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sábado, 10 de abril de 2021

Ferocidades.

 

Ferocidades.

O juridicolinchador não aceita menos que o linchamento completo. Só respira tranquilo se sentir um cheiro forte a sangue ou o der a beber às pequenas bocas dos seus ódios. Mesmo que viva em pose de tapete num  dia-a-dia por vezes triste, quando entra na grande nuvem do alarido linchador segrega uma incontida energia, decidida e implacável.

Se o juridicolinchador sonhar ser poder numa sociedade de autoridade e ódio, para o exercer sem minudências democráticas e sem contemplações, estará a ser coerente. Mas, pela sua própria natureza, o exercício de um poder autoritário, sem o embaraço do direito e sem a contrariedade da democracia, será sempre exercido sobre muitos por muito poucos. Por isso, só um pequeníssimo conjunto de juridicolinchadores pode sentar-se na limitada cadeira do poder autoritário. A grande massa dos juridicolinchadores, se ainda existir, estará por isso condenada a engrossar a grande massa dos potenciais linchados.

Não o esqueçam. As atmosferas de ódio não são autolimitáveis, as irracionalidades coletivas não são racionalmente controláveis, os incêndios sociais também não. Mesmo os pirómanos não podem estar certos de lhes virem a escapar.

Por isso, os juridicolinchadores correm sempre o risco de virem a linchar-se a si próprios.

segunda-feira, 9 de março de 2020

O AVESSO DO DIREITO





O AVESSO  DO  DIREITO

Foi amplamente divulgado na comunicação social um alerta lançado pelo representante do Ministério Público no Processo Marquês no decorrer do debate instrutório que está em curso.
Esse alerta foi lançado no quadro de um apelo para que fosse acolhida pelo Juiz de Instrução toda a acusação feita pelo Ministério Público. No essencial, chamava-se assim a atenção para como se sentiria chocada a opinião pública, se fosse contrariada a tese do Ministério Público constante da acusação. Choque esse que reflexamente lesaria seguramente o prestígio do poder judicial
Deixei passar uns dias, para sopesar eventuais reações. Estranhamente, não tive conhecimento de nenhuma que fosse consistentemente crítica e que sublinhasse a relevância do episódio referido. Mas à anemia das reações que roçaram o zero, ainda neste domingo um comentador encartado, alegadamente de alto coturno, tocou ao de leve no caso como se fosse natural. Tudo se passou como se o procurador do Ministério Público tivesse proferido uma frase banal.
E, no entanto, foi assim publicamente assumida, no decurso do funcionamento formal de uma instância judicial, uma posição que reflete um pensamento e representa uma atitude que chocam frontalmente com o tipo de justiça que se espera de qualquer poder judicial decente e civilizado e a nossa Constituição impõe.
O agente do MP deixou claro que a razão principal  para dever ser acolhida a sua acusação não é o facto de ela ser justa, legítima e fiel à legalidade democrática, à luz da ordem jurídica portuguesa, mas sim o seu reflexo na opinião pública. Ora, na verdade, uma posição destas lesa profundamente  de forma , ostensiva e  grosseira  a ordem jurídica democrática vigente.
É , aliás, grave que alguém com uma filosofia jurídica destas tenha um lugar  de relevo numa magistratura de um Estado democrático. É um perigo estrutural para a aplicação da justiça. Mas não é menos lamentável e insalubre a indiferença com que foi encarada  a posição assumida, reduzida a uma simples  frase corrente numa retórica banal.
Mas um reforço da nossa atenção agrava o sentido do referido dislate jurídico. Na verdade, nesse mesmo processo, que decorre há vários anos, foram recorrentes , quando os autos estavam em segredo de justiça sob a égide do Ministério Público, as fugas de informação repercutidas e ampliadas na comunicação social, em regra projetando como realidade a versão do MP quanto a essa realidade. Fortemente desfavorável aos acusados que  explícita e reiteradamente a consideraram falsa.
Ou seja, o Ministério Público teceu uma narrativa acusatória que os arguidos e a defesa têm considerado como fantasiosa e desprovida de qualquer fundamento comprovado. Dando-a como verdade insofismável, foi alimentando a comunicação social, através de fugas de informação lesivas do segredo de justiça, selecionadas para instituírem e credibilizarem, como verdade evidente, uma narrativa acusatória desfavorável aos arguidos. Desse modo, em articulação óbvia com alguma comunicação social, foi criando na opinião pública a ideia que os arguidos eram culpados, ou seja, eram criminosos.
E assim os condenava socialmente, praticando quanto a eles e em especial quanto aos de maior notoriedade pública, um verdadeiro linchamento simbólico que muito fortemente os penalizava, esvaziando quase por completo a proteção à presunção de inocência até condenação transitada em julgado, que é um dos pilares de um sistema penal civilizado e democrático.
Para fechar esse círculo perverso, o Ministério Público acha agora que o resultado do julgamento tem que ser a confirmação judicial do linchamento mediático que estimulou contra os arguidos no espaço público.
E tão lamentável  como a tacanhez jurídica do Ministério Público é a passividade acrítica  quanto ao ocorrido, ocorrida no espaço público.

segunda-feira, 30 de setembro de 2019

O sofrimento da verdade no caso de Tancos




O sofrimento da verdade no caso de Tancos

1. O caso de Tancos foi implantado na campanha eleitoral na tentativa de prejudicar tão gravemente quanto possível o Partido Socialista, enquanto partido estruturante do atual governo. Não foi o primeiro, mas foi desenhado para se revestir de uma especial dramaticidade.

Só na noite das eleições ficaremos a saber se a manobra teve êxito, se foi eleitoralmente inócua ou se acabou por prejudicar alguns dos seus potenciais beneficiários. A sofreguidão com que os partidos de direita se agarraram ao evento, como náufragos a uma bóia de salvação, trouxe um claro acréscimo de insalubridade política à campanha em curso. Os partidos de esquerda que apoiam parlamentarmente o governo tiveram reações equilibradas, embora o BE resvalasse por vezes para uma confusão excessiva entre o conteúdo da acusação do MP e a verdade.

 Ora, é bom não esquecer que o visado (o ex-Ministro da Defesa do governo do PS) negou publicamente a veracidade das imputações que lhe foram feitas; e que só é legítimo tirarem-se consequências políticas definitivas de alegações inseridas num processo judicial, quando a sua veracidade estiver definitiva e irrecorrivelmente estabelecida na instância jurídica numa sentença final.

O PS, pela voz do seu SG, reiterou a sua fidelidade a uma separação clara entre a dimensão judicial do caso e a sua dimensão política, movendo-se com a prudência de quem tem responsabilidades institucionais, mesmo sabendo-se o principal  alvo de todos os tiros.

