segunda-feira, 29 de junho de 2009

Um homem providencial



Não tenho dúvidas. A única maneira de se resolver o problema das Honduras, com toda a transparência democrática e toda a subtileza neoliberal, é enviar já para lá o douto director do nosso "Público", para que rapidamente seja instalado com plenos poderes, na Presidência da República.


Talvez o mundo respirasse de alívio. Eu, enquanto leitor ( nem eu sei bem porquê) do jornal "Público", respiraria de certeza.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Nunca, com os nossos votos!



A primeira sondagem, que eu saiba, difundida depois das eleições de 7 de Junho passado, dá uma vitória relativa ao PSD (35,8% dos votos), ficando o PS a uma distância de 1,3% (34,5%). O BE solidifica a sua posição de terceiro partido com 13,1%. Segue-se a CDU com 8,4 %, enquanto o CDS se fica pelos 4,4%. A direita totaliza, assim, 40,2%, enquanto a actual oposição de esquerda atinge os 21,5%.

Se as próximas eleições viessem a ter estes resultados o PSD sairia vitorioso, mas nem uma aliança com o CDS bastaria para gerar uma maioria absoluta.

Este é um cenário extremamente perigoso, para o PS. A propaganda mediática e uma intensa pressão dos poderes de facto haveriam de tentar condicionar o PS para que, ao menos, não inviabilizasse um governo minoritário, de toda a direita ou só do PSD. Alegar-se-ia que impendia sobre o PS uma espécie de dever de bom perdedor, que o deveria conduzir a viabilizar um governo minoritário da direita. Mas, ceder a essa hipotética chantagem poder-lhe ia ser fatal, do ponto de vista da confiança do seu eleitorado e da sua própria coesão interna.

Por outro lado, numa conjuntura em que do PSD faz cair sobre o PS e sobre o actual Governo, não apenas uma chuva de críticas radicais, mas também uma chuva de insultos, temperada com uma ameaça de mudança de todas as políticas sociais e económicas seguidas pelo actual Governo, não se compreenderia que, se o PS viesse a perder as eleições,fosse salvar com o seu voto, o seu mais implacável algoz.

Por isso, o PS tem que deixar claro, desde antes das eleições, que votará contra qualquer governo de direita, pelo que só haverá um governo de direita depois das eleições se a direita no seu todo tiver uma maioria absoluta, ou se algum dos partidos de esquerda, que não o PS, resolver viabilizá-lo.

Deve também tornar claro que não se aliará a qualquer dos partidos da direita e que aceitará formar governo, se para tal for convidado, desde que a direita não tenha maioria absoluta.


E deve ficar claro que não se trata de apenas dar uns meses ou uns anos a um governo minoritário de direita.Deve ficar claro que o convite que o Presidente da República possa fazer a um partido ou a uma coligação de direita, que não tenham maioria absoluta na AR, é pura perda de tempo, a não ser que o BE ou a CDU tenham uma posição diferente da do PS.

Assim, se o PR, apesar disso, insistir nesse convite, há-de fazê-lo por conta própria com a noção de que, pelo menos o PS, apresentará uma moção de rejeição contra qualquer governo de direita, seja ele só do PSD ou do PSD /CDS.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Cavaquíssimo



Somam-se indícios que sugerem o que parecia até há pouco inimaginável: Cavaco Silva prepara-se para entrar na luta partidária como verdadeiro chefe do PSD.


De facto, é óbvia a conveniência do PSD em não enfrentar as eleições legislativas antes das autárquicas. Essa conveniência ditou a sua preferência por eleições no mesmo dia, uma vez que sabe que não estava ao seu alcance ter as autárquicas antes das legislativas. Em contrapartida, todos os outros partidos com assento parlamentar são contra essa ideia, já que ninguém gosta de entrar em competição contra um adversário a quem é dada uma vantagem de partida. Sabe-se que juntar as três escolhas autárquicas com a legislativa é um potencial factor de confusão. E sabe-se também como se casa bem com o ranço populista mais reaccionário, tudo o que apouque eleições e eleitos


Será pois uma inacreditável ruptura com a mais elementar moralidade republicana que Cavaco Silva faça o jeito ao seu partido de origem, contra a opinião de todos os outros partidos parlamentares.

Mas o que tornará esse infeliz evento, politicamente, repugnante é o facto de se invocar uma sondagem à opinião dos portugueses como possível justificação da decisão. Se fosse prática habitual do Presidente promover estudos de opinião para tomar as decisões políticas que considera importantes, estaríamos perante uma conduta insólita, mas cuja boa fé se podia admitir.

Todavia, se o Presidente nunca seguiu esse caminho, mas perante a necessidade de tomar uma decisão politicamente sensível, tenta justificar a sua decisão, coincidente com a sua preferência partidária, escondendo-se atrás do resultado de uma qualquer sondagem, deixa de estar a ser apenas tendencioso, passa a revelar uma grande hipocrisia.


Ainda me resta uma ponta de esperança de que Cavaco não enverede por esse vergonhosos atalho. Mas se o fizer, devemos reagir com clareza: ele deixará de ser um Presidente de todos os portugueses, para se tornar no simples capataz do laranjal, que assim passa a abusar do exercício do lugar institucional que ocupa.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

Pixordices 28- A dama , a economia e os anões

Noutros tempos, contava-se a história da "Branca de Neve e os Sete Anões", para ajudar as crianças a dormirem com os anjos.

Uma panóplia de 27 marmanjos e 1 marmanja, possuídos por um desejo irreprimível de servir a Pátria, deliberou no rescaldo das eleições europeias, dar uma mãozinha à colega Ferreira Leite, em nome da boa solidariedade corporativa. Cometeram então um manifesto. O seu tom é dominantemente laranja, envolvido por um delicado perfume neoliberal. Quatro ou cinco distraídos emprestaram a caução do seu nome, para que se dissesse que estava ali um coro autenticamente transversal, que tanto podia trautear uma canção do Frei Hermano da Câmara como uma balada do Zeca Afonso.


Circunspectos, arredondaram uma prosa, deixando recair sobre ela a sombra de alguns números. Afeiçoaram meticulosamente algumas frases, para que pudessem funcionar em várias direcções. E, num assomo de imaginação teórica, preconizaram então, no essencial, duas das coisas, que estão arreigadas na idiossincrasia do povo português, do mesmo modo que o vira do Minho mexe no sangue dos minhotos. Por um lado, querem que se espere; por outro lado, que se façam mais estudos. Mas o que seguramente espera deles a patine conservadora nacional é que contem com verosimilhança aos portugueses uma história da carochinha: "A Dama de Cinza e os Vinte e Oito Oráculos".

Mas eu tenho um vizinho,que é um rapaz mal-disposto. Em vez de escutar pacientemente a nova história, desatou a fazer perguntas:


Tudo somado quanto ganharam aquelas almas em pareceres encomendados pelo Governo, pelas autarquias e pelas empresas públicas?

Quantos dos que foram Ministros fizeram nos seus Governos o contrário do que agora preconizam ?

Quantos deles nos avisaram a tempo da crise que caiu sobre nós, tendo sabido prever e mostrar o que veio a acontecer, como começou e até onde irá ?

O meu vizinho tem mesmo maus fígados e, sem esperar por respostas, não hesitou em afirmar:
" A alguns deles, ainda os hei-de ver naquela fila de pedintes de luxo que estendem a mão a gregos e troianos, pedindo "um estudozinho por amor de Deus". Há outros que assinam seja o que for, se lhes puserem o nome nos jornais. E outros ainda receberam um telefonema de um ex-ministro de quem são amigos , pedindo-lhes colaboração para se dar "uma ferroada ao Sócrates", ou pedindo para se dar uma "mãozinha" à Ferreira Leite. E responderam logo: "Está bem , Sr Professor, ponha lá o meu nome". E a verdade é que acertaram em cheio . Lá vem o nome deles no jornal , com o ar grave de quem está em intensa neuro-secreção económica".

