sexta-feira, 5 de março de 2021

As próximas eleições autárquicas em Coimbra

 


As próximas eleições autárquicas em Coimbra

I - Crítica das críticas

 

1. Este é o primeiro de uma pequena série de textos através dos quais tenciono abordar a problemática autárquica no quadro das eleições de outubro próximo. O meu ponto de vista não é imparcial, uma vez que militando no PS apoio politicamente em termos gerais a atual gestão autárquica no município de Coimbra. Mas, pretendendo hoje fazer uma crítica das críticas, procurarei encará-las com objetividade, no quadro de um debate democrático frontal mas sem crispação. Não vou discuti-las em si próprias, apreciando o seu conteúdo. Vou tentar comentar a tipologia de algumas delas em termos genéricos, sem a pretensão de exaustividade.

Muitas vezes, as críticas foram metodológicas ou de estilo, suscitadas por episódios políticos ou por casos isolados, tentando-se através delas desgastar o prestígio da atual gestão municipal. Este tipo de críticas envolve um risco grande de descambar em ataques pessoais que suscitam uma crispação intensa entre os protagonistas e tornam mais difícil um diálogo profícuo, encorajando um clima de suspeições mútuas e de ressentimento.

Em si, não envolvem a promessa de qualquer programa alternativo ou de iniciativas novas. São ataques que procuram menorizar os visados, mas não nos dizem nada quanto ao que há a esperar de uma gestão autárquica dos críticos. Podem dar sinais quanto à sua ferocidade, mas não quanto ao seu programa e à sua competência. Podem mostrar uma demarcação genérica intensa, mas não revelam o que fariam de diferente se estivessem na mesma posição.

 

2. Outro tipo de críticas centra-se em insuficiências estruturais do concelho e na subsistência de lesões no tecido social inerente às desigualdades sociais. Há duas verificações prévias a fazer. A primeira, para apurar se essas lesões são insuficiências específicas do nosso município ou ressonância inevitável do tipo de sociedade em que vivemos, inigualitária e desumana, dominada por uma lógica de proeminência do capital em face das pessoas. No primeiro caso, estamos sob a alçada da política autárquica; no segundo não. No primeiro caso, é legítimo, positivo e necessário discutir caminhos para a sua superação no quadro da dinâmica autárquica; no segundo transcende-se o plano autárquico, o que induz a necessidade de se agir no quadro de instâncias nacionais ou europeias.

Quanto às insuficiências estruturais, há que apurar se cabem no poder auto regenerador da autarquia ou  se implicam deliberações da competência de entidades nacionais ou europeias. No primeiro caso, estamos perante um problema político autárquico, no outro não.

Imputar responsabilidades e discutir políticas que caibam na área das atribuições e competências legais das autarquias é um exercício natural da democracia. Criticar o poder autárquico por desvios e omissões inerentes a espaços políticos onde a competência é de outras entidades não faz sentido, podendo confundir-se com pura demagogia. Desenhar programas políticos para um município envolvendo medidas cuja competência cabe a outras entidades (nomeadamente, nacionais) é propaganda mistificatória e desonesta.

A distinção entre aquilo que cabe nas atribuições do município e aquilo que as transcende é tanto mais importante quanto estamos numa fase em que está em mutação profunda o leque de competências atribuídas aos municípios, o que é especialmente relevante em espaços municipais relativamente amplos e complexos como é o caso de Coimbra.

 

3. Uma das atitudes críticas mais frequentes radica-se na comparação de Coimbra com outras cidades, especialmente cidades de outros países, no plano das políticas autárquicas. Fazem-se por vezes comparações gerais, outras vezes propõe-se a aplicação aqui de políticas praticadas noutros lados. Se a comparação for além de uma mera alegação genérica, reprodutora de um simples impressionismo fruto de um senso comum turístico, estamos perante um exercício útil potencialmente fecundo.

São recomendáveis algumas precauções contextualizadoras. Em primeiro lugar, há que comparar o nível de desenvolvimento do nosso país com o dos países das cidades que se comparam com Coimbra. Depois, a qualidade do tecido económico-social das regiões circundantes. Por fim, o peso demográfico de cada um dos termos da comparação.

Tudo isso tem que ser ponderado para a plena fecundidade das comparações. Todas as cidades envolvidas têm uma história, percorreram uma trajetória geradora de uma identidade, o que impõe uma abordagem diacrónica. Não parece útil por isso procurarmos inserir na trajetória de Coimbra como prótese circunstancial uma ideia, uma medida, um projeto que tenham sido extraídos do seu lugar de origem, sem uma contextualização que aí os situe. Pelo contrário, o que se impõe é aproveitar as comparações como energia nova no percurso de Coimbra, intensificando-lhe o ritmo, ajustando-lhe a trajetória, melhorando o modo como caminhamos.

É desta cidade concreta, numa fase precisa da sua vida, da sua trajetória, que estamos a falar. Não se trata de trazer do nada uma cidade ideal, de implantar um sonho de cidade, por mais belo que ele seja, trata-se de interferir num devir específico, inscrevendo-nos numa trajetória de cidade que tem séculos. Não faz sentido esculpir com a nossa imaginação uma cidade nova virtual que esqueça a cidade que existe, que não esteja enraizada numa ambição irrestrita pela qualidade de vida dos munícipes concretos  que lhe dão vida. Os sonhos de imaginação do futuro são preciosos para darem viço à Coimbra que existe, rasgando novos horizontes no seu caminho, ajudando a suprir as suas incompletudes e a superar as suas mazelas. Mas dificilmente se pode conseguir isso, se não se tiver presente o que já se atingiu, os contornos do prestígio nacional e internacional já conseguido. Só será possível  atenuarmos os nossos defeitos e romper as nossas limitações, se transmitirmos energia às nossas qualidades, enriquecendo as nossas virtudes. Para isso não as podemos ignorar e muito menos enxovalhá-las, submergindo-as no paroxismo insalubre da propaganda política presa ao imediatismo estéril da sofreguidão de poder.

