As próximas eleições
autárquicas em Coimbra
I - Crítica das críticas
1. Este é o primeiro de uma pequena série
de textos através dos quais tenciono abordar a problemática autárquica no
quadro das eleições de outubro próximo. O meu ponto de vista não é imparcial,
uma vez que militando no PS apoio politicamente em termos gerais a atual gestão
autárquica no município de Coimbra. Mas, pretendendo hoje fazer uma crítica das
críticas, procurarei encará-las com objetividade, no quadro de um debate
democrático frontal mas sem crispação. Não vou discuti-las em si próprias,
apreciando o seu conteúdo. Vou tentar comentar a tipologia de algumas delas em
termos genéricos, sem a pretensão de exaustividade.
Muitas vezes, as críticas foram
metodológicas ou de estilo, suscitadas por episódios políticos ou por casos
isolados, tentando-se através delas desgastar o prestígio da atual gestão
municipal. Este tipo de críticas envolve um risco grande de descambar em
ataques pessoais que suscitam uma crispação intensa entre os protagonistas e
tornam mais difícil um diálogo profícuo, encorajando um clima de suspeições
mútuas e de ressentimento.
Em si, não envolvem a promessa de qualquer
programa alternativo ou de iniciativas novas. São ataques que procuram
menorizar os visados, mas não nos dizem nada quanto ao que há a esperar de uma
gestão autárquica dos críticos. Podem dar sinais quanto à sua ferocidade, mas
não quanto ao seu programa e à sua competência. Podem mostrar uma demarcação genérica
intensa, mas não revelam o que fariam de diferente se estivessem na mesma
posição.
2. Outro tipo de críticas centra-se em
insuficiências estruturais do concelho e na subsistência de lesões no tecido
social inerente às desigualdades sociais. Há duas verificações prévias a fazer.
A primeira, para apurar se essas lesões são insuficiências específicas do nosso
município ou ressonância inevitável do tipo de sociedade em que vivemos, inigualitária e desumana, dominada por uma lógica de proeminência do capital em
face das pessoas. No primeiro caso, estamos sob a alçada da política
autárquica; no segundo não. No primeiro caso, é legítimo, positivo e necessário
discutir caminhos para a sua superação no quadro da dinâmica autárquica; no
segundo transcende-se o plano autárquico, o que induz a necessidade de se agir
no quadro de instâncias nacionais ou europeias.
Quanto às insuficiências estruturais, há
que apurar se cabem no poder auto regenerador da autarquia ou se implicam deliberações da competência de
entidades nacionais ou europeias. No primeiro caso, estamos perante um problema
político autárquico, no outro não.
Imputar responsabilidades e discutir
políticas que caibam na área das atribuições e competências legais das
autarquias é um exercício natural da democracia. Criticar o poder autárquico
por desvios e omissões inerentes a espaços políticos onde a competência é de
outras entidades não faz sentido, podendo confundir-se com pura demagogia.
Desenhar programas políticos para um município envolvendo medidas cuja
competência cabe a outras entidades (nomeadamente, nacionais) é propaganda
mistificatória e desonesta.
A distinção entre aquilo que cabe nas
atribuições do município e aquilo que as transcende é tanto mais importante
quanto estamos numa fase em que está em mutação profunda o leque de
competências atribuídas aos municípios, o que é especialmente relevante em
espaços municipais relativamente amplos e complexos como é o caso de Coimbra.
3. Uma das atitudes críticas mais
frequentes radica-se na comparação de Coimbra com outras cidades, especialmente
cidades de outros países, no plano das políticas autárquicas. Fazem-se por
vezes comparações gerais, outras vezes propõe-se a aplicação aqui de políticas
praticadas noutros lados. Se a comparação for além de uma mera alegação genérica,
reprodutora de um simples impressionismo fruto de um senso comum turístico,
estamos perante um exercício útil potencialmente fecundo.
São recomendáveis algumas precauções
contextualizadoras. Em primeiro lugar, há que comparar o nível de
desenvolvimento do nosso país com o dos países das cidades que se comparam com
Coimbra. Depois, a qualidade do tecido económico-social das regiões
circundantes. Por fim, o peso demográfico de cada um dos termos da comparação.
Tudo isso tem que ser ponderado para a
plena fecundidade das comparações. Todas as cidades envolvidas têm uma
história, percorreram uma trajetória geradora de uma identidade, o que impõe
uma abordagem diacrónica. Não parece útil por isso procurarmos inserir na
trajetória de Coimbra como prótese circunstancial uma ideia, uma medida, um
projeto que tenham sido extraídos do seu lugar de origem, sem uma
contextualização que aí os situe. Pelo contrário, o que
se impõe é aproveitar as comparações como energia nova no percurso de Coimbra,
intensificando-lhe o ritmo, ajustando-lhe a trajetória, melhorando o modo como
caminhamos.
É desta cidade concreta, numa fase precisa
da sua vida, da sua trajetória, que estamos a falar. Não se trata de trazer do
nada uma cidade ideal, de implantar um sonho de cidade, por mais belo que ele
seja, trata-se de interferir num devir específico, inscrevendo-nos numa
trajetória de cidade que tem séculos. Não faz sentido esculpir com a nossa
imaginação uma cidade nova virtual que esqueça a cidade que existe, que não
esteja enraizada numa ambição irrestrita pela qualidade de vida dos munícipes
concretos que lhe dão vida. Os sonhos de
imaginação do futuro são preciosos para darem viço à Coimbra que existe,
rasgando novos horizontes no seu caminho, ajudando a suprir as suas
incompletudes e a superar as suas mazelas. Mas dificilmente se pode conseguir
isso, se não se tiver presente o que já se atingiu, os contornos do prestígio
nacional e internacional já conseguido. Só será possível atenuarmos os nossos defeitos e romper as
nossas limitações, se transmitirmos energia às nossas qualidades, enriquecendo
as nossas virtudes. Para isso não as podemos ignorar e muito menos enxovalhá-las,
submergindo-as no paroxismo insalubre da propaganda política presa ao
imediatismo estéril da sofreguidão de poder.
