hoje tão difícil saber se esta saudade é a melancolia de um outono que teima em nos invadir, ou a combustão virtuosa da esperança que nos faz viver, a todos nós, homens comuns vertebrados pelo futuro.

Concluo estas palavras de justa homenagem com um poema que escrevi em memória do Osvaldo, no meu blog, quando ele nos deixou:


Adeus, Osvaldo.


O tempo desabou sobre o teu nome
e o passado ocupou-te rudemente.

Um violento nó foi apertado
no coração mais triste da memória.

A tua ausência rasga-nos por dentro
como se toda a lembrança fosse dor.

Agora és a semente libertada
nas avenidas lentas do futuro.

Não chega!

É todo  o teu presente que nos falta
o sabermos que estavas nalgum lado.

Essa espera tranquila que sabia
ir ouvir-te de novo e abraçar-te.

É nova esta saudade e já sem fim.".


quinta-feira, 19 de junho de 2014

COLÓQUIO NO DIA 21 DE JUNHO



Que Europa depois das eleições ?  


No passado dia 23 de Maio, portanto antes das eleições europeias, divulgámos publicamente a marcação de um colóquio promovido pelo Clube Manifesto para uma Renovação Socialista, para o próximo dia 21 de junho (sábado) com início às 15 horas , em Coimbra, na Casa Municipal da Cultura (Sala Sá de Miranda).

Vamos contribuir para uma reflexão sobre a Europa depois das eleições do passado dia 25 de maio. Que Europa depois das eleições ?  ── eis a interrogação que a todos se coloca e cuja resposta estará em debate.

O Colóquio constará de três intervenções e de um debate aberto a todos os presentes. Será moderado por um dos membros do Clube, Luís Marinho. Duas das intervenções serão feitas por convidados, Joaquim Feio, Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra e Pedro Nuno Santos, vice-presidente da direção do Grupo Parlamentar do PS e Presidente da Federação de Aveiro do PS. A outra intervenção estará a cargo de outro membro do Clube, Rui Namorado.


Este colóquio é aberto a todos os cidadãos interessados, esperando-se que mereça uma  particular atenção dos militantes  e simpatizantes do PS.


segunda-feira, 16 de junho de 2014

Barroso intoxicado pelo gás russo.


O árbitro Barroso, resquício presidencial na União Europeia, está muito preocupado pelo facto da Rússia e da Ucrânia não terem chegado  a acordo quanto à questão do fornecimento do gás, o que levou ao corte do seu  abastecimento através da Ucrânia. Os senhores juízes de Bruxelas deram-se até ao trabalho de fazerem  uma proposta com a qual a Ucrânia concordou, mas a intransigente Rússia não. Desagradável...

O garçon Barroso, há muito celebrizado por ter servido um café aos senhores da guerra que foram aos Açores decidir invadir o Iraque, o que como se sabe abriu uma era de democracia e prosperidade para o povo iraquiano que ainda hoje dura, perdeu aquela desenvoltura com que nos últimos três anos sublinhou ao devedor Portugal o imperativo de pagar o que deve aos generosos credores internacionais. Neste caso ficou bem longe de tratar a Ucrânia com a simplicidade com que tem tratado o país onde nasceu. Nunca por nunca traduziu a questão dos pagamentos das dívidas da Ucrânia á Rússia no seu habitual : “és devedora paga”. Foi mais subtil. Propôs generosamente dilações e facilidades. Inesperada transigência de um tão feroz amigo dos credores !

Mas eu até compreenderia que o  referido resquício da sua própria presidência, embebido pela civilidade dos europeus do centro-norte, tenha moderado a sua energia como rafeiro de credores. Já me parece mais estranho que , quem se instituiu antes como uma ultra-ucraniano, em cruzada contra os bárbaros russo-asiáticos, sonhe sequer  poder servir de árbitro numa contenda ou numa querela na qual verdadeiramente é um relevante protagonista. Pensar que aqueles que  tratarmos como inimigos nos possam vir a aceitar como árbitros, em episódios da contenda em que nos envolvemos contra eles, tresanda a imbecilidade.

Fico na dúvida sobre se  estes cromos graves, plenos de empáfia e autoimportância, que ocupam os altos gabinetes da União Europeia são realmente, como parecem, uns idiotas chapados, ou se julgam que são “inteligências puras” ( como dizem na novela brasileira) e que estão rodeados por legiões de inocentes.