Compreendo este cuidado de quem não quer agravar o risco de descrédito das instituições, pela veemência de uma defesa ou de um contra-ataque, que, mesmo justos e justificados,  poderiam agravar as sequelas institucionais e sistémicas da situação criada. Mas, a título estritamente pessoal, não quero deixar de partilhar algumas interrogações que me têm assolado e que não tenho encontrado na comunicação social. 

Mesmo sem o motor de tentar ter influência nas eleições, o processo, cuja acusação foi agora conhecida, seguirá certamente o seu caminho. Cá estaremos para ver o resultado. Mas é bom que se garanta que todas as circunstâncias que o têm rodeado serão também devidamente escalpelizadas e esclarecidas. É nesse registo que inscrevo as considerações que se seguem.


2. Quanto ao caso de Tancos, a matilha mediática, os partidos políticos da direita, os agentes dos poderes fácticos mais sombrios e uma parte insalubre da máquina judicial elegeram como verdade única uma nebulosa jurídico-política  onde caiba tudo aquilo que, de perto ou de longe, possa atingir e prejudicar o atual governo e o PS.

Meteram assim num mesmo saco alguns factos judicialmente provisórios que tratam desde já como definitivos, juntando-lhe as suas impressões, os seus preconceitos ideológicos e a sua visão unilateral dos acontecimentos. Projetaram sobre tudo isso a sombra das suas conveniências políticas mais imediatas, para apontarem o dedo acusatório ao governo do PS, comportando-se como se todos eles estivessem ungidos pela graça de uma virtude impoluta.

A origem de tudo, ou seja, o furto das armas, vai deslizando para uma estranha penumbra. O “gravíssimo” que vai envolvendo o episódio no seu todo tende a concentrar-se nas imprevistas sequelas de uma rivalidade entre polícias, apimentada pelo alegado envolvimento de um Ministro que entretanto deixou de o ser e que nega esse envolvimento. Por essa ponta se quer chegar ao Governo.

Este é o cerne dissimulado da dramatização em curso, assentando principalmente  na consideração, como definitivamente provados, de  factos até agora apenas  alegados numa acusação e que portanto são provisórios, até serem definitivamente estabelecidos, no quadro de uma sentença judicial transitada em julgado.


3. Para dar conta da minha primeira perplexidade, a mais importante, acho pelo menos estranho que, no quadro do alarido mediático reinante, não se tenha mencionado algo de verdadeiramente insólito e intrigante. Na verdade, nos termos da mesma peça processual que tem suportado o recrudescer do ruído, sabe-se que vários meses antes do assalto ter tido lugar, foi levado ao conhecimento do Ministério Público e da Polícia Judiciária, que o paiol de Tancos ia ser assaltado, bem como a identidade do possível assaltante. Estranhamente, as autoridades militares não foram informadas  de modo a poderem tomar providencies preventivas, de modo a prevenirem e certamente de evitarem o assalto.

Como se sabe, as diligências internas que terão sido feitas pelas autoridades informadas não impediram que o assalto se realizasse. O suspeito só viria a ser detido meses depois do assalto. Detido em setembro de 2018, ou seja, um ano antes da parte final da campanha eleitoral agora em curso, uma campanha cujas datas eram conhecidas de antemão por corresponderem a um calendário institucional. Isto é, quem quisesse fazer cair a acusação em plena campanha eleitoral, invocando a imperatividade de não exceder o prazo da prisão preventiva, tinha apenas que escolher a data de início da prisão preventiva, que neste caso foi, como vimos, estranhamente protelada.

Parece clara a legitimidade para se exigir que se apure a razão de ser desta inércia objetiva perante um aviso de roubo de armas, de que se teve conhecimento antecipado, mas que não foi impedido. É imperativo saber-se, sem margem para dúvidas, se isso foi o resultado de uma incompetência funcional ou institucional, de uma falha estrutural objetiva ou se foi uma omissão calculada. Uma omissão calculada para fazer com que se consumasse um facto politicamente prejudicial ao Governo, através do qual ele poderia ser flagelado como o foi e está a ser.

 Parece-me, aliás, fruto de uma estranha hipocrisia  que expludam  os gestos de preocupação em torno de outros aspetos do caso de Tancos e se passe uma esponja sobre esta questão que é afinal a raiz de tudo. Onde estão os fogosos jornalistas de investigação, onde estão os virtuosos partidos da nossa impoluta direita, onde estão os nossos imparciais comentadores televisivos?

Na falta de um esclarecimento cabal quanto à omissão em causa, podem até surgir dúvidas quanto às reais motivações da acrimónia e da competição entre a Polícia Judicial Militar  por um lado e a Polícia Judiciária  e o Ministério Público  por outro; uma competição que aquela parece ter perdido. 

Será apenas uma rivalidade funcional ou um cálculo estrutural quanto ao futuro numa disputa de prestígios? Ou teria pesado, na intensidade da refrega, pelo lado da PJ e do MP, a preocupação pelas consequências de um aprofundamento da investigação das razões que levaram a que o assalto não fosse evitado? Um aprofundamento que seria mais provável se fosse a PJM  a responsabilizar-se pela investigação do caso.


4. Um outro ponto, ainda que menos relevante, é o que diz respeito à tonalidade política da acusação. Uma vez mais, aquilo que a comunicação social já revelou dessa acusação é suficiente para se poder verificar que realmente quem a formulou partilha com a direita uma visão comum quanto ao Governo e quanto ao significado político dos acontecimentos ocorridos em 2017. Nesse registo projeta uma visão negativa quanto á ética do Governo, reproduzindo por completo  a narrativa politica da direita. Uma visão que, diga-se em abono da verdade , não a salvou de uma severa derrota nas eleições de autárquicas de 2017, por não ter então convencido a maioria dos portugueses.

Portanto, o acusador do MP justificou as suas decisões indiciárias com considerações que reproduzem o discurso político da direita quanto ao Governo e quanto a alguns factos e episódios políticos mais marcantes.

A escolha do período eleitoral, em que as acusações só podem ser contrariadas depois das eleições, alguns outros episódios recentes e a continuação de uma concertação insalubre com alguma comunicação social dirigida às clássicas fugas cirúrgicas de informação  que convêm à acusação, são circunstâncias  que devem fazer-nos pensar e agravam a nossa desconfiança. Ora, numa democracia digna desse nome ( e no quadro da nossa ordem jurídico-constitucional) não cabem jogadas de instrumentalização do aparelho judicial contra ou a favor de quem quer que seja. Por isso, neste plano não pode haver dúvidas, já que ele importa muito mais do que os resultados de uma eleição.


5. Num registo ainda menos relevante, vale a pena invocar um pequeno detalhe, evidenciado nas discussões públicas subsequentes á difusão da acusação do MP. O réu acusado de liderar o assalto alega que lhe foi garantida imunidade, se entregasse as armas roubadas.