4. Todas as autarquias são realidades
sociopolíticas dinâmicas inseridas num contexto nacional em permanente evolução
num espaço europeu que ajuda a projetá-lo no mundo. Mas algumas delas em certos
períodos atravessam fases onde convergem várias dinâmicas.
Parece-me ser esse o caso de Coimbra. Para
além da sua própria trajetória como município que envolve uma cidade histórica
com energia futurante, incorpora uma universidade centenária com forte índice
de internacionalização, apreciável relevância nos países da lusofonia animada
pela ambição de inovar. Além disso, cabe-lhe objetivamente um papel
irrenunciável numa dinâmica nacional de resistência a uma deriva de
bipolaridade no desenvolvimento nacional que pode convertê-lo num destino
aleijado em que duas grandes áreas metropolitanas desertificam indiretamente o
resto do país e se autocongestionam insalubremente numa urbanização de
pesadelo. Não deixa também de dispor de um especial protagonismo no campo da
saúde o que na presente conjuntura terá necessariamente um apreciável relevo no
caminho a percorrer.
Naturalmente que a relação sinérgica com a
Universidade de Coimbra deve ser conjugada com a adequada valorização de outras
instituições de ensino superior aqui radicadas, estimulando a instituição de um
espaço diversificado de afirmação científica e tecnológica que possa cumprir
uma tarefa decisiva na qualificação dos portugueses.
São estes alguns dos trilhos a percorrer
por Coimbra para enriquecer como um todo a sua história projetando-a no futuro,
para ser cada vez mais fiel ao melhor de si própria ao progredir numa cada vez
mais intensa respiração do futuro e do mundo. E assim afirma uma irredutível
identidade própria como um recurso de Portugal. Estes caminhos podem questionar-se na procura
de alternativas mais fecundas, mas não podem anular-se substituindo-se por
nada. Esses trilhos que não devem ser encarados como caminhos fechados num perfil
antecipado ao detalhe, mas como grandes linhas de orientação; nítidas, mas a
necessitarem de uma criatividade continuada que as vá materializando.
O debate em torno das grandes linhas de
orientação e do modo como são materializadas é dos mais úteis e assumi-lo como
tal qualifica muito a fisiologia democrática da autarquia, permitindo que as
alternativas à atual gestão autárquica se identifiquem realmente, revelando a
profundidade ou vacuidade dos horizontes
que proponham e mostrando as suas diferenças.
5. Parecem-me apropriadas duas observações finais.
Como atrás se sublinhou, o município de Coimbra, como qualquer outro, move-se num
espaço bem delimitado de atribuições e competências legalmente definidas que não
pode transcender. Mas para além disso, o seu exercício tem também limites
orçamentais aprovados por órgãos com essa competência que não podem ser excedidos.
Desse modo, quaisquer projetos, quaisquer
planos têm que caber não só nas competências legais da autarquia mas também no
seu orçamento. E o orçamento depende das receitas objetivamente previsíveis e não
do arbítrio de quem quer que seja. Por isso, quaisquer projetos ou propostas
que ignorem esses limites são simples expressões de uma demagogia gratuita. Assim,
as críticas que assentem numa alegação de omissões para serem sérias têm que
demonstrar a possibilidade delas serem colmatadas sem romper os limites
orçamentais.
Uma outra observação tem a ver com o
funcionamento da máquina administrativa autárquica que em Coimbra atinge uma
dimensão e uma complexidade apreciáveis, as quais foram potenciadas pela expansão
das competências que tem que exercer. É certo que essa máquina tem uma existência
própria independente da direção política escolhida para a autarquia nas
respetivas eleições. Mas é indispensável que essa direção política coordene e oriente
politicamente toda a máquina administrativa materializando a escolha dos
eleitores. Essa tarefa é um aspeto decisivo da gestão autárquica e assegurá-lo
com proficiência é determinante para o bom funcionamento do município e assim
para a qualidade de vida dos munícipes,
Por isso, a credibilidade das críticas a
qualquer administração autárquica depende também da capacidade dos críticos
darem sinais inequívocos de que serão capazes de responder a essa importantíssima
vertente do quotidiano autárquico. Não lhes basta ostentar sonhos e horizontes
de ambição, têm que mostrar credenciais que induzam confiança na sua capacidade
de gerir competentemente no quotidiano o muito que já existe.
Tudo o que acabei de escrever projeta uma
imagem clara dos pressupostos de um ambiente político menos insalubre
consubstanciado num debate, certamente sem complacências, mas também sem
crispações que degradem a convivialidade democrática e um diálogo político que
induza sinergias e facilite alguns espaços de convergência. Dado o histórico
dos últimos anos não será fácil, mas não é impossível.
2 comentários:
Caro Rui: Coimbra tem dois problemas estruturais graves. O primeiro deles é o lentismo. E o lentismo traduz-se em duas vertentes: ser cidade de lentes, os que leem, e lenta nas mudanças. O segundo é ser uma cidade em que, NO GERAL, qualquer insignificância se julga uma personalidade.
Por isso estagnou, e perde comparada com Braga ou Aveiro, cidades de idêntica dimensão.
Eu concretizo: quais as indústrias que tem Coimbra?
a)A medicina que esfola os camponeses de Cantanhede a Oliveira do Hospital .
b) O arrendamento de quartos a estudantes.
Pode não parecer, mas isto que digo é um desabafo de AMOR por essa cidade.
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