A parte trágica desta anedota é que os alegados cromos têm poder, dinheiro e armas, dispondo de um potencial que zelosamente  utilizam para estragar a vida a muitos milhões de pessoas. 

domingo, 15 de junho de 2014

Dar a Palavra ao Alberto Martins


As emoções, os sonhos, a fé, a ambição desinteressada pelas vitórias são motores relevantes da cidadania e da acção política. São muitas vezes componentes relevantes da decisão final de cada eleitor. Mas não são suficientes para alicerçar uma política, principalmente, quando estamos a falar na acção política de um partido que tem como matriz essencial da sua identidade histórica inscrever como seu horizonte uma sociedade outra, diferente deste pesadelo neoliberal que é hoje o rosto dominante do capitalismo.
Não me refiro a um pensamento mágico que nos trouxesse o paraíso no dia seguinte ao de uma vitória eleitoral. Refiro-me ao imperativo de sermos o motor de uma metamorfose societária que nos conduza, ao longo de um trajecto difícil, para uma sociedade, livre, justa, solidária. Refiro-me a um combate verdadeiro pela igualdade, contra as desigualdades que fabricam a miséria, a fome , a exclusão para milhões de seres humanos.
Compreende-se assim que muito haja ainda para ser discutido na campanha que está em curso no PS para decidir quem vai ser o rosto que o representará na próxima pugna eleitoral. Acho pois importante que se leia o que abaixo vou transcrever.

Vou reproduzir uma entrevista feita ao Alberto Martins, conduzida pela jornalista Ana Sá Lopes,  publicada ontem no jornal I. Merece ser lida e meditada. Falando-nos do PS, fala-nos da conjuntura nacional e europeia. Mostra pela prática que a política não é um folclore mediático, um concurso de popularidade  entre candidatos a ganhar um campeonato imaginário. Deverá ser, pelo contrário, para um partido como o nosso, uma resistência tenaz  à injustiça do capitalismo predatório que nos sufoca e a todas as manifestações sociais, culturais e políticas através das quais ele se manifesta.

No Jornal é dado grande destaque a uma das afirmações feitas pelo entrevistado:"O PS deve excluir o bloco central e coligar-se à esquerda se não tiver maioria". Para além do que significa em si própria, esta frase reflecte o tom da entrevista. O entrevistado diz com clareza o que pensa, bem longe da tão difundida estratégia de se esconder o que se pensa por detrás do que se diz.

Dito isto, é tempo de dar a palavra ao Alberto Martins.
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Eduardo Martins

Os socialistas erraram quando misturaram política, negócios e alta finança. Para Alberto Martins, isso tem que mudar
Na quinta-feira, o líder parlamentar do PS, Alberto Martins, foi confrontado com um abaixo-assinado da maioria dos seus deputados - e vice-presidentes - a defender as directas e um congresso extraordinário. O ex-ministro da Justiça, que faz parte da direcção do PS desde que António José Seguro está na liderança do partido, mantém-se ao lado do secretário- -geral. Nesta entrevista ao i faz uma crítica cerrada à actual política europeia, afirma que os tratados - incluindo o orçamental - são "passíveis de negociação". Os socialistas europeus têm de mudar para voltar a conquistar o eleitorado: abrir-se aos cidadãos, separar a política dos negócios, lutar contra a corrupção e as offshores. As propostas de Seguro, afirma, vão nesse sentido. Acredita que as primárias podem ser uma "experiência irreversível".