Tal como é apresentada, essa promessa de imunidade é um elemento decisivo da manobra da PJM em que se radica a segunda vertente do processo. A única, aliás, que envolve o ex-ministro da Defesa. Sendo assim, se esse envolvimento fosse real, nos termos alegados pela acusação, a parte mais importante da sua intervenção não podia deixar de ser a de garantir  essa imunidade. E se o tivesse feito o seu envolvimento seria formal e inequívoco. Não haveria lugar para quaisquer dúvidas. 

Acontece que ninguém o acusou disso, nem houve ninguém que sequer alegasse ter-lhe feito esse pedido. Ninguém sequer falou nisso  publicamente . Nesta medida,, não parece ter muita lógica a versão da acusação, quando alega que o ex-ministro conhecia a manobra de entrega e encobrimento, mas não menciona o seu conhecimento quanto àquilo em que o seu envolvimento seria mais relevante e decisivo, implicando necessariamente uma decisão sua.


6. Em conclusão, merece desconfiança a intensidade do alarido politico-mediático a propósito de Tancos, nos termos em que tem ocorrido.

 Será apenas uma tentativa de prejudicar eleitoralmente o Partido do Governo? O que já seria um grave inquinamento da decência democrática e uma forte distorção institucional. 

Ou será também uma tentativa de esconder uma manobra ainda mais grave, traduzida na omissão propositada das diligências que evitariam o roubo das armas, de modo a agravar-se o clima político, para no limite se provocar a queda do governo?

Não rejubilaria se ficasse demonstrado que esta hipótese é verdadeira, mas acho indispensável, para a salubridade da nossa democracia, que seja investigada com rigor. Se verificarmos que é uma hipótese infundada respiraremos melhor e estaremos mais perto de evitar que alguma vez aconteça algo de semelhante. Se verificarmos que +e uma hipótese verdadeira, muita coisa vai ter que ser mudada se quisermos evitar a degradação institucional da nossa democracia.

Não esqueçamos: enquanto não for procurada por completo, a verdade sofre.

domingo, 30 de setembro de 2018

TANCOS ─ PERGUNTAS AUSENTES.



Todos nos recordamos da eclosão do estranho caso das armas desaparecidas em Tancos. Passado algum tempo, miraculosamente , as armas reapareceram. Todos os perguntadores mediáticos exerceram exuberantemente o seu ofício. Há poucos dias explodiu no espaço público um início de solução do mistério que banalizou  as mais ousadas imaginações quanto ao evento. Uma das polícias envolvidas ( a não militar) prendeu gente de outras duas (militares) , dentro de um pacote em que um civil aparecia como exceção. Um civil que afinal era, ao que parece, o alegado ladrão.
O espaço mediático foi sulcado por  uma profusão de especialistas de segurança, de generais na reserva, de discretos polícias, de argutos juristas , de irrequietos jornalistas e dos habituais bonzos de ideias gerais, que emaranharam diligentemente os fios da meada, de modo a tornarem o caso completamente indecifrável. Provavelmente, a realidade , teimosa como é, seguirá o seu caminho e acabará por se vir a mostrar aos nosso olhos, quando a confusão instalada se cansar como nuvem que  passe.
Num programa de promoção de um semanário de referência, ouvi um general na reserva, que desempenhou, quando ativo, cargos importantes na hierarquia militar, dizer que este estranho caso começou meses antes do roubo com um aviso anónimo feito ao Ministério Público de que estava a ser preparado um roubo de armas em larga escala. Indicou mesmo que esse aviso dera origem a um processo.
Gostaria de saber, ou como costumam dizer os mediáticos mais habilidosos: os portuguese gostariam de saber, se o MP informou o Ministro da Defesa, ou o Estado-Maior das Forças Armadas, ou o Exército, ou a Polícia Judiciária, ou a Ministra da Justiça, ou o Presidente da República. Alguém.
Se sim; o que fizeram os informados com a informação? Se não, porque razão o não fez? E já agora porque razão os perguntadores de serviço não fazem, não insistem nestas perguntas?
É que mais importante do que avaliar a segurança dos arames de proteção e a regularidade das vigilâncias  será certamente saber-se qual a razão pela qual, tendo havido alerta de roubo,  não foi feito nada para o evitar.

sexta-feira, 21 de setembro de 2018

TROVOADA SECA !


 
A escolha de uma nova protagonista, para desempenhar nos próximos seis anos a função de Procuradora Geral  da República, para além do que valha em si própria, como opção, (o que a qualidade do seu desempenho vai determinar) teve um significado político muito saudável.
Na verdade, a nuvem justicialista não conseguiu inquinar o processo de escolha da PGR. O desesperado ruído público da matilha mediática, que atingiu níveis de paroxismo quase ridículos, revelou, ao não produzir efeitos, que o seu peso real na relação de forças político-institucionais é equiparável a um modesto tigre de papel.
A aliança fandanga, entre os mais sôfregos politiqueiros da direita, os mais reacionários jornalistas e os mais pernósticos comentadores, pouco mais consegue do que fazer barulho. Aqueles dentes cortantes que nos mostram exuberantemente são afinal simples adereços de uma ferocidade furiosa, mas objetivamente mansa. A canzoada fandanga pode ladrar, mas não consegue morder.
Pergunta final : O que dirá sobre isto,nos seus diálogos de domingo, o percuciente Mendes?

domingo, 9 de setembro de 2018

O PRESTÍGIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - uma fantasia interessada




O PRESTÍGIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
         - uma fantasia interessada

1. Está em curso uma campanha promovida pela direita justicialista para pressionar o Governo , constrangendo-o a propor a recondução da atual Procuradora- Geral da República (PGR) ao Presidente da República, a quem cabe nomeá-la sob proposta do Governo, para  um eventual segundo mandato.

Nunca, na vigência do atual quadro legal, ocorreu qualquer recondução. Há uns tempos atrás, a própria Procuradora exprimiu publicamente a posição de que entendia que o seu mandato era único. O mesmo aconteceu com o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.

A mudança de regime jurídico que gerou o atual teve como objetivo central acabar com a admissibilidade da repetição ilimitada do mandato do PGR que,  até então, apenas dependia da vontade política de quem intervinha na sua nomeação. O mandato único prolongado parece ter sido a opção que foi seguida. Mas essa opção não ficou consagrada expressamente.

O argumento principal mais correntemente aduzido para a recondução da atual PGR é o de que o seu mandato foi um êxito que prestigiou o Ministério Público e a ordem jurídica portuguesa. Esta ideia de um mandato excelente proclamada por jornalistas, políticos e comentadores, é ancorada na afirmação recorrente do apreço que por ela têm os portugueses.

Poucas  vozes audíveis ousam erguer-se no espaço público para questionar esse novo dogma. E, no entanto, esse dogma exprime uma falsidade. Uma falsidade desesperadamente ocultada  pela nuvem mediática conservadora, que tanto se tem esforçado por enublar a verdade.