A Dama de Cinza já agradeceu. Os portugueses podem agora ter um sono mais tranquilo, visto haver um comité de sábios, com o modesto tempero de apenas uma sábia, que cometeu a luminosa ideia de os mandar esperar, mas de os mandar esperar com muita consistência, com muito estudo. Os portugueses reconfortados com essa nova pitada de sabedoria, respiram finalmente.

Mas o meu vizinho é mesmo insuportável. Vejam o que teve a ousadia de dizer:
"Politicamente, não podem ser a "Branca de Neve e os Sete Anões". Por isso, politicamente, têm que passar a ser : " A Dama de Cinza e os Vinte e Oito Anões".

Sendo asim, querendo-se contrariar, realmente, o tão insólito vizinho, apenas podemos fazer com que a" Dama de Cinza" se acenda e com que os Vinte Oito Anões cresçam.

Alarme autárquico: em última instância

[ Esta foto foi publicada no blog Deus Dorme]

Pelo que tem transpirado para a comunicação social, acerca do conturbado processo de escolha de um candidato do PS à Presidência da Câmara Municipal de Coimbra, bem como pelos ecos detectados na blogosfera, penso que há um problema emergente que pode vir perturbar ainda mais esse processo. E a partir daí há uma solução que se impõe.

Pessoalmente, estou convencido de que o Henrique Fernandes agiu de boa fé, devendo-se o seu contributo para o inquinamento do processo a tergiversações, a inabilidades e a erros de avaliação. Tendo falhado na pilotagem do processo de escolha, abriu a porta à afirmação de pulsões dissipativas e deu oportunidade a apetites carreiristas, que doutro modo talvez não tivessem ousado afirmar-se.

Nesta perspectiva, não ponho em causa a autenticidade e a boa fé das suas abordagens ao Luís Marinho, no sentido de ele poder vir a ser a solução do problema. Admito, assim, que as dificuldades surgidas nesse processo tenham sido fruto de hesitação e inabilidade, e não de premeditação. Mas o seu arrastamento acabou por levar o Luís Marinho, alguns dias antes das eleições europeias, a comunicar-lhe formalmente por escrito a sua indisponibilidade para poder vir a corporizar essa hipótese.

A tudo isso, acresce que esse naufrágio de hipóteses que traziam esperança, fez despontar, nos dias mais recentes, uma estranha ressurreição de pré-candidaturas que antes eram vistas como brincadeiras ou simples frutos de manobras de contra-informação.

Confesso que me espantei com tudo isso, continuando convencido que, se realmente essas hipóteses forem mais do que isso, não passarão de remendos infelizes, que apenas podem agravar, ainda mais, as sequelas de um processo de escolha mal conduzido.

Em eleições democráticas não há derrotas nem vitórias antecipadas, mas só um optimista extremo poderá realmente pensar que a desesperada invenção de candidaturas independentes (pelo menos, as que foram mais faladas) pode conduzir a uma vitória autárquica. E o efeito normal que uma dessas candidaturas venha a ter no estado actual do partido só pode ser desastroso.

Voltemos ao problema emergente a que acima me referi e que pode tornar este quadro ainda mais complexo. De facto, dado o estado em que se encontra a Comissão Política Concelhia de Coimbra do PS, dado tudo o que acabo de dizer, dadas as interpretações desencontradas e inverosímeis (embora reais) que emergiram sobre o significado dos mais recentes episódios, pode ganhar força uma ideia que, embora podendo não corresponder à verdade, tem a verosimilhança de parecer lógica. E não sendo eu seguidor da ideia feita de que em política tudo o que parece é, sei que seria estulto menosprezar por completo as aparências.

De facto, se um dos candidatos independentes que tem sido mais badalado nos últimos dias se vier a confirmar, poderá haver quem pense que a aparente incoerência do processo não é mais afinal do que a consequência de termos estado desde o princípio perante um processo de faz de conta.

Isto é, outras instâncias, que não o PS, patrocinaram um candidato, tudo se tendo limitado, depois disso, a conseguir-se que o Partido o engolisse, custasse o que custasse. E assim a candidatura do HF nunca foi mais do que uma cortina de fumo que desde sempre foi apenas virtual. Convergentemente, os repetidos apelos ao LM não passaram de um expediente, integrado no referido processo de ocultação.

Dirão: não é verdade. Respondo: também é isso que eu penso. Mas convenhamos: pode parecer verdade. E isso, só por si, já é mau. E uma nuvem de dúvida deste tipo, na actual conjuntura, pode ter efeitos eleitorais demolidores.

Tudo isto me leva a pensar que, chegados ao ponto a que chegámos, já não há soluções boas. Trata-se de optar por uma solução de recurso que contenha em si própria uma probabilidade maior de resultados menos maus. Solução de recurso e de urgência, pois a falta de tempo, por si só, pode fazer com que uma candidatura, qualquer candidatura, potencialmente boa, se enfraqueça dramaticamente.

Solução de recurso e de urgência,viável neste momento, só vejo uma: o Presidente da Federação e o Secretário-Geral do Partido, depois de legitimados pelos passos estatutariamente necessários, escolhem um candidato, por acordo entre si.
A meu ver essa via, poderia até superar as dificuldades em que o PS está em Coimbra neste plano, se fosse capaz de designar como candidato à Câmara um militante do PS com efectiva ligação a Coimbra, sendo certo que, pelo contrário, para mim, designar um independente como candidato nas actuais circunstâncias será sempre uma má solução. É pública a distância política que me separa de ambos na geometria interna do Partido, mas não vejo, dentro do estado necessidade para onde o PS de Coimbra foi atirado, outra solução com viabilidade prática.

domingo, 21 de junho de 2009

Carlos Candal


Não me fui despedir do Carlos Candal. Troca de horas e de dias, num jornal apressado. Não ouviremos mais a trovoada cristalina da sua voz bem timbrada dizer uma enormidade qualquer, com a qual começava ele, desde logo, por se divertir sem complexos. Não o veremos usar, como se estivesse distraído, o bisturi da sua crítica que, parecendo, às vezes, ligeira, atingia sempre, precisamente, o que ele queria atingir. Não se preocupava em ser previsível, nem se sentia nunca obrigado a dizer o que o seu interlocutor gostasse de ouvir. O Candal não precisava de dizer que era frontal. Era.

Liderou uma lista de esquerda para a direcção da AAC, em 1960/61, que interrompeu uma hegemonia da direita salazarista de mais de uma década. Enfrentou, com o seu verbo tonante e incisivo, os oradores da direita académica, que sempre nos fustigavam nas Assembleias Magnas, com a segurança de quem tinha as costas quentes, pela força do regime. Nesses anos, que precederam a crise de 1962 e durante ela, é justo lembrar aqui mais alguns, cujas vozes nos exprimiam a todos: Manuel Alegre, Lopes de Almeida, Ferreira Guedes, José Augusto Rocha, Avelãs Nunes, José Luís Nunes, César Oliveira. Estou talvez, injusta e involuntariamente, a esquecer outros, mas destes lembro-me bem, lamentando apenas que os dois últimos nos tenham já deixado.

Há, entretanto, dois pequenos episódios vividos com Carlos Candal que aqui evoco em sua homenagem. O primeiro está abundantemente documentado num dos primeiros números do jornal da AAC, Via Latina , publicados sob a responsabilidade da direcção do Candal (nº122, 16 de Janeiro de 1961). Várias páginas do jornal são ocupadas por uma momentosa polémica.

Dois expoentes da direita académica, insurgiam-se contra um poema (Manifesto Juvenil), publicado num dos números anteriores da Via Latina ( nº 120 , 5 de Dezembro de 1960) da autoria de um tal Manuel Sando, dizendo entre várias outras coisas que : “O poema consegue revoltar mesmo à despreocupada leitura. É realmente um manifesto ofensivo e injurioso, insolentemente atirado contra credos , instituições e princípios éticos que são nossos e dominam em profundidade o pensar e o sentir da portuguesíssima Academia de Coimbra". E mais adiante prosseguiam:”Não consentiremos que sob a capa de manifestações de arte se venham lançar na Academia as mais perigosas teorias.”