Foi confrontado com um abaixo-assinado de grande parte do seu grupo parlamentar e da direcção de bancada a defender o congresso extraordinário e directas. Como se sentiu?
Considero que é uma expressão política natural, sendo certo que há já uma decisão em sentido contrário, da realização de primárias para a escolha do candidato a primeiro-ministro, a 28 de Setembro. Quer a Comissão Nacional quer a comissão política nacional já deliberaram que haverá primárias para a escolha do candidato a primeiro-ministro, por isso a sugestão dos meus colegas de bancada, no meu entender, não tem sustentação estatutária.
A imagem que dá é que o PS está todo partido...
Eu tenho um conceito de liderança que é de partilha e responsabilidade. Nós somos a frente parlamentar do partido, por isso, desde o início, integrei na direcção o conjunto das sensibilidades e diversidades existentes no grupo. Estou convicto que o sentido da responsabilidade e a maturidade, a defesa do partido e da afirmação dos socialistas, nestes momentos que são sempre muito difíceis e delicados e que eu já vivi em vários tempos, devem ser vencidos com grande sentido de responsabilidade. Estou convicto de que isto vai acontecer, independentemente da diversidade de opiniões que exista entre nós.
Está a pedir mais responsabilidade aos deputados que estão contra a liderança?
Não, não estou a pedir mais responsabilidade. Eu confio no sentido de responsabilidade de todos os deputados, independentemente das suas posições, estejam com António José Seguro, estejam com António Costa. O partido está acima das pessoas, dos líderes. O partido é um conjunto de valores, de projectos, são referências. Acho que vamos estar todos à altura dessa responsabilidade.
Mas não desconhece que a imagem que passa para fora é de uma bancada que neste momento parece os Balcãs...
Creio que, no essencial, no combate à política do governo de direita, no combate às soluções de austeridade, de empobrecimento do país, de desemprego, de degradação social, a bancada e o PS estão muito unidos. Estes momentos de disputa interna são delicados e difíceis. O debate eleitoral tem alguma emergência e importância e não podemos recusá-lo - faz parte da própria democracia do partido. Tem momentos de maior dificuldade, maior atrito, maior conflitualidade, mas é uma exigência de todos nós - e estou convencido que vamos todos fazê-lo - privilegiar o que é essencial em detrimento do que é secundário.
Mas não é difícil aguentar esta situação até 28 de Setembro? Não é tempo de mais para o partido ficar com uma liderança fragilizada, uma vez que vai haver uma disputa interna?
Não se podem abreviar os tempos políticos com pressas que não correspondem às necessidade que temos. Foi colocada na ordem do dia a realização de primárias, um acto de grande coragem política para a alteração do sistema político em Portugal. As últimas eleições europeias obrigam-nos a tirar consequências a diversos níveis. Há uma condenação óbvia das políticas austeritárias, da desigualdade, da pobreza, do desemprego. Mas há também uma condenação do modelo europeu, há uma condenação do domínio dos mercados financeiros sobre os estados, há uma desconfiança dos cidadãos perante os sistemas partidários, há um agravamento das desigualdades sociais. Os sistemas partidários têm de perceber que há um desapego dos cidadãos face a esses sistemas. No caso dos partidos que têm sustentado os sistemas de governos na Europa houve uma diminuição brutal da sua base de apoio. Isso foi verdade em Itália, Espanha e Portugal.
Portanto, não acha que os 31% que o PS teve nas europeias se devam à liderança de António José Seguro, como sustentam muitos seus camaradas?
Nós tivemos um grande resultado, comparando em termos europeus. Naturalmente, gostaríamos de ter um resultado maior, portanto há uma interpelação aos sistemas partidários, a necessidade de mudarmos a regulação e a organização da Europa, a organização da nossa democracia, o funcionamento e a abertura da democracia aos cidadãos, a começar pelo funcionamento e pela abertura dos partidos. Na iniciativa que tomou, António José Seguro entendeu e deu um primeiro passo, que é um primeiro passo no processo de renovação e reinvenção da política partidária em Portugal e não só. Alguns destes passos já foram dados em Itália e na França. Espanha está também agora neste caminho. O povo socialista vai passar a escolher! Devo dizer que votaram nas últimas europeias mais de um milhão de portugueses no Partido Socialista. O PS tem à volta de 90 mil militantes. Se nós duplicarmos ou triplicarmos aqueles que vão escolher o candidato a primeiro-ministro é um passo brutal numa revolução política na vida dos partidos, que nós estamos a dar! As primárias são muito exigentes - não são só os militantes, é uma malha alargada de pessoas que subscrevam uma declaração de princípios consonantes com os grandes objectivos do partido que podem votar. Se triunfar, é uma experiência irreversível na democracia portuguesa.
As primárias não estão nos estatutos. Há quem as critique, afirmando que podem ser impugnadas a qualquer momento. Também há quem diga que as candidaturas em disputa se podem entreter a arrebanhar simpatizantes...
No meu entender, há credencial estatutária e constitucional para a realização de primárias para a designação do candidato a primeiro-ministro. Para mim esse problema não existe.
Mas não estão nos estatutos.
Há credencial estatutária que permite que as consultas para cargos exteriores ao partido sejam feitas na base de simpatizantes. Quando o Presidente da República pergunta ao líder do partido mais votado quem indica para o cargo de primeiro-ministro, ele indica na base da indicação que lhe foi dada pelo eleitorado que consultou. Isso não é problema que exista, a meu ver. Os problemas da democracia resolvem-se com mais democracia. Não é por acaso que outros países estão a ir neste sentido. Não nos podemos esquecer que estamos a viver a maior crise em termos de política e valores desde que vivemos em liberdade...