Aliás, bastaria o modesto esforço de ler o Expresso, certamente isento da suspeita de malvadez contra os arcanjos da coisa pública, para verificar que afinal os portugueses não vivem entusiasmados quanto à qualidade  do mandato de Joana Marques Vidal.

De facto, na hierarquia do prestígio e apreço públicos, os magistrados do Ministério Público batem ingloriamente os juízes na conquista do último lugar. É isso que nos mostra um estudo de opinião publicado em julho passado no Expresso. Consideram positiva a atuação do Ministério Público 15,3 % dos inquiridos, enquanto 34,7 % a acham negativa, o que significa um saldo negativo de 19,4%; 30,6% não a acham boa nem má. Nesta sondagem, nenhum outro órgão público tem saldo negativo, tendo alguns um forte saldo positivo. E, se olharmos para estudos idênticos publicados no último ano, podemos ver que os números obtidos não se afastam muito dos acima referidos.

Portanto, os comentadores, os jornalistas e os políticos que formulam opiniões com base na ideia de que o mandato da atual PGR projeta  uma imagem pública positiva,  estão enganados ou querem enganar-nos, confiando na nossa distração.

2. É óbvio que não depende da popularidade do possível  nomeado a legitimidade da escolha de um PGR por quem tenha competência legal para o fazer. Mas muito menos se pode, com decência, procurar condicionar uma escolha com alegações falsas. Menos ainda quando a falsidade dessas alegações é evidente e facilmente verificável.

A mesma nuvem mediática dá uma cor de excelência a tudo o que o MP fez acontecer nos últimos anos e esquece qualquer notícia de algo que tenha corrido mal. Mas basta que nos concentremos nas violações do segredo de justiça para se tornar notória uma deficiência grave no modo como tem funcionado o MP ao longo do mandato da atual PGR.

E não se está a falar de uma falha funcional esporádica e não premeditada. Está-se a falar de comportamentos reiterados que indiciam um padrão de promiscuidade entre uma parte da comunicação social e alguns protagonistas judiciais, entre os quais surgem muitas vezes como mais prováveis alguns magistrados do MP.

Embora pela sua natureza esta promiscuidade só seja mediaticamente apetecível quanto a alvos de elevada notoriedade pública ou de grande peso institucional, está na disponibilidade dos protagonistas do aparelho judicial a decisão de a praticar. Mas quem a praticar infringe a legalidade.

Em regra, as fugas de informação em fases iniciais dos processos são favoráveis aos desígnios de quem pretende acusar e mancham, muitas vezes indelevelmente, e desde logo, a reputação dos potenciais ou reais arguidos. As versões dos acusadores públicos são difundidas pela comunicação social como verdade substancial, instituída e final. E assim,  por vezes  durante anos, vão decorrendo em lume branco verdadeiros linchamentos mediáticos, apesar de se estar longe de qualquer julgamento final definitivo que condene ou absolva. 

Desse modo, está a aplicar-se desde logo uma pena pública de enxovalho ético, sem que o visado se possa defender com armas iguais. Um enxovalho consubstanciado em imputações mediático-políticas, cuja força depende, quase exclusivamente, de serem apresentadas como oriundas do aparelho judicial. Para muitos dos visados é mais penalizadora a exposição prolongada a campanhas de descredibilização ética e de forte reprovação social do que um cumprimento de pena.

Ou seja, em alguns casos um processo de investigação desdobra-se à partida em dois processos distintos: um processo judicial normal em regra prolongado com um respeito aceitável pelo contraditório, e um linchamento mediático, em regra feito a partir de uma enorme desproporção e forças, entre quem é linchado simbolicamente e quem lincha. Esta segunda vertente do processo é ilegal e é vergonhosa.

Embora, em regra, nos casos mais mediáticos, as fugas de informação convenham às acusações, não se tem provado que elas partam em exclusivo ou sequer principalmente do MP. É lógico que o sejam, mas não se têm  provado. Em contrapartida ,não há dúvida que, se os protagonistas do MP envolvidos nesses processo tivessem uma vontade firme de se oporem a essas fugas , seria muito difícil, ou até impossível, elas ocorrerem com a extensão com que se conhece.

Esta promiscuidade dificilmente será imune a estratégias de aproveitamento, nomeadamente de aproveitamento político, para se atingirem por via judicial o que se não consegue atingir pela via política, legítima e democraticamente. Não quer dizer que o seja necessariamente, mas não há nenhum obstáculo estrutural que o impeça.
Daí resultará, naturalmente, que o pluralismo ideológico e político da sociedade portuguesa conduza à aprovação ou ao consentimento de uns e à reprovação de outros.  Mas, uns e outros, no seu íntimo, ficarão mais céticos quanto à imparcialidade da máquina judicial. Pode ser que no momento em que enfrentem uma imparcialidade que lhes agrade se disponham a aplaudir, mas sabem que se mudar o vento ela  pode virar-se contra eles.

Como se vê, a promiscuidade acima mencionada não é uma sequela menor da questão do segredo de justiça, encarando-se esta como um problema técnico-jurídico sem verdadeira relevância. Ao contrário, é uma grave insalubridade estrutural do sistema judiciário que lesa gravemente a qualidade do trabalho judicial e desprotege os cidadãos num ponto nevrálgico da sua vida e dos seus direitos.

Desta maneira, ainda que tudo o resto fosse excelente, não se percebe como, perante esta falha tão grave, alguém possa apelar para que, quem não se mostrou capaz de a colmatar, continue a liderar o MP. Não se trata de alegar uma falha que justificasse uma demissão, trata-se de constatar uma impotência que, a prolongar-se, não será certamente benéfica para o sistema jurídico e para a democracia. Admitir sequer a recondução é por isso discutível, mas invocar o histórico do mandato como impulso para essa renovação é verdadeiramente caricato.

As sondagens que acima mencionei mostram que os  portugueses estão cientes dessas limitações, ao contrário da nuvem mediática insalubre e dos arautos justicialistas da direita mais sôfrega, a qual  tem oscilado neste campo  entre a desfaçatez e a pura desonestidade intelectual e política.

Há uma decisão a tomar, quanto a quem vai desempenhar as funções de PGR nos próximos seis anos, que cabe conjugadamente a dois órgãos de soberania por força da lei, o que torna impossível a qualquer deles nesta matéria ignorar o outro. Desse modo, para nenhum deles seria inteligente tentar forçar uma solução que não fosse justificável e objetivamente defensável. Ao  Presidente da República cabe a palavra final, ao Governo cabe fazer a proposta, devendo cada  um deles, naturalmente, exercer livremente os poderes de que dispõe.