Mas antes da missiva , a VL republicava o poema e um longo texto de Carlos Candal que contrariava a interpretação dos críticos e rebatia os ataques feitos ao critério do Jornal que permitia a difusão de tão perigoso poema. O texto de Candal é notável. Ele procura sustentar a liberdade de se publicarem na VL este tipo de textos, mas tem a prudência de dar, ele próprio, uma interpretação do poema mais inócua. De facto, parecia claro que o ataque ao poema era mais um pretexto do que uma causa da reacção dos direitistas. No fundo, era legítimo pensar-se que se estava aí a procurar um pretexto para se provocar o encerramento da Via Latina. O que viria a acontecer mais tarde mostraria que essa desconfiança era fundada. E o Manuel Sando?


O Manuel Sando era eu que, até então, não tinha cometido qualquer publicação em verso ou em prosa com o meu nome. Fiquei quieto e calado. A tempestade passou. Meses depois, viria entrar para a redacção da Via Latina (salvo erro, em conjunto com o Neto Brandão e com o Parcídio Sumavielle) e a conhecer bem o Carlos Candal. Na primeira oportunidade lá lhe disse. “ Sabes quem é o Manuel Sando? Sou eu!” Numa mistura de gargalhada e espanto respondeu:” Tu ? Ó pá, deste-me muito trabalho!”Ficámos amigos.

Anos mais tarde, depois do 25 de Abril, quando se preparava já a constituição da UEDS, houve uma iniciativa unitária em Coimbra, a propósito da Constituição, onde participava, a título pessoal, gente do MDP, do PCP e da pré-UEDS ( que era onde eu estava). Carlos Candal era a voz do PS, sendo certo que todos estavam ali a título pessoal. Mário Soares era então Primeiro- ministro. Candal tinha tomado publicamente posições críticas da direcção do PS. Os oradores dos vários quadrantes iam tecendo as suas intervenções com o cuidado de não perturbarem a conjugação de áreas políticas diferentes. Fora o Candal , tudo era crítico do PS, mas as intervenções procuraram ser suaves, dado estar ali alguém desse partido como convidado.

Até que Carlos Candal toma a palavra e diz : “ O PS é como um ovo estrelado com batatas fritas! O Mário Soares é o ovo. O resto são batatas fritas. E o que conta é o ovo.” Pela cara, o Candal divertiu-se à brava com essa blague. Mas a verdade é que em episódios subsequentes, foram muitas as vezes em que me lembrei dessa frase. Com um humor, aparentemente descuidado, acertou no alvo com precisão total.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

Reunião da CPN do Partido Socialista

O texto que se segue corresponde à minha intervenção na Comissão Política Nacional do Partido Socialista, no passado dia 15 de Junho. Como é um texto elaborado a partir de um pequeno conjunto de tópicos e da memória, não garanto uma completa reprodução de tudo o que disse, mas asseguro fidelidade ao espírito da intervenção feita e ao essencial do seu conteúdo.
Dos sete membros da CPN que pertencem à corrente de opinião "Esquerda Socialista", na qual me integro, seis usaram da palavra. Ao longo da noite, ao todo, vinte e cinco membros da CPN falaram. As intervenções foram muito diferenciadas. Em regra solidárias, por vezes críticas, sempre viradas para o futuro com todo o ânimo. Alguns dos que estiveram calados, lá dentro, falaram cá fora para a comunicação social. E alguns jornais noticiaram que a reunião foi o conjunto das declarações de alguns dos presentes à saída ou à entrada. Puro engano. Eis o que eu disse:
1. Os resultados das últimas eleições europeias são, para o PS, suficientemente maus para que não tenha sentido atribuí-los a detalhes circunstanciais. De facto, se entendermos que um Partido é constituído, não só por quem nele se inscreve, mas também pelo seu eleitorado e pela sua base social de apoio, o que aconteceu nestas eleições pode ler-se como uma séria ameaça de cisão, entre o PS e uma grande parte da sua base eleitoral. Uma cisão de um tipo bem mais grave do que uma outra que foi recentemente evitada.

É este o problema que enfrentamos. Um problema agravado pelo facto de, no conjunto da Europa, o PSE ter sofrido um dramático revés, que, se virmos bem, incluiu um verdadeiro desmoronamento final da terceira via. De facto, no Reino Unido o Partido Trabalhista ficou num inimaginável terceiro lugar, pouco à frente do quarto partido. Na Alemanha, o SPD conseguiu permanecer no buraco onde tinha caído nas eleições anteriores. Na Itália , a componente italiana do PSE desvaneceu-se na grande manobra de oportunismo suicidário que foi a criação do Partido Democrático. Na Polónia, a fidelidade ao "blairismo” conseguiu transformar um partido que, no final dos anos noventa, era o elemento dominante de uma maioria parlamentar que sustentava um governo, quando na Presidência da República estava alguém saído das suas fileiras, num partido com cerca de metade da força de cada um dos dois partidos polacos, que hoje disputam a hegemonia.

Realmente, os socialistas europeus não foram capazes de dar verdadeira consistência à sua recusa genérica do paradigma neoliberal. Não souberam demarcar-se com frontalidade do pacto de estabilidade, não ergueram a voz contra a excrescência anti-democrática que representa o Banco Central Europeu.

Mas à esquerda não foi só o PSE que sofreu um desaire. Também o grupo dos comunistas e afins (a que pertencem o PCP e o BE) viu reduzir-se o seu escasso número de deputados europeus, tornando-se no grupo político menos numeroso do novo Parlamento.

Escaparam os Verdes, que progrediram, significativamente, devendo no entanto dizer-se que a sua subida se concentrou praticamente num único país, a França. Sublinhe-se, aliás, que este resultado traduz uma particularidade só aqui ocorrida: uma aliança com muitos dos mais destacados protagonistas de movimentos associativos.

2.Temos três meses, até às eleições legislativas, para recuperarmos da derrota sofrida. Não há tempo para inflexões estratégicas de índole programática. Inflexões políticas têm que ser bem medidas. E sempre correm o risco de serem tão bruscas que fazem duvidar da sua autenticidade, ou serem tão suaves que não produzem quaisquer efeitos. É preciso, por isso, um outro tipo de inovação estratégica: incorporar na campanha novos eixos de acção política que, pelo simples facto de existirem, constituam, em si próprios, uma novidade. Uma novidade estruturante que se radique no cerne da tradição socialista.

Dou três exemplos que, ilustrando essa ideia, podiam ser postos em prática: 1º-
dar centralidade à economia social, nas suas vertentes cooperativa, mutualista e associativa, no quadro de uma estratégia de requalificação em profundidade da sociedade e da acção política; 2º- valorizar, como aspecto de todas as políticas, o combate à desertificação e ao despovoamento do interior de Portugal, no quadro de uma ambição mais ostensiva de um desenvolvimento equilibrado e harmonioso de todo o país; 3º- radicar, num aprofundamento da vertente ambientalista da política energética, um aperfeiçoamento ambicioso das políticas de protecção ambiental e de equilíbrio e requalificação ecológicos.

Através destes eixos, preenchidos por propostas programáticas adequadas, poderíamos trazer para a cena política um sinal objectivo da renovação do PS e de uma maior cumplicidade com a sua base social de apoio e o seu eleitorado.

Para além deste potencial de reconciliação com a nossa base social, estes três eixos têm a virtualidade de se poderem articular entre si, potenciando a sua força e os seus possíveis efeitos. E , mais do que isso, podem ser um terreno de convergência das politicas autárquicas e da políticas nacionais, o que possibilitaria sinergias concretas entre as duas campanhas.

3. Dentro da mesma lógica, a de suscitar inovações políticas que valham pelo simples facto de serem perceptíveis e que sejam plenamente realizáveis no curto prazo, sem grandes custos ou dificuldades, é importante a emissão de um forte sinal de verdadeira e profunda renovação política do PS.