Mas como é que os socialistas não conseguem capitalizar essa crise de valores, a vários níveis?
É uma interrogação que se apresenta aos socialistas em Portugal e em toda a Europa. O Partido Socialista português é o 4.o partido, em termos de votação, na Europa. Aquilo que se nos é apresentado é de uma grande exigência a todos os níveis. Em Portugal temos o problema da dívida, da dependência face à Europa, da construção europeia e do modelo de desenvolvimento, de crescimento e de emprego, em que estamos a viver. Ou nós entendemos, definitivamente, e temos força para isso, que a Europa só faz sentido como um processo de solidariedade entre estados, povos e cidadãos, ou o caminho que estamos a atravessar não é aceitável. Não pode haver uma distância entre países ricos e países pobres, entre países do Norte e do Sul, entre países do excedente e países do défice. A Europa está a ser conduzida por uma burocracia executiva, dependente da especulação financeira, que se sobrepõe aos estados. Esta Europa não é a Europa que nos serve.
Os socialistas europeus até agora não conseguiram responder a isso. Aliás, são co-responsáveis.
É um desafio que enfrentamos. Se há uma crítica que podemos fazer aos socialistas em geral é que a esquerda socialista na Europa, durante muito tempo, foi demasiado complacente com os interesses financeiros globais - e com o discurso tecnocrático da União Europeia a partir de Maastricht - e foi complacente com os grandes grupos empresariais. Pagámos um preço elevado por não termos combatido de forma consistente as desigualdades. Os estados não se impuseram aos mercados e isto gerou uma situação de desconfiança dos cidadãos. E estamos nesta situação. Há erros significativos dos socialistas e dos sociais- -democratas da Europa. E temos de dar a volta a isto. Tem que haver uma reinvenção da política na lógica do combate às desigualdades, de uma Europa de solidariedade, crescimento e emprego.
Mas como é que se dá a volta a isto? A direita europeia perdeu muitos votos, mas mantém-se maioritária. Subiu imenso a extrema-direita...
A volta dá-se com a força das ideias, a força das opções políticas e a força da unidade das opções de solidariedade. Os socialistas e sociais-democratas na Europa têm de se organizar para se imporem ao domínio dos mercados financeiros, recusarem o seu domínio sobre os estados, para combaterem de forma dura a promiscuidade entre a política e os negócios, para criarem condições para maior confiança no sistema político. Em Portugal, o PS está a dar estes pequenos passos para uma maior confiança no sistema político... Vemos casos gritantes de promiscuidade entre política e negócios, que é permanente e escandalosa a nível da Europa - veja-se a Goldman Sachs, o que se está a passar com as privatizações, o papel da especulação financeira. E depois há os que pagam impostos - que são normalmente os mais pobres e as classes médias - enquanto os paraísos fiscais são o Eldorado da fuga ao fisco, da fraude e até da corrupção. Há uma nova geografia de ideias que tem que ser posta em prática pelos socialistas da Europa.
A promiscuidade entre política e negócios é em Portugal uma evidência e não me lembro de os socialistas fazerem um grande combate a isso...
Os socialistas têm feito um combate que tem de ser sempre aprofundado. Temos apresentado muitas propostas relativamente a transparência e corrupção. Apresentámos um conjunto de propostas de acompanhamento das privatizações. Mas vamos acentuar um conjunto de medidas de incompatibilidades entre certas funções que se exercem e os lugares para onde se transita no fim dessas funções. O que aconteceu com as privatizações e o conjunto de personalidades que passaram da negociações directa do processo em nome do Estado para as empresas que foram privatizadas é inaceitável. Mas é preciso também mais meios e capacidades de investigação em tudo o que tem a ver com branqueamento de capitais, tráfico de influências, para que a promiscuidade entre a política e os negócios seja erradicada e combatida. Há, no entanto, uma questão que não quero deixar de salientar: a zona central da corrupção entre política e negócios são os paraísos fiscais e os offshores. O combate aos off-shores é absolutamente decisivo.
Porque é que apoia António José Seguro e porque é que António José Seguro é melhor que António Costa para levar o PS às legislativas?
Apoio o secretário-geral que está no exercício legítimo das suas funções, que tem um programa que foi sufragado pelo partido e que é capaz de conduzir o Partido Socialista à vitória nas próximas eleições. O apoio a António José Seguro é um apoio natural de quem integra a sua direcção e está com um processo continuado, há três anos, de procura do crescimento do partido para constituirmos uma alternativa de governo. O conjunto de medidas que já aflorei - redesenhar a política portuguesa na Europa, a renegociação da dívida, um redesenho da Europa, uma política de crescimento e emprego, uma nova industrialização, apostar na inteligência portuguesa, na inovação tecnológica, na recuperação da indústria tradicional... Há aqui uma política de combate às desigualdades sociais, uma política de crescimento e emprego que esta direcção política está a conduzir e tem todas as condições para prosseguir.
Mas não está a ser muito eficaz. Nas sondagens que têm sido feitas sobre quem seria o melhor candidato a primeiro-ministro do PS, António Costa ganha por esmagadora maioria.
Eu movo-me por objectivos programáticos e penso que esses objectivos nos vão conduzir à vitória. Entendo que o Partido Socialista está em condições de lutar por uma vitória na base destas linhas programáticas. Devemos lutar pela obtenção de uma maioria absoluta. O PS não deverá fazer coligações pré-eleitorais com nenhum outro partido. O Partido Socialista não deverá fazer qualquer coligação com os partidos que suportaram o actual governo, que é responsável por uma política de austeridade e de empobrecimento, numa lógica neoliberal.