Para concluir, não posso deixar de registar que a direita mais justicialista e a nuvem mediática insalubre se acham no direito de dizer a António Costa o que ele deve fazer, impedindo-se no entanto de ronronar a mais leve sugestão quanto ao que deve fazer neste caso Marcelo Rebelo de Sousa.


sábado, 30 de dezembro de 2017

A JUSTIÇA RESPIRA MAL




A JUSTIÇA RESPIRA MAL

Vários comportamentos, mediaticamente destacados, das principais instâncias do poder judicial português têm tido ecos superficiais contraditórios e têm suscitado impressões distintas na sociedade portuguesa. Uns entusiasmam-se, outros indignam-se. Cada vez mais encolhem os ombros, com desilusão ou simples indiferença. Os entusiastas, os indignados e os indiferentes arrumam-se desigualmente ao sabor do que em cada caso está directamente em causa.

Mas, de acordo com os estudos opinião publicados, em geral, o prestígio dos juízes e dos magistrados do ministério público tem descido até aos últimos lugares na hierarquia da consideração, que por eles têm os portugueses. Os tribunais, corporizados essencialmente pelos juízes, são um órgão de soberania. Todos os outros órgãos de soberania radicam a sua legitimidade no facto de serem escolhidos directa ou indirectamente pelo voto popular. O Presidente da República e os deputados à Assembleia da República são eleitos directamente; o Governo depende principalmente da vontade e decisão dos deputados. Os juízes, embora exerçam os seus poderes “em nome do povo”, nos termos da Constituição, não são eleitos por ninguém.

Os magistrados do ministério público dispõem de uma autonomia que os não exclui da tutela genérica do Governo, regulada pela lei nos termos da Constituição.

Uns e outros, corporativamente, têm pugnado por uma autonomia ainda maior, neste último caso, e por uma independência ainda mais radical, no caso dos juízes. Não só em Portugal, mas também em Portugal, sob a capa de uma luta contra a corrupção (plenamente justificada em si própria) têm vindo a deslizar crescentemente para uma intromissão ilegítima nas esferas de competência política do poder executivo e até, mais raramente, do poder legislativo.

No entanto, se no caso português a opinião pública, exprimindo em larga medida a vontade popular, aprecia, como é público, tão negativamente os juízes, como podem continuar eles a ser dispensados, incondicionalmente, de se submeterem a um crivo eletivo directo ou indirecto, que certifique que o povo, em nome de quem decidem, os mandata realmente para julgarem? E, se o mesmo desprestígio atinge os magistrados do ministério público, o que está na ordem do dia é a necessidade dos poderes democráticos, que resultam do nosso voto, tomarem medidas urgentes para uma reabilitação profunda da qualidade da sua actuação, que lhes permita recuperar o prestígio perdido.

Todos sabemos (e quem tenha frequentado uma Faculdade de Direito, como é o meu caso, sabe-o sem margem para dúvidas, por experiência) que como estudantes  os então futuros juízes e magistrados não eram, por natureza, mais honestos, mais inteligentes, mais sabedores, mais equilibrados, mais trabalhadores do que  os outros. E não há Faculdade de Direito que, em si, seja capaz de ungir de uma espécie de santidade democrática todos os que por lá passarem. Por isso, não há nenhuma justificação objetiva para que seja quem for possa ser encarregado de uma função tão relevante como a judicial, sem ser submetido, como os titulares de outros poderes públicos o são, a um controle democrático claro e efetivo.

Tem vido a manifestar-se, com crescente frequência, uma enérgica vociferação, talvez nalguns casos sem má fé, contra os partidos políticos, contra aquilo a que chamam classe política (pondo com essa noção, num mesmo saco, lobos e cordeiros, raposas e galinhas, como se os cordeiros pudessem comer os lobos e as galinhas, as raposas). Os furiosos acendem-se , em regra, por causa de  atos ou omissões cometidos por um ou por outro partido em concreto, por uma ou por outra pessoa em concreto, mas a partir de uma primeira justa indignação quanto a cada caso generalizam, abrangendo tudo. E ao abranger-se gente séria na vociferação, está afinal a praticar-se uma injustiça e a estão a branquear-se os verdadeiros prevaricadores.

Embora não seja essa a única causa desta atmosfera insalubre que se respira em Portugal, para se poder melhorá-la não se pode ignorar a crise vivida pelas magistraturas judiciais, bem ilustrada, aliás, pela dramática quebra de prestígio público que enfrentam.

E como é óbvio, em virtude da situação a que se chegou, pelo menos num primeiro tempo, não é lógico que esteja em causa o aumento de autonomias ou de independências, mas sim uma intensificação equilibrada do controle democrático e das garantias de compatibilidade funcional e política dessas entidades judiciais com as escolhas democraticamente feitas pelos portugueses.


Mas se a estratégia for a de fingir que se muda muito à superfície para se garantir que em profundidade tudo fica na mesma, apenas estaremos a estugar o passo rumo ao abismo. E o abismo é, neste caso, uma maior degradação das magistraturas judiciais, rumo a uma séria perda de qualidade da democracia em Portugal.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Breve juízo sobre um juiz.



Breve juízo sobre um juiz.

Associo-me ao coro de indignação suscitado pelo facto de um juiz de um Tribunal da Relação ter fundamentado uma decisão sua com algumas alarvidades. Alarvidades das quais transparece uma depreciação genérica das mulheres, colocando-as num patamar inferior ao dos homens. Essa depreciação traduziu-se, no essencial, na ideia de que o adultério praticado por homens era um pecadilho que podia merecer um puxão de orelhas, quiçá cordial, mas o adultério praticado por mulheres justificava, inevitavelmente,  uma feroz carga de pancada.

Que uma ética tão tosca seja apanágio de um juiz, é algo que realmente surpreende pela negativa. Mas, em termos sistémicos, preocupa-me ainda mais que um juiz de um Tribunal da Relação tenha cometido a burrice de tornar público, através de uma sentença, um tal dislate. Burrice pura! E, penso eu, que para a qualidade e para a credibilidade de um sistema judicial, um juiz estúpido é ainda mais perigoso do que um juiz eticamente primitivo.

sábado, 5 de março de 2016

Magistrados ou funcionários da superestrutura?

Na página virtual da revista brasileira CartaCapital foi publicado hoje um texto da jornalista brasileira  Bia Barbosa, especialista em direitos humanos e integrante da coordenação do Intervozes. O texto tem como título: "Operação Aletheia e a nova aula global de manipulação midiática." Em complemento do título sublinha-se que : "Associação Judiciário-PF-mídia foi essencial para constranger ilegalmente Lula, enfraquecer o PT e o governo e fortalecer os protestos pró-impeachment."

Ontem, subiu-se mais um degrau na campanha politico-judicial dirigida no Brasil, contra o Partido dos Trabalhadores ,ao qual pertencem quer Dilma, a atual Presidente, quer Lula, o anterior: e também contra ambos. Prenderam eLula para interrogatório, durante algumas horas. 

