domingo, 23 de setembro de 2012

SONDAGENS E POLÍTICA


É inútil dissertar sobre as sondagens para, ao sabor do agrado ou desagrado que nos causem, as exaltarmos ou menorizarmos. Elas representam uma imagem  das preferências dos eleitores numa dada conjuntura, embora não garantam que no futuro essas escolhas se mantenham. Mas menosprezá-las é desperdiçar um precioso indicativo do estado em que se encontra a opinião pública no plano político, num dado momento.

Se compararmos séries de sondagens, podemos ficar com uma ideia ainda  mais consistente da provável evolução da relação de forças entre os vários partidos. Foi recentemente divulgada uma da responsabilidade do centro de sondagens da Universidade Católica que revelou, em comparação com uma outra anterior, um afundamento do PSD e uma subida relevante do PCP e do BE, bem como uma leve subida do CDS e uma ligeira descida do PS. Os partidos do governo reúnem agora 31 % das intenções de voto; e o conjunto de todas as oposições 55%. O trabalho de campo que suporta estes números foi feito depois das manifestações do passado dia 15, o que dá a estes resultados uma particular relevância. Sem ignorar o seu significado próprio, talvez valha a pena comparar os resultados das últimas três sondagens, levadas a cabo pela Universidade Católica


Um ano decorreu entre entre a primeira e a última. Verifica-se  que o PSD perdeu 19%, mas que o PS, ao ter oscilado negativamente dois pontos, não conseguiu mais do que estagnar. Quanto ao CDS, ao ter subido um ponto, mesmo estando no governo, por comparação com o PSD pode dizer-se que evitou a usura de um governo impopular. O PCP progrediu 6% e o BE 5%, vendo-se assim que foram eles quem capitalizou parcelarmente a quebra do apoio ao Governo.


De facto, se compararmos os 49% de intenções de voto, que conseguiam os dois partidos do governo há um ano, com os 31 %, que conseguem agora, podemos ver o enorme grau de retracção desse apoio, aliás concentrada  no partido dominante. Simetricamente, vê-se que o apoio concitado pela soma do PCP com o BE há um ano, 13%, quase duplicou, ao passar para  24%. Acrescentando-lhe os 31% do PS, ficamos com intenções de voto nos partidos de oposição, 24% acima das que se mantêm fieis aos partidos do governo. Eis uma diferença, cujo significado político não pode ser ignorado, tanto mais que ele será muito provavelmente sublinhado pela situação social.

Esta evolução deve ser lida  em conjugação com a crise interna que explodiu no governo e com o clamor popular que teve uma ilustração expressiva nas grandes manifestações do passado dia 15. Expressividade tão marcante, que provocou  uma patética manifestação de hipocrisia de vários apoiantes do governo, cujo desplante lhes permitiu sublinharam a presença de apoiantes do governo numa  manifestação que, predominantemente, foi de resistência  e  protesto contra os seus desmandos.

As manobras institucionais, entretanto ensaiadas, não passaram de tímidas tentativas de ganhar tempo, talvez na esperança de que, por si só, ele desatasse o nó que o governo deu. É claro, que a presença reiterada de pequenas, médias e grandes manifestações, pedindo a demissão do governo, a expressa posição tomada nesse sentido pelo PCP e pelo BE, o salto qualitativo do PS na demarcação do governo, o rosnar matreiro do CDS para tentar limpar-se, a dessolidarização expressa de alguns barões do PSD, o desconforto das associações patronais, o subir de tom da CGTP na sua luta, a passagem da  UGT para uma demarcação mais robusta da via seguida, somando-se, potenciam efeitos e contribuem para colocar o governo numa letargia desnorteada, que tende a reduzi-lo a um fantasma de si próprio. Tonou-se de facto um verdadeiro achado encontrar, fora do clube dos membros do governo e dos deputados do PSD e do CDS, alguém que assuma politicamente solidariedade com o governo. E mesmo dentro deste, sabemos como foi difícil o não estilhaçamento.

Mas se o governo da direita é agora um passeante furtivo dos corredores do poder, ansioso por que se esqueçam de que ainda existe, as oposições,  instaladas na sua suculenta supremacia quanto a intenções de voto, não têm conseguido mais do que deixar na sombra a incómoda verdade de não serem, mesmo agora, capazes de abrir um caminho que possa ser percorrido por todo o povo de esquerda com naturalidade e esperança, sem hostilidades nem constrangimentos mútuos.Um caminho institucional que permita o exercício democrático do poder com uma base social sólida.

 Pelo contrário, prosseguem com os seus proselitismos próprios, com agendas autónomas. E quase sempre fazem economia da questão das relações políticas entre si; mesmo que, uma ou outra vez, façam propostas de convergência das esquerdas. Mas fazem-nas  de tal forma pré-condicionadas a mudanças nos outros potenciais parceiros que verdadeiramente parecem estar apenas a executar manobras de propaganda, tendentes a dourar o seu próprio brasão com  o lustro da unidade, ao mesmo tampo que  embaciam os alheios com o ónus da divisão.