Para isso, deveria ser solenemente anunciado que, logo a seguir às eleições legislativas, o PS iniciaria um processo de debate dirigido à instituição de um sistema de eleições primárias, para a escolha de todos os candidatos do PS às diversas eleições; sistema esse que já se aplicaria no próximo ciclo eleitoral.

Transitoriamente, o método de elaboração das próximas listas de deputados deve ser completamente novo, podendo ser avocado, se for necessário, pelos órgãos nacionais.
Uma vez que não podemos ainda transmitir a estas listas o prestígio de um método democrático na sua elaboração, pelo menos tornemos ostensivo que elas procuram incluir o que de melhor temos no PS. Tornemos óbvia a mudança no critério de elaboração das listas, de modo a que fique claro que queremos um grupo parlamentar de excelência resultante de critérios radicalmente meritocráticos, distantes das lógicas de aparelho habituais.

Este caminho mostraria, objectivamente, ao eleitorado que o PS passara a ter uma renovada disposição de efectiva qualificação da vida política, dando assim um contributo para a melhoria da qualidade da nossa democracia. E os resultados disto nunca seriam eleitoralmente negativos, podendo, pelo contrário, vir a ser bastante positivos.

Lamentações?


Apoiaram um salvador que não nos salvou. E tudo acabou numa grande concertação que, em breve, se tornou numa grande estagnação.


Alguns arrependeram-se. Mais vale tarde do que nunca.

Juntaram-se agora a um coro público de lamentações.

Há realmente muito que lamentar. Por isso, por mim, associo-me às lamentações, mas a alguns dos públicos lamentadores não lhes ficava mal uma auto-crítica explícita.

quinta-feira, 18 de junho de 2009

O gigante com pés de banco


O Homem Comum subiu cautelosamente para cima de um banco, olhou para o mundo do alto do seu novo pedestal e gritou inebriado: Eu sou um gigante!

No entanto, um inesperado golpe de vento, num sopro impiedoso, foi-se a ele e derrubou-o. O Homem Comum sacudiu a poeira, olhou sem alegria para o fato rasgado e titubeou pesaroso:
Eu fui um gigante.

Moralidade: O facto de um Homem Comum olhar de alto para todos nós não significa, necessariamente, que ele seja um gigante.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

Tragédia, drama ou simples pesadelo ?



Nas últimas eleições para a Comissão Política Concelhia de Coimbra do PS apresentaram-se duas alternativas, uma liderada pelo Henrique Fernandes e outra pelo Carlos Cidade.

A primeira era uma lista de continuidade do poder concelhio instituído, mas que queria parecer novidade, sem verdadeiramente querer correr o risco de o ser. A segunda era uma lista que se ufanava de uma novidade que, no entanto, se não atrevia a ser, por completo.


No fundo, sem pôr em causa a honestidade pessoal e o esforço despendido pelos dois protagonistas em causa e por muitos que os acompanharam, eram duas hesitações que competiam entre si. O primeiro ganhou, mas rapidamente se entendeu com o segundo, numa fusão de inércias, que, só por muito pouco tempo, conseguiu parecer uma conjugação de vontades. E o que chegou a parecer o despontar de um ímpeto, rapidamente se aquietou numa sucessão de previsibilidades.

E quando o risco de naufrágio parecia ganhar corpo, inesperadamente, pareceu desenhar-se, afinal, em Coimbra o regresso de um novo impulso e alguma esperança. Novas sinergias despontaram, mostrando-se vocacionadas para estimular e dinamizar aquilo que, até então, parecia irremediavelmente adormecido. Mas esse bruxulear de energia depressa se apagou. O império das inércias e o reino das hesitações voltaram impiedosos, para cobrarem de novo o seu tributo. Os equívocos foram ganhando força. O resmungar das meias palavras levou a que cada um se convencesse que eram reais as suas próprias fantasias. E as fantasias de uns foram tornando-se nos pesadelos de outros.

Numa invasão do teatro político pelo hálito tenso da tragédia, os apoiantes de Henrique Fernandes tornaram o paroxismo desse apoio numa angústia crescente do apoiado; mas o sonhado candidato Henrique Fernandes converteu-se para a subjectividade impaciente dos seus apoiantes num ansioso vazio. Numa espiral perversa apoiantes e apoiado pareciam corroer involuntariamente o que mais pareciam desejar.

Na imprensa de hoje e em palavras que navegam já no hiper-espaço, a tragédia política do PS de Coimbra, no plano concelhio, parece aproximar-se do seu ápice.

Incrédulo, regresso a alguns comentários que fiz neste blog e recordo: em Coimbra, no plano autárquico, dentro do PS , contra ventos e marés, o suicídio político continua.

sábado, 13 de junho de 2009

O meu umbigo


Na sua coluna "Estranho Quotidiano", publicada regularmente, no DESTAK, J.L.Pio Abreu publicou mais um dos seus textos [O meu umbigo], tendo-me autorizado a que aqui o reproduzisse. Ei-lo:


Com as eleições de domingo, os defensores do liberalismo económico saíram reforçados na Europa. Curiosamente, isto ocorreu num contexto de crise que, reconhecidamente, foi provocada pelos excessos da economia liberal. Muito provavelmente, foi a própria crise que levou a estes resultados. Ou seja: o liberalismo provocou uma catástrofe que, por sua vez, o reforçou. Porquê?

É certo que a crise nasceu nos Estados Unidos de Bush e que a democracia americana lhe deu a resposta apropriada. É também verdade que a Europa, gerida por associações partidárias tão dispersas quanto fechadas e irritantemente submissas ao tio americano, apenas se debateu com os ecos tardios da crise. Finalmente, um cidadão europeu não se sente, de facto, tão europeu quanto um americano se sente americano. Talvez se trate pois de um problema de identidade.

Em tempo de crise, a crispação aumenta e a identidade retrai-se. Que importa pensar na Europa se antes está o País? E antes do País os amigos, e antes deles a minha casa. E, mais do que a casa, importa o meu umbigo. Como não pode votar nele, o meu umbigo vota contra tudo o que é visível. Contra o parente, contra o vizinho, contra o imigrante, contra o Governo, contra o Estado e até contra a Europa.

Com tanto bode expiatório, o Banco Central Europeu agradece o enfraquecimento dos Estados nacionais e continuará livre para forçar pessoas, empresas e países endividados a recorrerem ao mercado e assim se endividarem ainda mais. É certo que o meu umbigo vai pagar, mas ele não tem olhos para ver ao longe.
[J. L. Pio Abreu ]

sexta-feira, 12 de junho de 2009

O resultado das eleições europeias

1. Para o PS, as recentes eleições europeias traduziram-se num verdadeiro desastre. Não tanto pelo facto de ter passado a ser o segundo partido mais votado, a cinco pontos do primeiro, mas, principalmente, pela quebra percentual que sofreu, quer se tenha como termo de comparação o resultado das anteriores eleições europeias, quer o resultado das eleições legislativas de 2005, bem como pela modéstia do número de votos obtidos que ficou abaixo do milhão.

Este desastre teve dois efeitos colaterais visíveis. Primeiro, o maior partido da direita passou para a frente, e somando-se ao PP fez com que a direita no seu todo atingisse o patamar dos 40%, o que significa que o PS ficou 14% abaixo de um dos patamares de governabilidade de um governo seu de maioria relativa; ou seja, o de ter mais votos sozinho do que a direita junta. E esses mesmos 40%, alcançados pela direita, tornaram a hipótese de uma vitória sua, nas próximas eleições legislativas, um objectivo admissível. Segundo efeito: os dois partidos que com o PS partilham o espaço da esquerda, atingiram os 21% o que significa uma subida de 7% em face das eleições legislativas de 2005.Ou seja, em 2005, o PS estava cerca de 4% acima do triplo dos votos somados do BE e do PCP, e agora tem apenas pouco mais do que 5% acima dessa soma.