Está a excluir o bloco central?
Estou a excluir o bloco central. Se não tiver maioria absoluta, o PS deve estar disponível para formar governo procurando coligar-se com os outros partidos de esquerda ou estabelecendo acordos de incidência parlamentar.
Mas isso é possível, tendo em conta as grandes divergências, nomeadamente em política europeia?
É um processo em construção. Há matérias em que há consonância, nomeadamente em tudo o que seja a preservação das funções sociais do Estado, saúde, educação, protecção social e até cultura. Aqui há convergência à esquerda. É verdade que o Partido Socialista é um partido com responsabilidades na construção da Europa, mas a Europa que existe hoje, a de um directório mais obediente à especulação financeira do que à solidariedade entre os Estados, é uma Europa que não tem tino.
Como é que tendo assinado o tratado orçamental o PS pode escapar do destino de governar mantendo a austeridade por 20 anos?
O tratado orçamental é um enquadramento jurídico e político relativamente aberto e possível de negociação. É um plano de contas públicas rigorosas e certas e combate ao défice e à dívida. Não é algo que esteja cristalizado num processo que ponha em causa a consolidação da economia e o crescimento e é susceptível de ser negociável. Esta ideia de vermos os tratados europeus como tratados fechados e pensarmos que a construção europeia tem que ser feita com base no desenho actual que existe na Europa é absolutamente contrário a tudo o que é necessário fazer. Naturalmente, que há que rediscutir todo o processo...
Isso significa pôr em causa o tratado orçamental?
Significa pôr em causa a forma de construção da União Europeia tal como ela está a ser feita! A lógica da solidariedade tem que se sobrepor na União europeia. Há que aprofundar os tratados, rediscutir a União Europeia num quadro de solidariedade. Há uma Europa que é preciso reconstruir, a própria lógica dos tratados e o redesenho do modelo europeu. E a renegociação da dívida, dos juros, das maturidades.
Estamos a falar da reestruturação da dívida.
Da renegociação da dívida.
Por que é que a direcção do PS não diz reestruturação?
Só para evitar a confusão com perdão da dívida. Nós entendemos que não devemos colocar a questão do perdão da dívida. O termo renegociação evita essa questão. Mas isso tem que se colocar: o pagamento dos juros, o tempo de pagamento, a sustentabilidade da dívida é um problema europeu. O acréscimo da dívida acima dos 60% já abrange um conjunto elevado de países europeus.
O senhor sempre foi da ala esquerda do PS e apoia António José Seguro. Há outros membros da ala esquerda que apoiam António Costa. António Costa é mais à esquerda ou mais à direita que António José Seguro?
Não me quero posicionar em termos desse debate. O PS é um partido de esquerda, um partido de centro-esquerda, e os valores fundamentais do PS são os da solidariedade. Mas hoje, na maior crise da democracia portuguesa em termos de valores, os grandes problemas que se colocam são os da liberdade e dignidade. O nome mais dramático para solidariedade chama-se dignidade. Quando temos estes milhões de pobres, milhares de pessoas no desemprego, milhares de jovens obrigados a emigrar, um país que vive cada vez pior com uma desesperança grande, o valor da dignidade é de uma relevância brutal. Liberdade e dignidade são agora bandeiras gritantes dos socialistas para construirmos uma nova Europa e um novo país. Não foi para isto que se fez o 25 de Abril.
Há uma semana, o secretário nacional Álvaro Beleza dizia ao i que a candidatura de António Costa representava muito daquilo que foi José Sócrates.
Eu não quero entrar num debate que não seja o debate das ideias e dos valores, que é o fundamental para o Partido Socialista. Só teremos futuro como partido se formos o partido das ideias e dos valores. A crise dos valores é dramática em Portugal. Vale a pena lutarmos por valores e é uma batalha para o futuro. Às vezes pergunto-me: o que é que eu quero deixar aos meus filhos e aos meus netos? É que eles possam olhar para nós e possam dizer: "Aquele lutou pela liberdade e tem as mãos limpas".
Lembra-se bem de outros períodos de guerra fratricida dentro do PS como o que estamos a assistir neste momento. Em 1991 estava com António Costa no apoio à liderança de Jorge Sampaio quando Sampaio perdeu as legislativas e Guterres quis derrubá-lo. O que é aprendeu nesse tempo?
Na altura, era do secretariado de Jorge Sampaio com António Guterres, António Costa e outros e era vice-presidente do grupo parlamentar de António Guterres. Foi um período muito duro, de grande crispação, de grandes ataques políticos internos. Foi um período difícil. Alguns de nós lembram-se vivamente desse período muito duro e difícil. O que devemos aprender é que o partido e os valores estão acima das lutas internas. Nas lutas internas há por vezes a tentação de ultrapassar os limites do que é razoável. Espero que essas lutas do passado nos dêem experiência - a muitos de nós dão, seguramente - para poder com maturidade e sentido de responsabilidade ajudar a perceber que no dia seguinte continuamos todos socialistas, a defender um projecto que não é para nós, nem para o nosso partido. É o que é melhor para o povo português.
Há socialistas a pedir todos os dias directas. Isso não vai acontecer?
O secretário-geral é eleito directamente pelos militantes, por mandato temporal predeterminado. É estruturalmente impossível ser demitido por qualquer dos órgãos do partido, pois nenhum órgão nacional (nem o próprio congresso) tem entre as suas competências o poder demitir o secretário-geral. Só este por decisão pessoal e livre pode demitir-se. Os congressos extraordinários não são electivos, pelo que a capacidade eleitoral activa dos congressos quanto a órgãos nacionais, que lhes é atribuída estatutariamente, não pode ser exercida no caso de um congresso nacional ser extraordinário. É à Comissão Nacional de Jurisdição do PS que cabe dar parecer sobre a interpretação das exposições estatutárias.