A grande comunicação social brasileira, altamente concentrada, é uma peça determinante da campanha destinada a  destruir o PT, único partido da esquerda brasileira capaz de disputar o poder. Está muito longe de ser isenta na informação quanto ao que se passa hoje no Brasil . Para ajudar a compreender isto mesmo, o texto que a seguir transcrevo é relevante:




Não é à toa que democracias consolidadas possuem mecanismos de regulação do setor de comunicações para garantir o que os padrões internacionais definem como “discurso pluralista e democrático”. Quem preza pelo Estado de Direito sabe que uma esfera pública midiática dominada por uma única empresa e que um jornalismo que não respeita o mínimo equilíbrio de vozes podem ser destrutivos para qualquer nação.
Nesta sexta-feira 4, em que o País parou para acompanhar o desfecho da operação da Polícia Federal que levou o ex-presidente Lula coercivamente para depor, o Brasil, uma vez mais, presenciou uma aula de manipulação da opinião pública pela Rede Globo.
Não precisamos recuperar aqui a história das Organizações Globo neste campo. Ela é bastante conhecida. Mas, em momentos de crise política como o que vivemos, em que princípios constitucionais são ameaçados diariamente, mostra-se fundamental jogar luz em como tem se dado o processo de “informação” e formação da opinião dos brasileiros.
Não se trata aqui de defender o ex-presidente Lula e o PT, tampouco de negar a importância que um fato como este deve ter para os meios de comunicação. Mas o que se espera de uma concessionária do serviço público de radiodifusão, num momento como este, é objetividade – até porque a “isenção e imparcialidade” que Bonner afirma a Globo ter, não existem.
O que se viu, entretanto, ao longo de uma hora e vinte minutos no principal telejornal do país, está muito distante disso.
Não precisamos entrar na análise do discurso das matérias veiculadas nesta sexta pelo Jornal Nacional, aquele que se arvora o papel de fazer a síntese do dia, “para que o cidadão esteja sempre bem informado”. Vamos aos fatos, como a Globo gosta, e deixar cada um tirar suas conclusões.
1 - Primeiro bloco do JN: 21 minutos de matérias, e nada mais que cinquenta segundos (25 vezes menos) com a posição da defesa. Na matéria de seis minutos e dez segundos sobre os pagamentos que o Instituto Lula e a LILS receberam por palestras feitas pelo ex-presidente, somente a PF falou.
2 - Segundo bloco: mais 15 minutos de matérias. Vinte segundos com a posição do ex-presidente e 20 com uma fala de Paulo Okamotto, presidente do Instituto Lula.
A defesa dos empresários acusados de envolvimento nas obras do sítio de Atibaia foi lida pelos apresentadores na bancada, totalizando pouco mais de um minuto e meio.
Na matéria sobre o tríplex do Guarujá, sete segundos para citar a nota do Instituto Lula em 2 minutos e cinquenta segundos de reportagem.
3 - Quase quarenta minutos desde o início do JN tinham se passado quando foi ao ar a primeira fala de Lula, na matéria sobre a declaração que ele fez à imprensa e à militância na sede do Diretório Nacional do PT. Lula teve voz por sete minutos e meio. Um minuto e quinze de Dilma criticando a operação vieram na sequência.
Rui Falcão, presidente do partido, teve direito a dezesseis segundos. Na matéria sobre as repercussões no Congresso, um minuto para a oposição e 30 segundos para o PT – e mais dois do repórter divulgando informações de como a direita pretende paralisar o Parlamento até o impeachment sair.
4 - Na matéria sobre os atos que aconteceram pelo País, o mesmo número de citações para os atos pró e contra Lula, independentemente da gritante diferença entre o número de pessoas que eles mobilizaram. Depois, mais um minuto só para mostrar as pessoas que, atendendo ao chamado da oposição, bateram panelas ou aplaudiram o início da transmissão do Jornal Nacional.
Do outro lado, mais de dois minutos mostrando militantes do PT hostilizando repórteres da Globo.
Durante a tarde, na GloboNews, a empresa já tinha batido várias vezes na tecla de que “o PT está inflando a militância para o confronto”, desconsiderando totalmente a legitimidade de quem está sendo atacado se defender também nas ruas.
Gerson Camarotti entrou pela internet do aeroporto de Congonhas para dizer: “O que estamos vendo em Congonhas é uma amostra do que o PT está deflagrando hoje”, numa absurda inversão dos fatos.
5 - O JN trouxe ainda uma matéria sobre “os destaques negativos” na imprensa internacional, por mais dois minutos. E informou que o mercado reagiu positivamente aos fatos, com alta na Bolsa de São Paulo e queda no valor dólar. Totalizando, foram 64 minutos de matérias acusando Lula e publicizado os argumentos e informações da PF, dos quais menos de 13 com o outro lado.
6 - Um dos principais assuntos em discussão ao longo do dia, a legalidade da condução coercitiva de Lula e de mais dez investigados, não mereceu a atenção do Jornal Nacional. Nem mesmo a opinião dos quatro especialistas em direito penal que foram chamados pela GloboNews ao longo do dia e que, de forma unânime, falaram que tal condução não tinha fundamento legal convenceram o JN.
Alguma menção à declaração contundente de dois ministros do STF que consideraram a ação da PF arbitrária? Nada. À Folha de S.Paulo, Marco Aurelio Melo disse que “o atropelamento não conduz a coisa alguma. Só gera incerteza jurídica para todos os cidadãos. Amanhã constroem um paredão na praça dos Três Poderes". E criticou o argumento utilizado pelo juiz Sergio Moro para embasar a condução coercitiva de Lula: "Será que ele queria essa proteção? Eu acredito que na verdade esse argumento foi dado para justificar um ato de força (…) Isso implica em retrocesso, e não em avanço."
Mas a Globo não achou importante ouvir o STF neste caso. Pelo contrário, colocou declarações da OAB e de associações de magistrados e procuradores que defenderam a ação da PF.
Para além da edição desta sexta do Jornal Nacional, a cobertura deste “dia histórico”, como afirmaram os comentaristas da Globo, contou com vários aspectos condenáveis. Um deles foi o discurso claro de que a economia só vai melhorar quando o governo mudar.
Outro, a acusação de que Lula está, “uma vez mais”, dividindo o país, fazendo um discurso de “perseguição e orquestração”. A comentarista política da Globo News, Cristiana Lobo, chegou a falar em “síndrome de perseguição”. Às 20h, o canal por assinatura da empresa fez um “resumo das declarações do dia”. Nenhuma foi crítica à operação.
Não é muito difícil, portanto, concordar com a definição de orquestração. Sobretudo quando se sabe que jornalistas de diferentes veículos tomaram conhecimento da operação Aletheia antes mesmo dos advogados dos acusados.
A associação Judiciário-Polícia Federal-meios de comunicação se mostrou essencial para os objetivos do dia serem alcançados: constranger ilegalmente o ex-presidente Lula, desmoralizar o PT, enfraquecer o governo e fortalecer os protestos pró-impeachment agendados para o dia 13 de março.
Não há coincidência nos acontecimentos do período recente. Da divulgação da delação de Delcídio aos vazamentos seletivos, passando pelo silenciamento da imprensa diante das denúncias de desvio dos recursos públicos pelo também ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e pela tentativa de censura contra os blogueiros que denunciaram o esquema da mansão dos Marinho em Paraty.
Reconhecer isso é forçoso, independentemente dos indícios apresentados pela PF contra Lula ou do que ficará efetivamente provado ao final das investigações.
Da mesma forma, é forçoso reconhecer que parte significativa desta crise é resultado direto da ausência de enfrentamento à vergonhosa concentração dos meios de comunicação no País, nos 13 anos de governo petista. Aqui, se está colhendo o que se deixou de plantar.
Mas quando as regras do jogo são rasgadas com tamanha facilidade; quando parcela das instituições que devem zelar pelo respeito às leis são guiadas por fatores políticos; quando a mídia nega o direito da população a uma informação plural, acusa e condena previamente; e quando se vê a maioria da população comprando esta narrativa e aplaudindo a espetacularização do justiçamento a todo custo, não é a biografia do Lula, os feitos de seu governo ou o projeto do PT que estão em risco. É a nossa democracia.