A conjugação desses dois efeitos potencia a perigosidade de cada um deles para o PS. Na verdade, pelo facto de ser relativamente mais fraco no conjunto da esquerda, pode ver atenuada a sua aura de único partido desse espaço com hipóteses de ser poder, vendo assim diminuído o seu potencial de atracção dos hesitantes do centro. Por outro lado, pelo facto de se mostrar mais distante da obtenção de uma maioria absoluta, correndo mesmo o risco de não ser sequer o partido mais votado, pode ver diminuída a sua capacidade de polarizar o voto útil à esquerda.

2. Esta frágil prestação nacional do PS viu os seus efeitos e o seu significado agravados pelo resultado obtido à escala europeia pelo grupo político de que faz parte. De facto, o Partido Socialista Europeu (PSE) sofreu nestas eleições um grave revés. Já tinha tido um mau resultado nas eleições anteriores, com o qual aliás contribuiu decisivamente para que a esquerda europeia, no seu todo, fosse minoritária no Parlamento Europeu, para além de ele próprio ter ficado muito atrás do Partido Popular Europeu (PPE). Mas conseguiu o que parecia impossível: piorá-lo. De facto, o PSE passou de 216 para 159 deputados, ou seja perdeu 57 deputados. Isto é, bem mais do que os 21 perdidos pelo PPE, que passou de 288 para 267.

Sem retirar significado político a estas perdas, há que dizer que ao PPE faltam agora os 28 deputados conservadores britânicos perdidos pela saída dos Conservadores ingleses, enquanto ao PSE faltam os 18 deputados italianos dos DS que saíram do PSE, pelo facto de o novo Partido Democrático, onde se diluíram os antigos DS, ao contrário destes, não ser parte do PSE. De um modo ou de outro, ficou claro que a relação de forças entre o PPE e o PSE evoluiu favoravelmente ao primeiro.

Se considerarmos que estas eleições ocorreram em plena crise do capitalismo mundial, bem clara no espaço europeu, não podemos deixar de sublinhar um correspondente acréscimo de humilhação para a esquerda, pelos resultados eleitorais alcançados. O eleitorado não lhe atribuiu credibilidade para pilotar o poder político nestes tempos difíceis, preferindo correr o risco de continuar a apostar nos que directa ou indirectamente a causaram. De facto, sem esquecer que o número total de deputados europeus diminuiu de 783 para 736, se considerarmos como sendo a esquerda a soma dos três grupos (PSE, Verdes e a UGE), verificamos que em 2004 elegeram (216, 43, 41) 300 deputados, mas em 2009 elegeram apenas (159, 51, 33) 243 deputados.
Além das perdas socialistas, as perdas do grupo a que pertencem o PCP e o Bloco foi apreciável, dado que perderam 20% dos deputados que antes tinham. A subida dos Verdes é equivalente e significativa, mas deve ser relativizada pelo facto de ser, na verdade, um fenómeno nacional, já que foi em França que se gerou esse salto, onde os Verdes ganharam 8 novos deputados. Isto, sem querer analisar aqui em que medida esta subida não foi acompanhada de uma deriva centrista desta área política.

Verificamos pois que no Parlamento Europeu, dentro do conjunto da esquerda, continua a ser o PSE o grupo mais relevante, enquanto os Verdes, por um lado, e os Comunistas e afins, por outro, continuam com uma dimensão reduzida. No entanto, enquanto em 2004 os dois últimos tinham quase o mesmo número de deputados, agora os primeiros destacaram-se claramente. E, uma vez que os Comunistas e afins perderam terreno e o progresso dos Verdes resulta do seu aumento num único país, verifica-se que a confiança dos eleitores socialistas que não votaram PSE não se transferiu para a outra esquerda, parecendo, pelo contrário, ter-se diluído na abstenção ou na descrença quanto à política institucional.

Assim, pode dizer-se que, não havendo em Portugal nenhum partido ligado ao grupo dos Verdes, o PS acompanhou a descida dos socialistas nos outros países, embora numa escala superior à da respectiva média, enquanto se pode considerar que o PCP e o BE contrariaram a tendência geral do grupo a que pertencem, subindo quando a tendência europeia foi a inversa.

3. Este panorama da esquerda europeia já seria, por si só, suficientemente negativo para fazer pensar todos aqueles que se considerem como parte dela. E, principalmente, quem se identifique com o PSE.

Mas há alguns detalhes nacionais que o agravam. O Partido Trabalhista Britânico viu a sua maioria absoluta esfumar-se, sendo atirado para um humilhante 3º lugar com uns modestos 12 deputados (1 deputado mais do que o 4º partido) em 72 possíveis; ou seja, menos de metade do que o número de deputados eleitos pelos Conservadores (29).

O Partido Social-Democrata Alemão, parceiro despercebido de uma grande coligação com a Democracia – Cristã, onde só a respectiva leader tem visibilidade, cometeu a difícil proeza de não superar os péssimos resultados obtidos em 2004, ficando com o mesmo número de deputados, 23. Os liberais subiram (de 7 para 12) os Verdes mantiveram (13) também o mesmo número de deputados e o partido da Esquerda subiu de 7 para 9 deputados, o que se afigura como um modesto aproveitamento do facto do SPD estar no governo com os DC da Sr.ª Merkl. Esta viu os seus democratas – cristãos, no seu todo, perderem 7 deputados, conservando no entanto um confortável grupo de 42.

Na Itália, consumou-se a não entrada do novo Partido Democrático no PSE, do qual antes faziam parte os Democratas de Esquerda que, com a ala esquerda da antiga democracia cristã, foram a base do referido partido. Apesar dessa mutação o PD ficou-se pelos 26,2% elegendo 22 deputados. Os outros partidos de esquerda, incluindo a Refundação Comunista e dissidentes dos DS, apresentaram-se separados em duas listas, nenhuma das quais superou a barreira dos 4%, o que os fez ficar sem representação no PE. Ou seja, antes destas eleições o PSE tinha na Itália 16 deputados, os Verdes tinham 2 e as outras esquerdas incluindo os comunistas tinham 7. Isto é, as esquerdas italianas contribuíam até há pouco, para os respectivos grupos europeus, com 25 deputados, desde as últimas eleições contribuem com zero.

No final dos anos 90, os socialistas polacos eram o apoio principal de um governo liderado por eles e dotado de uma maioria parlamentar. Tinham conseguido fazer eleger um Presidente da República saído das suas fileiras. Foram aplicados seguidores do “blairismo”, até ao ponto de deixarem envolver a Polónia na aventura iraquiana. Em eleições subsequentes, foram pulverizados, permitindo que o poder se decidisses na Polónia entre conservadores e liberais, de tal modo se tornaram irrelevantes. Em 2004, eram a terceira força, com 8 deputados em 54; agora são a terceira força com 6 deputados em 50. À frente deles, estão os apoiantes do PPE com 28 deputados e os nacionalistas com 16.

Em França, os socialistas tiveram um dos seus piores resultados de sempre, com 16,48% dos votos e 14 deputados, os Verdes quase os igualaram em votos, 16,28 % e tiveram também 14 eleitos. A aliança entre os comunistas e o novo Parti de Gauche (dissidência recente do PS) teve 6,4% dos votos e elegeu 5 deputados. Pelo contrário, o Novo Partido Anti-capitalista, recentemente criado a partir de um dos partidos trotskistas, não conseguiu eleger qualquer deputado, apesar de ter tido 4,88 % dos votos. Verifica-se que o grande recuo do PSF foi relativamente compensado por uma subida dos Ecologistas, faltando saber se estes se manterão ancorados à esquerda ou se entrarão numa deriva centrista que alguns vaticinam. A coligação do PG com os comunistas no Front de Gauche deu algum resultado, mas esteve muito longe de compensar as perdas do PS, mesmo tendo em conta o progresso dos ecologistas. O Novo Partido Anti-capitalista, que se recusou a aliar ao FG e não conseguiu absorver a Lutte Ouvriére (1,20 %), não conseguiu eleger nenhum deputado, pagando assim de algum modo o seu sectarismo.