segunda-feira, 9 de junho de 2014

Homenagem ao Osvaldo Castro

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terça-feira, 3 de junho de 2014

Melancolias Políticas


 1. Pertenci à minoria que não apoiou António José Seguro no último Congresso. Recordo-me muito bem da fé com que se derramavam perante o novo triunfador tantos e tantas militantes. Conservo ainda no ouvido a música dos elogios ao novo chefe. Os protestos de apoio e fidelidade eternas. As fotografias ao lado do líder para a posteridade guardar esses grandes momentos.

Com espanto verifico agora que muitos desses entusiastas se assanham contra quem antes idolatraram. Com o mesmo entusiasmo. Acusam-no de algum desvio programático? De alguma traição ao que lhes prometeu? Não. Acusam-no de terem agora á mão um outro “general”  em cuja vitória têm mais fé. Apenas isso. A mesma fé que os fez erguer nos ombros AJS, faz com que agora  se esforcem por derrubá-lo.

Relembro: aclamaram Sócrates. Não foi o meu caso. Não me distanciei dele em segredo quando estava a perder brilho. Tomei as minhas posições à luz do dia no Congresso. Quando deixou de ser líder, muitos dos que antes o haviam adulado passaram a vociferar contra a “tralha socrática”, apoiando então entusiasticamente Seguro contra a “tralha socrática”. Não os acompanhei.

O vento mudou, são agora contra a “tralha segurista” que varreu a “tralha socrática”. Sempre o mesmo entusiasmo, sempre a mesma autenticidade. Mas é talvez imprudente vender desde já a pele do urso, porque o urso ainda vive.

2. Se nas primárias concorrerem Seguro e Costa , não decidi ainda em definitivo o meu sentido de voto, mas as propostas de Seguro quanto às primárias fizeram-me aproximar dele. Vamos a ver. Mas uma coisa eu sei, se aquele que ganhar vier a ser um mau governante também serei responsável por isso. Se tiver votado nele nas primárias a minha  responsabilidade será maior. A minha obrigação enquanto for militante do PS é a de ser solidário com o que vencer sem nunca deixar de o criticar quando isso me parecer justo. Quando achar que não devo fazer isso saio do partido.

Fui da oposição interna a alguns secretários-gerais. Nunca lhes atirei nenhuma pedra depois de o terem deixado de ser . Fui apoiante de alguns secretários-gerais. Senti-me solidário com os seus êxitos, corresponsável pelos seus erros e obrigado a criticá-los, quando a minha consciência mo ditasse.
É dever de qualquer militante  do PS exprimir as suas opiniões, principalmente se forem críticas. Mas há um esforço de inteligência a que todos estamos obrigados : temos de criticar os nossos de um ponto de vista socialista , na perspectiva das ideias e dos valores do PS. Nunca, mesmo nunca, deixando que nos transformem num megafone das críticas que os nossos adversários nos fazem  a partir dos seus pontos de vista.


 Olho com melancolia para o atual panorama do PS. Os nossos inimigos, os inimigos  do povo, os inimigos do PS preparam armas , preparam munições. Quando nos caírem em cima serão imparciais, combater-nos-ão por igual, a todos nós, sem quererem saber se apoiamos Seguro, se apoiamos Costa ou se não apoiamos qualquer deles.

domingo, 1 de junho de 2014

Partido Socialista – sair do seu labirinto.