 

4. Todas as autarquias são realidades sociopolíticas dinâmicas inseridas num contexto nacional em permanente evolução num espaço europeu que ajuda a projetá-lo no mundo. Mas algumas delas em certos períodos atravessam fases onde convergem várias dinâmicas.

 Parece-me ser esse o caso de Coimbra. Para além da sua própria trajetória como município que envolve uma cidade histórica com energia futurante, incorpora uma universidade centenária com forte índice de internacionalização, apreciável relevância nos países da lusofonia animada pela ambição de inovar. Além disso, cabe-lhe objetivamente um papel irrenunciável numa dinâmica nacional de resistência a uma deriva de bipolaridade no desenvolvimento nacional que pode convertê-lo num destino aleijado em que duas grandes áreas metropolitanas desertificam indiretamente o resto do país e se autocongestionam insalubremente numa urbanização de pesadelo. Não deixa também de dispor de um especial protagonismo no campo da saúde o que na presente conjuntura terá necessariamente um apreciável relevo no caminho a percorrer.

Naturalmente que a relação sinérgica com a Universidade de Coimbra deve ser conjugada com a adequada valorização de outras instituições de ensino superior aqui radicadas, estimulando a instituição de um espaço diversificado de afirmação científica e tecnológica que possa cumprir uma tarefa decisiva na qualificação dos portugueses.

São estes alguns dos trilhos a percorrer por Coimbra para enriquecer como um todo a sua história projetando-a no futuro, para ser cada vez mais fiel ao melhor de si própria ao progredir numa cada vez mais intensa respiração do futuro e do mundo. E assim afirma uma irredutível identidade própria como um recurso de Portugal. Estes caminhos podem questionar-se na procura de alternativas mais fecundas, mas não podem anular-se substituindo-se por nada. Esses trilhos que não devem ser encarados como caminhos fechados num perfil antecipado ao detalhe, mas como grandes linhas de orientação; nítidas, mas a necessitarem de uma criatividade continuada que as vá materializando.

O debate em torno das grandes linhas de orientação e do modo como são materializadas é dos mais úteis e assumi-lo como tal qualifica muito a fisiologia democrática da autarquia, permitindo que as alternativas à atual gestão autárquica se identifiquem realmente, revelando a profundidade ou  vacuidade dos horizontes que proponham e mostrando as suas diferenças.

 

5. Parecem-me apropriadas duas observações finais. Como atrás se sublinhou, o município de Coimbra, como qualquer outro, move-se num espaço bem delimitado de atribuições e competências legalmente definidas que não pode transcender. Mas para além disso, o seu exercício tem também limites orçamentais aprovados por órgãos com essa competência que não podem ser excedidos.

Desse modo, quaisquer projetos, quaisquer planos têm que caber não só nas competências legais da autarquia mas também no seu orçamento. E o orçamento depende das receitas objetivamente previsíveis e não do arbítrio de quem quer que seja. Por isso, quaisquer projetos ou propostas que ignorem esses limites são simples expressões de uma demagogia gratuita. Assim, as críticas que assentem numa alegação de omissões para serem sérias têm que demonstrar a possibilidade delas serem colmatadas sem romper os limites orçamentais.

Uma outra observação tem a ver com o funcionamento da máquina administrativa autárquica que em Coimbra atinge uma dimensão e uma complexidade apreciáveis, as quais foram potenciadas pela expansão das competências que tem que exercer. É certo que essa máquina tem uma existência própria independente da direção política escolhida para a autarquia nas respetivas eleições. Mas é indispensável que essa direção política coordene e oriente politicamente toda a máquina administrativa materializando a escolha dos eleitores. Essa tarefa é um aspeto decisivo da gestão autárquica e assegurá-lo com proficiência é determinante para o bom funcionamento do município e assim para a qualidade de vida dos munícipes,

Por isso, a credibilidade das críticas a qualquer administração autárquica depende também da capacidade dos críticos darem sinais inequívocos de que serão capazes de responder a essa importantíssima vertente do quotidiano autárquico. Não lhes basta ostentar sonhos e horizontes de ambição, têm que mostrar credenciais que induzam confiança na sua capacidade de gerir competentemente no quotidiano o muito que já existe.

Tudo o que acabei de escrever projeta uma imagem clara dos pressupostos de um ambiente político menos insalubre consubstanciado num debate, certamente sem complacências, mas também sem crispações que degradem a convivialidade democrática e um diálogo político que induza sinergias e facilite alguns espaços de convergência. Dado o histórico dos últimos anos não será fácil, mas não é impossível.

 

 

 

2 comentários:

Henrique Dória disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Henrique Dória disse...

Caro Rui: Coimbra tem dois problemas estruturais graves. O primeiro deles é o lentismo. E o lentismo traduz-se em duas vertentes: ser cidade de lentes, os que leem, e lenta nas mudanças. O segundo é ser uma cidade em que, NO GERAL, qualquer insignificância se julga uma personalidade.
Por isso estagnou, e perde comparada com Braga ou Aveiro, cidades de idêntica dimensão.
Eu concretizo: quais as indústrias que tem Coimbra?
a)A medicina que esfola os camponeses de Cantanhede a Oliveira do Hospital .
b) O arrendamento de quartos a estudantes.
Pode não parecer, mas isto que digo é um desabafo de AMOR por essa cidade.