sábado, 5 de setembro de 2015

A justiça é realmente cega?



Fiquei siderado pelo que acabei de ouvir na conferência de imprensa dada pelos advogados de José Sócrates. A leitura mais pessimista do respectivo processo, no plano da qualidade do nosso sistema judicial, do grau de credibilidade da protecção das liberdades cívicas que ele faculta, foi gritantemente sublinhada. 
E não há dúvida que é difícil imaginar-se que uma tão baixa qualidade de desempenho das entidades públicas envolvidas neste processo seja  apenas o resultado de um episódico tropeção de dois ou três responsáveis , tendo sido apenas a má sorte que fez com que o alvo fosse um antigo primeiro-ministro, que por mero acaso o foi em representação do PS. É pelo menos tão improvável como cada um de nós ganhar o primeiro prémio do euromilhões.
Mais provável do que este rosário de azares é o de haver um propósito no lançamento deste caso com estas características. Não é possível termos certezas, mas podemos fazer conjecturas, algumas das quais verosímeis. E é legítimo que nos interroguemos.
A escolha do alvo tem alguma coisa a ver com uma pulsão revanchista de certas categorias profissionais ligadas à justiça que se sentiram lesadas pela governação de José Sócrates? Ou essa escolha tem apenas a ver com uma especial antipatia episódica de quatro ou cinco magistrados para com um antigo primeiro-ministro? Ou essa escolha traduz no essencial uma opção de combate ao PS através de alguém que representou o partido à frente do Governo?
Qualquer destas hipóteses representaria uma gravíssima instrumentalização do aparelho judicial para uma interferência ilegítima e ilegal no processo político.
Mas se nenhuma destas hipóteses corresponder à verdade , nem por isso poderemos esperar tranquilamente que se faça justiça. De facto, os atropelos detectados na condução deste processo pela maior parte das entidades públicas que nele intervieram, se não foram especialmente causados pela identidade do visado, podem ser a má sorte de qualquer cidadão. Isto significa que a democracia conquistada  , além de outras mazelas, sofre agora de uma anemia aguda do nosso sistema de aplicação da justiça, quando se trata de proteger os direitos dos cidadãos. A gravidade desta hipótese é diferente da anterior , mas não é menor.

Deixemos pois a justiça funcionar, mas estejamos atentos ao seu funcionamento. Não nos esqueçamos que ela só é legítima e só tem base legal por ser exercida em nome do povo. Em nosso nome, portanto. Ora, por aquilo que outros fazem em nosso nome também nós somos responsáveis. Por isso, há uma responsabilidade cívica a que não devemos fugir: a  de escrutinarmos  a qualidade da justiça prestada. Haver crimes por descobrir, criminosos por punir, inocentes condenados, cidadãos que são incomodados pelo aparelho judicial por razões extra judiciais, haver arguidos cujos direitos processuais não são escrupulosamente respeitados, haver vítimas que não são protegidas e ressarcidas, são delitos básicos na aplicação da justiça que não podem ser consentidos, que se forem aceites como possíveis ou até como naturais degradarão profundamente a qualidade da nossa democracia.

democraciademocraciademocracia.

sábado, 3 de janeiro de 2015

Justiça !

Depois das declarações de Sócrates, difundidas na TVI, o Conselho Superior da Magistratura e o Conselho Superior do Ministério Público têm obrigatoriamente que se pronunciar publicamente.

Ou reúnem e difundem informações convincentes que aleguem e mostrem que o que José Sócrates diz é falso, ou abrem de imediato um processo de responsabilização disciplinar e penal dirigido a todos os magistrados envolvidos no caso.

Se isto não acontecer é legítimo que receemos estar perante a ameaça  não assumida de um golpe de Estado deslizante de matriz  judicial.

E aí o Presidente da República tem que entrar em cena com todos os seus poderes, não lhe sendo desta vez consentido que se limite a mastigar umas quantas banalidades.


Aguardemos.

sábado, 13 de dezembro de 2014

As Impressionantes Impressões de dois Impressionados

Os jornais dizem que, segundo as suas fontes, um certo agente do Ministério Público acha que um determinado arguido comprou certos direitos o que recairia em seu desfavor. Os jornais dizem que, segundo as suas fontes, um certo juiz não acredita numa certa generosidade de um arguido, na falta da qual sugere um possível ato ilícito de outro arguido, ou de ambos. Esse agente e esse juiz conjugam-se num processo onde têm sido publicamente notórias as fugas ao segredo de justiça.

Mas as desconfianças e as impressões do agente e do juiz, que não vi desmentidas, embora com a sua verosimilhança ancorada na quebra do segredo de justiça vão muito para além dele. Trata-se de agressões públicas a arguidos perpetradas por intervenientes formais no processo que só podem ser feitas porque os seus autores têm uma posição processual específica inerente às funções que lhes foram confiadas no aparelho judicial.
A quebra da lealdade processual é aqui ostensiva. Se o ocorrido não configura uma falha grave de dois magistrados no exercício das suas funções, não sei que tipo de comportamento a poderá configurar.

Tenho alguma esperança de que os magistrados em causa desmintam o que os jornais disseram, ou que os jornais desmintam como falsas essas notícias.