 1.O PS atravessa um período conturbado, com o acentuar da sua conflitualidade interna. A conflitualidade não é, em si própria, e necessariamente um mal. Mas esta, por enquanto, parece sê-lo, por se travar em torno da liderança do partido a partir das alegadas qualidades de duas pessoas e não entre duas orientações políticas separadas por aspetos estratégicos relevantes, ainda que encabeçadas naturalmente por pessoas.
Se estivessem em causa  duas visões distintas, cada uma delas se podia aperfeiçoar  no decorrer da controvérsia, agilizando as hipóteses de diálogo entre ambas e potenciando a qualidade de uma possível síntese final. As repercussões externas podiam até ser positivas, pelo relevo do que estaria necessariamente em causa. Predominantemente, não é isso que acontece com a querela atual. O que é mais visível é a tentativa de apoucamento de  cada parte relativamente à outra.
Cientes disso, mas compreendendo que desencadeada uma infeliz refrega ela haverá que percorrer um curso antes de ter um fim, os socialistas podem, no entanto, conter danos, apurar espaços de convergência no próprio calor da refrega e agir com a argúcia de quem não esquece que cada uma das partes precisa da outra para levar a bom termo os objetivos que visa.
Não se trata de um combate entre inimigos, mas de uma discordância entre parceiros de um mesmo combate. É legítimo que cada um faça valer sem tergiversações os seus argumentos, sem que com isso tente destruir o outro lado. Se e quando o fizer estará também a destruir-se a si próprio. Se é dramático que dentro da esquerda se combata por vezes como entre inimigos, muito mais dramático é que isso ocorra entre os militantes de um mesmo partido.
2. Dito isto, devo começar por dizer que não apoiei Seguro quando ele foi eleito e que até ontem não tinha ainda decidido se o apoiaria ou não num possível confronto com Costa, num futuro próximo. Depois do que aconteceu ontem, depois daquilo de que me apercebi quanto às suas propostas, é maior a probabilidade de o vir a apoiar.
De facto, entre as propostas que hoje fez na Comissão Nacional, incluem-se algumas pelas quais eu e muitos  outros socialistas nos batemos dentro do PS, há pelo menos dez anos, como é o caso das eleições primárias para escolha dos candidatos do PS a órgãos políticos e a adoção de medidas que contribuam para separar com clareza dentro do PS a política dos negócios.
Se os caminhos em causa forem adequadamente percorridos e os outros também propostos  forem calibrados com equilíbrio, quando forem concretizados, chegaremos a um novo patamar de qualidade na vida interna do PS e a uma apreciável melhoria do sistema político.
De facto, o panorama político europeu, bem como o português, depois das recentes eleições europeias , parece indicar  que, mais do que uma crise programática do partido socialista europeu, estamos perante um nível de confiança baixo, no que diz respeito ao modo como os partidos dessa área exercem, delimitam e orientam a sua intervenção política na sociedade, ao modo como se relacionam com ela.
Medidas como aquelas que foram propostas por Seguro  visam o cerne da problemática em causa. Virtuosas no plano da qualificação do sistema político, representam uma reviravolta profunda na vida interna do partido, indo na direção do que era um sentimento continuado de incomodidade por parte de muitos militantes, pela sua marginalização na designação dos candidatos  e um apego excessivo ao status quo por parte do chamado aparelho. A conjugação destes dois planos tem todas as condições para funcionar como um poderoso tónico eleitoral, nada impedindo que lhes sejam acrescentados outros fatores de fortalecimento eleitoral  e político do partido.
Por isso, penso que é muito mais benéfico para o PS, quer politicamente, quer no mero plano eleitoral, assumir e pôr em prática as mudanças referidas, do que uma mudança de líder que deixasse tudo na mesma nos planos em causa. Para mais, as propostas feitas por Seguro implicam a possibilidade de uma disputa eleitoral para escolher quem será o próximo candidato do PS a primeiro-ministro, podendo Costa, se assim o quiser, ser um dos concorrentes. E atendendo a que Costa está convencido de que dispõe de uma aceitação dentro do eleitorado do PS muito superior à de Seguro, ele só tem a ganhar com a nova maneira de designar o candidato do PS a primeiro-ministro. Por outro lado, numa disputa dessa amplitude, seja qual for o vencedor, o que podemos ter por certo é que ele ficará eleitoralmente muito mais robusto do que se a designação não passar por eleições primárias abertas.
Dir-se-á que pode gerar-se uma situação embaraçosa para um Secretário-Geral, se, concorrendo contra outro candidato, perder essa competição. Numa situação dessas, seria compreensível que se demitisse, mas uma coisa é demitir-se porque numa consulta, tendo-se pronunciado centenas de milhares de cidadãos, foi vencido; outra coisa, é demitir-se porque um seu concorrente acha que pode fazer melhor e há umas centenas de militantes que acham o mesmo. Por outro lado, a verificar-se esse tipo de resultado, pode até dar-se o caso de que, por acordo entre o SG em funções e o pré-candidato hipoteticamente vencedor, se entenda que durante um certo tempo possa manter-se em funções o SG vencido na disputa da candidatura a primeiro-ministro.