Estes exemplos mostram como, num conjunto de países do maior relevo, no contexto europeu, o PSE sofreu revezes importantes ou prosseguiu numa decadência antes iniciada. Mas, os seus revezes não se converteram na expansão generalizada das outras componentes da esquerda europeia. Pelo contrário, o grupo dos comunistas e afins ficou ainda mais débil, sendo, até à eventual criação de novos grupos, o menos numeroso grupo político do Parlamento Europeu. Os Verdes viram a sua força aumentar, mas esse aumento aconteceu apenas num muito pequeno número de países, e especialmente em França, estando por apurar se permanecem ancorados à esquerda, fieis á sua génese e ao essencial da sua lógica prospectiva, ou se deslizam para a terra de ninguém da ambiguidade centrista.

4. As esquerdas europeias não souberam, pois como se viu, nestas eleições, oferecer um caminho crível de combate à crise, que incorporasse em si próprio elementos que tornassem impossível a sua repetição. E em particular, a sua componente tendencialmente hegemónica , o PSE, foi incapaz de traduzir os seus resmungos contra o neo-liberalismo num inventário crítico de todas as sequelas que ele deixou nas políticas seguidas, antes do eclodir da crise, para radicar aí a novidade das sua propostas. Isso mesmo ficou patente com o documento político que lançou para estas eleições europeias. Um texto previsível e redondo, onde não se encontrava uma ousadia futurante, nem corria a mais leve aragem de alternatividade, por contraponto ao presente.

O PS português não soube fugir a essa rotina, não tendo conseguido afirmar, por intermédio de duas ou três opções estratégicas estruturantes, a sua capacidade inovadora e um verdadeiro potencial de esperança. Apenas a título de exemplo, sublinhemos algumas omissões que, a meu ver, ilustram essa rotina.

Não pugnou por uma profunda modificação do pacto de estabilidade, de modo a que a União Europeia deixe de estar refém de um constrangimento, que corresponde ao que há de pior na deriva neoliberal que levou à crise em que hoje estamos.

Não deu relevo à necessidade de uma política europeia que encare a economia social, nas suas vertentes cooperativa, mutualista e solidária, como um dos vectores decisivos do desenvolvimento social no seio da União.

Não exigiu a subordinação do Banco Central Europeu ao poder político democrático, expurgando a União Europeia dessa excrescência anti-democrática.

Antes destas eleições, o”blairismo” era já um cadáver político, arrastando-se entre uma teimosa inércia de sobrevivência e a saudade do que nunca conseguiu ser. Agora é preciso enterrá-lo. Enterrar não só o que sobrou das suas posições assumidas, mas também o que sobrevive como reflexo despercebido, mas nem por isso menos perverso e claramente esterilizador da possibilidade de inovação políticas dos partidos membros da Internacional Socialista.
5. O texto já vai muito longo. Fica pois por aqui um primeiro balanço político das eleições europeias. Outros textos se seguirão.

sábado, 6 de junho de 2009

Uma imprudente ousadia ou uma ousada imprudência ?

No "Diário de Coimbra" de hoje, vem noticiada a realização de uma reunião de militantes do PS, que designaram um deles como publicitador das conclusões a que chegaram, quanto ao candidato do PS à Câmara de Coimbra, para as próximas eleições autárquicas.

Apresentaram-se como apoiantes firmes de uma possível candidatura de Henrique Fernandes à Câmara de Coimbra. E, alegando uma alergia profunda, em face de qualquer candidato independente , deixam um claro aviso ao Presidente da Comissão Política Concelhia de Coimbra do PS, que por acaso até é o mesmo Henrique Fernandes. Um aviso não desarmado, pois alegam dispor desde já do apoio da maioria da referida Comissão Política. Um aviso claro: ou Henrique Fernandes se propõe a si próprio, ou fica desde já avisado que afundarão qualquer candidato independente, que ele possa vir a propor.

Humanamente, compreendo as preocupações dessa maioria de CPC: assustaram-se com as ameaças públicas de algumas candidaturas independentes. Confesso aqui, em surdina, que eu próprio também me assustei.

Politicamente, é grande a minha hesitação quanto à avaliação do anunciado. Se um impulso optimista me atingisse, eu poderia ser levado a aplaudir, encarando a situação como se de uma verdadeira ovação ao novo candidato se tratasse. Seria o equivalente a um erguer em ombros o Henrique Fernandes, projectando-o inesperadamente para um élan de vitória que inevitavelmente se iria colher.

Mas se fosse de pessimismo a onda que me atingisse, talvez devesse temer o resultado do ultimato apresentado. Uma maioria de um órgão do partido reuniu-se à margem do seu presidente e intimou-o a ser candidato, antecipando formalmente a decisão do órgão de que detêm a maioria. O Presidente da Concelhia Henrique Fernandes fica assim claramente fragilizado e só por milagre essa fragilização não contaminará o candidato Henrique Fernandes.

De facto, eu posso imaginar o potencial eleitor socialista confrontado com a imagem de um candidato que foi arrastado para esse desígnio com a alegria de um condenado. E o facto desse arrastamento ter sido perpetrado com a melhor das intenções talvez não atenue o simples facto de ter acontecido.

E é por tudo isto que eu estou ainda muito hesitante quanto ao que hei-de pensar dessa reunião. Foi o impulso inicial de uma grande caminhada que terminará, seguramente, sob um arco de triunfo ? Ou é apenas um passo mais numa caminhada, cujo sentido há dias aqui sublinhei, quando escrevi que, quanto a todo este este processo, quase se poderia dizer que há um suicídio político a ser pacientemente construído.

Enfim, o futuro vai seguramente dizer-me se teria sido mais avisado confiar na ousadia do optimismo ou valorizar mais a prudência do pessimismo.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Eleições Europeias: comparação final das sondagens



Publico hoje a comparação entre os resultados de todas as sondagens saídas em Portugal sobre as intenções de voto, quanto às eleições europeias. O primeiro quadro compara as treze sondagens publicadas; os cinco seguintes são consagrados a cada uma das entidades responsáveis pelas sondagens [Clicando-se sobre os quadros, pode aumentar-se a sua dimensão, permitindo-se assim uma melhor visibilidade].
O panorama geral, assim obtido, é muito semelhante ao que existia antes da mais recente ronda de sondagens (no quadro geral, em cor diferente). Talvez, se possa dizer que, apesar de haver, entre as sondagens mais recentes, uma favorável ao PSD, em detrimento do PS , o facto de as outras três mostrarem o contrário, acabou por dar um pouco mais de força à hipótese de uma vitória do PS, com o PSD num segundo lugar não muito distante.
Em contrapartida, adensaram-se as dúvidas quanto ao terceiro lugar, embora pareça dever atribuir-se ao BE uma ligeira vantagem. Quanto ao PP, sendo o "lanterna vermelha" em todas as sondagens, oscila entre a hipótese de um resultado honroso ( a mais provável) e um aparente risco de hecatombe.
Se visitarem o blog "Margens de Erro", podem ficar a conhecer melhor o grau de probabilidades de as sondagens se confirmarem, bem como outros aspectos da sua problemática.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Ocultações e emboscadas

A luta por um lugar de vereador, ou a cobrança de alegadas promessas, por potenciais candidatos a sonhadores com aquele tipo de lugar, têm inquinado o processo de escolha do candidato do PS a Presidente da Câmara de Coimbra.

De facto, não podendo essas razões ser assumidas sem ambiguidade, pelo risco de desprestígio que sempre envolve qualquer ambição excessivamente sôfrega, acabam por se traduzir em argumentos frouxos, que têm o objectivo de combater o que se não quer, ocultando a verdadeira razão porque se não quer.

E neste jogo de sombras e de ocultações, de ambições discretas e medidas exaltações, a racionalidade política vai-se esvaindo, deixando o poder autárquico actual cada vez mais tranquilo.


Parece que há quem prefira estar em lugar de destaque numa prateleira de vencidos, do que participar ao lado de muitos na alegria de uma vitória.

Pixordices 27: a parcialidade subtil fica à mostra

O deus das sondagens, que parecia recusar-se a esboçar um verdadeiro sorriso para os lados do PSD, resolveu abrir o coração aos perfumes laranja e concedeu numa sondagem alguns pontos de vantagem ao PSD, pela mão diligente do anjo marktest.