Mas se assim não for não posso deixar de me escandalizar por duas coisas: 1º por essas ocorrências terem acontecido; 2º pelo facto de não ter havido um levantamento crítico de escândalo e de rejeição na opinião pública.


É que com isto tudo talvez os arguidos visados saiam prejudicados, mas seguramente que o prestígio da máquina judicial sai bastante diminuído.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

OUVIR DIZER ...


Mesmo antes de ter longamente percorrido a aprendizagem e o ensino das árduas matérias jurídicas, num continuado esforço de descoberta dos seus mistérios, adquiri como um dos conhecimentos básicos mais óbvios a ideia de que um testemunho por ouvir dizer não tinha força probatória. E não foi preciso, para tão lógica aquisição, mergulhar nas profundezas inóspitas dos tratados de direito. Bastou uma juvenil leitura do autor americano de romances policiais  Erle Stanley Gardner, na velha Colecção Vampiro, para, através do seu inesquecível Perry Mason , absorver essa condenação à irrelevância processual dos testemunhos por ouvir dizer.

Compreendam, por isso, que tenha sido com naturalidade que recebi a notícia de que o Ministério Público desconsiderou uma comunicação do juiz do Processo Freeport, através da qual o imaginativo magistrado, após absolver os réus, preconizou a abertura de um processo contra José Sócrates com base no facto de algumas testemunhos terem em juízo dito que ouviram dizer sobre Sócrates coisas menos abonatórias susceptíveis de configurarem uma actividade criminosa. E desconsiderou a comunicação do juiz invocando precisamente o argumento de se tratar de testemunhos por ouvir dizer que como tal não tinham valor probatório.

 Por um lado, fiquei satisfeito , já que o nosso Ministério Público mostrava capacidade para reconhecer o óbvio. Por outro lado, fiquei de algum modo alarmado pelo facto de durante anos , magistraturas, comunicação social e até alguns expoentes da sabedoria jurídica terem passeado pelas margens do referido processo ancorados nesse ouvir dizer. Ancorados nessa leve neblina para combaterem denodadamente alguém que nunca chegou a ser chamado ao processo. Ou seja, durante longos anos, algumas instituições jurídicas e muitos alegados sábios demonstraram não terem ainda atingido o nível de conhecimentos jurídicos e de argúcia que os fizessem alcançar o modesto patamar de um personagem célebre dos romances policiais de Erle Stanley Gardner. 

sexta-feira, 20 de abril de 2012

CONTRA UMA REPÚBLICA DE MAGISTRADOS - 2



Opinar sobre a qualidade dos candidatos à ocupação das vagas surgidas no Tribunal Constitucional é um acto normal. Como seria normal que qualquer agente do poder judiciário ao fazê-lo em público, à sombra de uma qualquer instituição, tivesse alguma contenção.

Mas que um juiz, investido da qualidade de dirigente de uma associação sindical, transforme uma opinião desfavorável quanto ao mérito dos referidos candidatos (ou de alguns deles), num repúdio pelo envolvimento da Assembleia da República na escolha, acrescentado-lhe a correspectiva reivindicação de que tal escolha coubesse por completo aos juízes, parece-me de uma inacreditável desfaçatez. E para carregar mais nas tintas do dislate, ei-lo a assumir-se como oráculo iluminado de todos os portugueses, para afirmar que todos nós seguimos carneiristicamente a sua iluminada opinião e a sua sôfrega reivindicação. Qualquer velha raposa da vulgata política não faria diferente, não diria melhor, o que corresponde a que se passe ao douto magistrado um atestado merecido de agilidade dentro do universo cansativo da potitiquice mais barata.

Ou seja, uns quantos técnicos do direito, dispensados por completo do filtro democrático de qualquer eleição, iam substituir a sua incontrolada vontade, à opinião periódicamente escrutinada dos representante eleitos dos portugueses. Que milagre ungiu os juízes de todas as virtudes e carregou os deputados eleitos de todos os defeitos? Por que razão se haveria de preferir outorgar um poder vitalício incontrolado a uma categoria profissional, retirando-o das mãos de representantes eleitos por todos nós, periodicamente removíveis?

De facto, esses senhores juízes estão mesmo a precisar não só de uma bússola de bom senso político, mas também de um banho prolongado de cultura democrática e de frugalidade institucional.

quarta-feira, 21 de março de 2012

CONTRA UMA REPÚBLICA DE MAGISTRADOS

de René Magritte


Uma República de Magistrados, juízes e agentes do ministério público, tem vindo a ganhar terreno, graças à excessiva leveza da nossa democracia. Nos áridos corredores do aparelho de Estado, onde nas noites frias erra ainda o fantasma de Santa Comba, há sugestões subtis de adagas e vinganças. Os eleitos são ainda olhados com desconfiança, pelas almas cinzentas que deslizam como sombras na penumbra das tardes.
O 25 de abril, a democracia, foram imprudentemente generosos em face da cumplicidade dos corpos da magistratura com os desmandos do fascismo, tão bem sintetizada nos tribunais plenários. Deixaram-nas incólumes e subtis, esperando por uma possível hora futura que lhes abrisse o poder supremo.
Numa metamorfose perversa vão sendo, cada vez mais, verdadeiros partidos políticos que, não se assumindo como tais, vão, no entanto, ocupando terrenos que lhes estariam vedados. Sem se sujeitarem ao risco do voto popular, não combatem lealmente em terreno aberto, mas atacam desde já, entre aqueles que se submetem ao voto democrático, os que consideram politicamente como inimigos, solidarizando-se concomitantemente com os que encaram politicamente como amigos.
Têm sido veículos acomodados de uma Justiça que se esvai numa estagnação sem horizonte, pilotos de barcos extraviados nos labirintos dos pequenos poderes. Mas inertes na própria casa imaginam-se deuses na casa dos outros. Embrulhados sem rumo no nevoeiro do aparelho judicial, ficcionam-se salvadores nos mares encapelados da política.
Mas de que graça foram ungidos para se sentirem poder sem serem democraticamente legitimados? Nos idos do salazarismo convivi nos bancos da Faculdade com muitos futuros magistrados. Em nenhum vislumbrei a marca forte de um destino que excedesse o dos mortais. Como regra, não se metiam em confusões, nadavam suavemente nas águas leves da direita, deglutiam gravemente as rotinas de turno. Enfim, ou achamos que o simples convívio com as ásperas matérias jurídicas equivale ao filtro do voto popular, ou teremos de dizer aos senhores magistrados para ficarem nos lugares que lhes cabem .
República de Magistrados, caricatura ambulante do conservadorismo judiciário, estruturalmente afastada da desagradável submissão às inconveniências do voto popular, e portanto inconstitucional; e profundamente avessa a qualquer sombra de democracia. República de Magistrados, oligarquia necessariamente autoritária, que assoma com ousadia crescente às janelas complacentes da nossa transigência. Fechemos essas janelas. Já.