 São conhecidas noutros países situações paralelas. Não está aqui em causa nenhuma bicefalia, mas quando muito uma complementaridade que sempre dependeria nessa hipótese de uma conjugação de vontades de dois protagonistas. Uma complementaridade mais ou menos transitória consoante fosse a vontade conjugada de ambos. Pelo que conheço de uma metodologia idêntica já seguida em Itália pelo Partido Democrático, que, como se sabe, pertence ao Partido Socialista Europeu desde há pouco e integra desde a sua fundação  o grupo parlamentar do PE, onde estão os socialistas, após a escolha feita  as crispações internas no partido diminuíram e a força eleitoral aumentou. Recorde-se que nas recentes eleições europeias o PD na Itália passou a barreira dos 40%.
Seja como for, o importante é fixar a regra da escolha dos candidatos do PS a todas as eleições através de primárias abertas a simpatizantes , abertas ao eleitorado socialista habitual. Na regulação dessa via haverá que agir com rigor e equilíbrio, sendo certo que nos últimos anos se têm multiplicado experiências destas  em partidos irmãos de vários países. Esse mesmo rigor e essa mesma cautela devem ser usados para instituir as regras e os mecanismos tendentes a separar a política e os negócios dentro do PS ou a partir dele, bem como para se regularem com verdadeira transparência e equidade democráticas, quer as primárias abertas, quer quaisquer eleições internas realizadas no PS.
3. Fui apanhado de surpresa pela posição assumida por Seguro. Foi uma surpresa positiva. Mas também me surpreendeu a posição assumida por Costa e alguns dos seus apoiantes, uma vez que, se estão realmente convencidos de que dispõem de uma vantagem na popularidade, tanto maior quanto mais se alarga o universo dos consultados, só têm a ganhar com este tipo de legitimação através de primárias abertas. Realmente, um candidato a primeiro-ministro instituído pela vontade conjugada de centenas de milhares de eleitores socialistas, seja ele qual for, sairá desse processo amplamente reforçado.
 Ao conjugar esse tipo de escolha do candidato a primeiro-ministro com um processo idêntico de escolha dos candidatos a deputados, o PS apresentar-se-á nas próximas eleições como uma dinâmica coletiva de dezenas de milhares de vontades, o que se traduzirá inevitavelmente num poderoso impulso eleitoral. Um impulso que não retira importância aos principais aspetos programáticos, à questão das alianças ou a algumas vias de intervenção social novas que são necessárias, mas que será um fator de enorme relevo na atual conjuntura.
Pode compreender-se o excesso de emoção posto em diversas posições de alguns camaradas nossos, mas é bom ter-se presente que o caminho em causa beneficiará muito o partido seja qual for o candidato a primeiro-ministro, tornando-o mais forte. E muitas vezes os resultados objetivos de uma escolha política transcendem em muito as motivações subjetivas de quem escolheu.
4. E  sendo este, na minha opinião, o cerne da questão política que está em cima da mesa, não podemos esquecer também que o respeito pelos Estatutos é uma condição sine qua non para o funcionamento normal de um partido, quiçá para a sua sobrevivência. Pelo que não é possível ignorar os Estatutos do PS, especialmente quanto às competências principais dos seus órgãos nacionais, quanto ao modo como são eleitos e podem ser demitidos. Ora, sem pretender aqui a analisar em profundidade as implicações estatutárias das posições em confronto, há algumas coisas simples, mas básicas, que vale e pena reter.
Primeiro, desde que o Secretário-Geral é eleito diretamente pelos militantes,  é estruturalmente impossível que seja demitido por qualquer dos órgãos do partido, sendo essa a razão pela qual nenhum órgão nacional (nem o próprio Congresso) tem entre as suas competências o poder de demitir o Secretário-Geral. Só este por decisão pessoal e livre pode resolver demitir-se.
Segundo, os Congressos Extraordinários não são eletivos, pelo que a capacidade eleitoral ativa dos Congressos quanto a órgãos nacionais, que lhes é atribuída estatutariamente, não pode ser exercida no caso de um Congresso Nacional ser extraordinário.
Terceiro, o SG, a Comissão Nacional ou um certo número de Federações podem suscitar a marcação de um Congresso Nacional Extraordinário, mas não podem atribuir-lhe poderes que lhe não estejam previamente atribuídos pelos estatutos.

5. A conjugação do contexto estatutário com as considerações acima feitas apontam claramente no sentido de se concretizarem os pressupostos normativos, práticos e institucionais para materialização das propostas feitas por Seguro, nomeadamente, a das primárias abertas. Desse modo, pode rapidamente legitimar-se o candidato do PS a primeiro-ministro, abrindo-se  assim uma porta para uma vitória eleitoral de um PS bem mais enraizado no seu próprio eleitorado, menos crispado internamente e mais resistente à propaganda de descredibilização dos partidos que tem vindo a contaminar a opinião pública em Portugal..