Mas se a sorte bateu assim inesperada à porta do pernóstico e da dama de cinza, foi um pouco mais cinzenta para o jornal "Público". Azar dos cabrais para um amanuense de belmiro: estava o subtil periódico aconchegado nas rotinas das sondagens favoráveis ao PS, cuja sombra procurara mitigar com o preciosos achado do empate técnico, quando lhe surgiu este feliz percalço. Pérolas de suor frio afloraram na testa ampla do amanuense: que fazer ?

Deitar exuberantes foguetes pelo despontar da nova tendência, era dar um tom grosseiro à parcialidade do jornal, quebrando irremediavelmente o cristal da sua subtilleza. Mas deixar de ribombar de alegria perante a nova conjuntura, era uma discrição talvez insuportável, depois de tanta espera.

Foi então que, num assomo sofisticado de subtileza, o referido amanuense inventou este inefável título: "
Sondagem dá vitória ao PSD nas europeias, mas em situação de empate técnico ."

Ou seja, temos uma vitóóóória, conquanto empatada; ou então, um empate, mas vitorioso.

Encontrei a pepita comunicacional, que vos acabo de mostrar, no sítio do " Público" na internet.

terça-feira, 2 de junho de 2009

Eleições Europeias: passado e futuro

Fui pescar ao Nouvel Observateur a infografia que acima reproduzo. Através dela, de acordo com os resultados agregados de sondagens feitas nos 27 Estados da União Europeia, pode ficar-se com uma ideia geral dos resultados prováveis das próximas eleições do dia 7. E pode comparar-se a distribuição de lugares que delas resulte, com aqueles de que os diversos grupos dispunham no Parlamento cessante. Na mei-lua externa, inscreve-se a previsão dos lugares que se calcula virem a ser conseguidos. Na meia-lua interna, estão os lugares de que cada grupo dispunha até agora. Deste modo:

- o Partido Popular Europeu (PPE) ficaria com 248 deputados;
- o Partido Socialista Europeu (PSE), com 207 eleitos;
- a Aliança dos Democratas e dos Liberais pela Europa (ALDE), com 88 lugares
;
- a União pela Europa das Nações (conservadores eurocépticos), com 62 lugares;
- a Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica, com 44 eleitos;
- os Verdes/Aliança livre Europeia, com 42 lugares;
- a Independência e Democracia (conservadores eurocéplticos), com 19 eleitos.
- a Identidade, Tradição e Democracia / mais os não-inscritos somariam 26 eleitos.


Recorde-se que o número total de deputados desceu de 785 para 736, fazendo com que alguns países perdessem deputados e outros ganhassem.Portugal passou de 24 para 22 deputados.

Se estas previsões anteciparem o que vai acontecer no próximo dia 7, ao PPE não bastará o apoio da ALDE para ter maioria absoluta. Mas os socialistas, os comunistas e os verdes, mesmo que se coligassem também ficariam longe de a ter.
No caso português, como se pode ver e deve sublinhar, o único partido com uma identidade europeia clara e específica é o PS, aliás, idêntica à que assume em Portugal. De facto, ele é o único partido português que pertence ao PSE.
Já os outros partidos parlamentares têm feito uma campanha interna contaminada por uma boa dose de hipocrisia europeia. Efectivamente, mesmo que finjam rosnar entre si, o PSD e o PP pertecem ao mesmo partido europeu, o PPE.
Paralelamente, quer o BE quer o PCP, por mais que subtilmente se esgadanhem, não deixam de pertencer ao mesmo grupo político europeu que, deve dizer-se, é dominado pelo que resta dos estilhaçoes políticos do defunto modelo soviético.
Ou seja, por muito que se finja socialmente sensível e politicamente moderno, o PSD não deixa de ser o principal braço nacional desse monumento de conservadorismo neoliberal que é o Partido Popular Europeu. E o BE, por mais que pretenda captar em Portugal sensibilidades de esquerda, talvez radicais, mas alérgicas ao perfume autoritário das memórias soviéticas, acaba por se juntar a elas na Europa, com toda a tranquilidade.

Pixordices 26- Parcialidade subtil

Desde que o “Público” começou a ser publicado, devo tê-lo comprado em mais do 99% dos dias. Nunca foi o jornal ideal ( se é que isso existe), mas os outros pareciam-me piores. Pouco a pouco, a minha empatia com o jornal foi esfriando, até restar pouco mais do que um hábito de o ir comprando dia após dia.

O seu director ganhou notoriedade como um dos expoentes mais retintos da ideologia neoliberal. Os jornalistas de qualidade que integram o seu corpo redactorial não se evaporaram ainda todos, mas começam a rarear. Nos artigos de opinião há um pluralismo enviesado que aponta para uma hostilização ao PS, a partir de uma perspectiva situada à sua direita.

Mas o “ Público” não é um jornal tendencioso primário. É um jornal subtilmente tendencioso. Quiçá, mais eficaz, esse tipo de parcialidade não pode ser encarada com bonomia.

Vejamos um exemplo que ilustra bem o que dissemos. Sabemos que as sondagens dão uma vantagem à direita espanhola relativamente aos socialistas, aproximadamente igual àquela que dão em Portugal ao PS, em face do PSD.


No entanto, para o “Público” as coisas não são bem assim. Vejamos.

Na sua página 10 da edição de ontem, dia 1 de Junho, num destaque que funciona como verdadeiro subtítulo diz:”É a hora da dramatização para PS e PSD , que vão praticamente lado a lado”.
Na página 13 da mesma edição, num título de um pequeno texto diz:”Sondagens em Espanha dão vantagem ao Partido Popular”.

O “Público” pode querer ser uma sucursal hábil do “Povo Livre” e pode estar possuído por uma forte paixão pela direita espanhola, admitindo-se até que seja levado a transformar-se numa espécie de caniche de luxo do Engenheiro Belmiro, mas não pode continuar a ostentar uma patine de esquerda, ainda que ligeira, já que dela só pode realmente ter ficado alguma saudade.

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Universitários de toda a Europa, uni-vos!


Vou transcrever um texto retirado de um blog ligado ao jornal francês Libération, C'est classe !, que se identifica nos termos seguintes: "A l'affût de tout ce qui bouge, de l'école à la fac, par Véronique Soulé, journaliste à Libération." Eis o texto , com o seu sugestivo título:

"Universitaires de toute l'Europe, unissez-vous !


Connaissez-vous la "MOC" ? Dans la novlangue européenne, cela veut dire "Méthode Ouverte de Coordination": on fixe des objectifs - tant de diplômés du supérieur par exemple - et chaque Etat essaie d'être le meilleur. Pour ses détracteurs, c'est une "Méthode Opaque de Convergence" qui détruit l'université à petit feu. Le débat est ouvert.
Douze syndicats et associations - Attac, Sauvons l'Université (SLU), Sauvons la Recherche (SLR), le Snesup, l'Unef, etc - organisaient le 30 mai une journée de rencontres européennes sur le thème de l'université. Le CentQuatre, nouveau haut lieu artistique de la capitale - de beaux bâtiments rénovés mais plutôt vides -, leur avait fourni gracieusement un amphithéâtre.
L'objectif des organisateurs: préparer un contre-sommet européen au printemps 2010 "pour une autre Europe du savoir"
A l'approche des élections européennes, l'université veut aussi s'inviter dans la campagne. Elle lance d'ailleurs d'autres actions cette semaine, notamment l'appel de la Ronde des obstinés aux candidats.
L'intérêt d'une telle initiative est double: prendre du recul par rapport à des réformes qui, complexes aux yeux du non-initié, semblent souvent illisibles et dépasser le cadre franco-français.
De nombreux mouvements - jeunes, étudiants, enseignants, etc - traversent l'Europe. Et l'on constate que si les situations diffèrent, les réformes vont dans le même sens, avec les mêmes menaces : privatisation rampante, précarisation grandissante, rôle toujours plus grand de l'évaluation, de la rentabilité avec la gestion manageriale de l'université, etc.
L'inconvénient est que l'on resort de ces débats avec un grand spleen. Avant un exposé très érudit sur l'université au fil des siècles, l'historien Michel Blay a ainsi débuté: "nous sommes dans les anciennes Pompes funèbres générales"... C'est vrai mais d'entrée de jeu, ça plombe un peu l'ambiance.
Clair et incisif, le sociologue Christian Laval a démonté la logique insidieuse, selon lui, des réformes qui se mettent en place en France et en Europe, "une révolution silencieuse, qui se cache et qui se fait par étapes, qui ne concerne pas seulement l'enseignement supérieur et la recherche mais la maternelle jusqu'à l'université, y compris la formation permanente".
Tout commence avec
l'appel de la Sorbonne en mai 1998, explique-t-il. Quatre pays européens disent vouloir construire une "Europe du savoir" pour faire pièce à l'Europe des banques et du tout-économie.
En 1999, le
processus de Bologne (lire la déclaration commune des ministres) introduit le LMD (licence-master-doctorat) pour harmoniser les systèmes d'enseignement.
En mars 2000, lors du
sommet de Lisbonne, le discours se précise: l'UE veut constituer un "espace européen" de l'éducation, de la recherche, de la formation professionnelle, etc. Il faut rattraper les Etats Unis, le Japon, etc. Le mot-clé devient "l'économie de la connaissance".
"Cela veut dire que la connaissance est un bien économique. Une transformation radicale de la façon dont on la regarde. (...) L'impératif suprême est désormais la compétitivité, la connaissance doit devenir un secteur compétitif pour que l'économie soit la plus compétitive du monde."
Cela a, selon lui, deux conséquences principales:
- "la recherche, c'est désormais l'innovation: toute activité de recherche doit déboucher sur un dépôt de de brevet, mesure de la justesse des investissements",
- "l'enseignement, c'est l'employabilité. Et cela commence en maternelle, avec le livret de compétences".
Dans ce cadre, la fameuse MOC "est un outil puissant de transformation. Des groupes informels d'experts se réunissent. Ils définissent des lignes directrices, des objectifs intermédiaires et des outils d'évaluation", avec notamment le benchmarking (score à atteindre).
Logiquement, toujours selon Christian Laval, cela conduit à "un marché de l'éducation. Ce qui ne veut pas dire une privatisation immédiate. Mais une mise en concurrence généralisée des institutions et des acteurs".
L'historienne Cecile Deer a ensuite pointé les évolutions inquiétantes au Royaume Uni: "depuis le début des années 2000, on a introduit graduellement des frais de scolarité, afin d'habituer les esprits à payer pour avoir accès à l'enseignement supérieur. Maintenant on voudrait faire passer une loi autorisant des frais différenciés, selon les universités, les départements. On paierait beaucoup plus cher par exemple pour Oxford que pour une université dont le diplôme est moins valorisé."
Elle a rappelé que le mouvement a été lancé sous les travaillistes: "c'était une logique de gauche, de redistribution des richesses, et pas du tout du libéralisme échevelé. Ceux qui accèdent à Oxford et à Cambridge viennent d'écoles privées très chères, ont estimé les travaillistes, ils peuvent donc payer dans le supérieur."
Le sociologue Marco Pitzalis est intervenu pour l'Italie où des mouvements de protestation ont lieu "chez nous l'autonomie a été introduite à l'université au début des années 90, sous la gauche. Au début, 50 à 60% des budgets universitaires étaient consacrés aux salaires. Aujourd'hui c'est 100%. Il y a de plus en plus de précaires.
"Le gouvernement voudrait donner maintenant tous les pouvoirs aux présidents d'université. Il veut aussi une libéralisation totale des frais d'inscription - qui s'échelonnent actuellement entre 400 et 2000 euros. Ceci afin que les meilleures universités embauchent les meilleurs professeurs qui négocient les meilleurs salaires."
"Il attaque aussi le caractère national des diplômes. Enfin, il a annoncé une baisse de 15% des fonds alloués aux universités. L'an prochain, certaines ne pourront pas payer tous les salaires".
Pour la Grèce, théâtre d'une quasi insurrection des jeunes en décembre (photo), l'historien Efthymios Nicolaidis a parachevé le tableau. "Heureusement, seuls 10 à 20% des
étudiants suivent les cours. Si tous venaient, il n'y aurai pas assez de tables. Déjà lors des examens, certains doivent écrire assis par terre."
"Aujourd'hui le gouvernement veut faire payer les manuels, gratuits jusqu'ici, et instaurer des frais d'inscription - à l'université, on paie déjà pour les masters."
"En 1995, il a par ailleurs arrêté de subventionner la recherche, ne finançant plus que les salaires. Cherchez vous-mêmes de l'argent, a-t-il dit, ou postulez à des programmes européens."
"Aujourd'hui 30% des enseignants sont sous contrat de six mois, renouvelables durant trois ans maximum. Dans ce qui est l'équivalent du CNRS, la moitié des chercheurs sont précaires, la moyenne des contrats est de deux ans. De plus, on a introduit l'obligation de terminer sa thèse en trois ans, y compris en histoire."
"Je ne suis pas très optimiste. Depuis quinze ans, la mentalité des enseignants-chercheurs a évolué: ils rêvent de monter des petites entreprises, de faire des business plans, ils voient les étudiants comme des clients. En même temps, il y a un mouvement universitaire assez fort."
Une discussion a suivi. Où un participant a regretté le ton un peu trop nostalgique, pouvant paraître conservateur alors que des réformes sont bien nécessaires. Un autre a rappelé que l''"employabilité n'était pas un gros mot", qu'il "s'inquiétait lui-même du devenir de ses étudiants en mathématiques qui n'ont pour toute perspective que la recherche ou le professorat". Un autre débat, à suivre."
*** *** *** ***
Este texto mostra como, nós universitários portugueses, não estamos isolados nos nossos problemas.Mas revela também que o que alguns querem fazer passar como intuição quase genial, não é mais do que um previsível mimetismo reprodutor de impulsos desencadeados em instâncias exteriores. Um mimetismo a que não foi acoplado um filtro de cautela, pelo que era a nossa especificidade nesse campo, nem foi sujeito a um prudente crivo que apurasse em que medida um impulso europeu, acriticamente absorvido, se pode repercutir negativamente no nosso destino como povo e na nossa cultura, como eixo de uma identidade própria.
Atravessamos, aliás, uma conjuntura singular: o Governo tem explicitado publicamente com energia uma demarcação clara em face do neoliberalismo, imputando-lhe justamente o essencial da crise que atravessamos, mas ainda não achou necessário corrigir algumas das mais graves sequelas do pardigma que já repudia. Entre elas deve inscrever-se, em lugar de honra, a chamada reforma de Bolonha. Não há volta a dar, não se pode repudiar a árvore e continuar a louvar-lhe os frutos.
É claro, que não se está com isto a sustentar um qualquer fixismo que convertesse as universidades num artefacto eterno, que as conservasse tal como estão numa parilisia definitiva. É claro, que as motivações alegadas para justificar Bolonha incorporam evidências universalmente aceites. Mas a necessidade de uma reforma, que evidentemente se não questiona em si própria, não pode ser confundida como um atestado de qualidade para todas as medidas que se venham a tomar á sombra dela. E, mais do que isso, a necessidade de uma verdadeira reforma das universidades não pode ser o alibi para todas as contra-reformas que, por mais ouropéis com que se enfeitem, se reduzem no fundo a atabalhoadas restratégias de redução de custos , tributárias da cartilha neoliberal, cuja bondade nós hoje conhecemos com nitidez.
Desembarecemo-nos, pois, da falsa partida que foi o Processo de Bolonha e comecemos a preparar uma verdadeira reforma do ensino superior público que o possa reconduzir ao futuro e o possa compatibilizar com horizontes de renovação da sociedade verdadeiramente libertadores e emancipatórios.