Paralelamente, os cidadãos de esquerda, não organizados em partidos, agitam-se também. Os melhores querem realmente uma esquerda que possa unir-se num sistema de protagonismos conjugados. Alguns procuram mesmo entremear-se com militantes de partidos, para uma antecipação de dinâmicas interpartidárias fecundas. Estes são talvez os mais generosos ao  aventurarem-se , sem reserva mental, a jogar num tabuleiro complexo e ingrato. Mas no estado actual das relações interpartidárias, será mais fácil encontrar militantes partidários que vejam nas realizações conjuntas oportunidades de pesca à linha, do que encontrarem-se cidadãos realmente abertos a contribuir para novas sínteses em que cada parte, sem dever renunciar à sua própria identidade política, não parta da premissa implícita de que é imperativo que as outras partes renunciem  à sua  identidade.

 É claro que há também os místicos, ungidos de uma ilusão de auto-angelismo assente no facto de não serem militantes partidários; e, é claro, há também os "verdadeiros artistas" que se olham ao espelho com o optimismo imprudente de quem se acha em condições de procurar, sorrateiramente, em iniciativas politicamente abrangentes, o trampolim para mais ambiciosos alpinismos políticos. Ninguém é dispensável, nem mesmo os místicos e os artistas de pequena, média e grande dimensão, mas a bem de uma real obtenção de resultados, seria excelente uma pausa em todas as habilidades, renunciando cada partido e cada indivíduo à conversão dos infiéis, para se concentrar na conjugação de diferenças que provavelmente permanecerão.

Não esqueçamos que, aconteça o que acontecer, é improvável que com o centro fora dos partidos de esquerda se estruture uma alternativa, realmente aberta a um futuro. E mais do que isso, se o que é agora uma sombra episódica em algumas das manifestações ocorridas, ou seja, a rejeição de todos os partidos políticos pelo facto de o serem, evoluir para uma vendaval insalubre que marque novas conjunturas, corremos o risco de ficar à porta de um tempo vocacionado para acolher um qualquer fascismo. E, sem exagerar este risco mas sem o menosprezar, o mais certo é que ele só possa ser realmente apagado, se for conseguida uma saída de esquerda para a crise actual, um salto qualitativo no modo de ser da sociedade, que nos coloque numa rota de saída organizada do capitalismo, gradual , democrática e continuadamente.

Um consenso mínimo mas inequívoco quanto à necessidade de um caminho deste tipo é o ponto de partida indispensável para qualquer actuação conjunta, para a partilha de qualquer rota. Embora seja urgente chegar-se a esse consenso, não há dúvida que será difícil. O BE e o PCP têm que assumir que a tomada do poder pela força e o seu exercício  posterior à margem da democracia desapareçam das suas agendas explícitas ou implícitas. O PS tem que se assumir como um partido reformista de transformação social rumo a um horizonte pós-capitalista, o qual para si há-de ser naturalmente socialista, rompendo com qualquer cumplicidade com as estratégias de regressão social e democrática que a ideologia neoliberal travestiu de "reformas estruturais". 

Na verdade, se as rotinas de desunidade da esquerda se mantiverem intactas, não se vê que alternativa institucional poderá ser gerada numa perspectiva de superação da crise actual. Pensarão o BE e o PCP que podem apostar num crescimento que os leve a duplicar a força eleitoral que lhes atribui a última das sondagens referidas? Pensará o PS que pode romper com a estagnação, em que está mergulhado há uma ano no, para a converter em tempo útil numa inesperada expansão que o leve sozinho a uma maioria absoluta? Se assim acontecesse, em ambos os casos isso significaria que teria vencido o irrealismo.

Não é esta a ocasião para discutir esta questão em detalhe, mas, pelo menos no caso do PS, parece poder ter-se como adquirido que ele necessita urgentemente de inovação estratégica, já que nenhuma simples sucessão de alterações  tácticas parece suficiente para o fazer dar o salto de que necessita. Talvez, por isso, o PS mais do que qualquer outro partido precisa de uma transformação profunda, ou seja, aquilo que alguns designam por metamorfose. Permanecer  instalado no exercício  burocrático da sua rotina politico-administrativa é uma passividade que lhe pode sair cara, levando-o a um risco crescente de irrelevância.    

sábado, 15 de setembro de 2012

DO PESADELO À METAMORFOSE


Tornou-se evidente: o governo de direita que está no poder em Portugal é um fanático do seu próprio caminho. Talvez tenha um número excessivo de idiotas políticos, mas o que é realmente alarmante é guiar-se por um mapa errado. Um mapa errado que, todavia, para essa direita é a materialização absoluta da verdade. O perigo é por isso imenso. Os precipícios que não estão no mapa, para essa gente, não existem. Mas esse é precisamente o erro do mapa: mostra abismos que não existem e esquece outros, bem reais

Não foi um infeliz acaso que produziu esse insólito roteiro desfasado da realidade. Foi a pulsão de sobrevivência do capitalismo que naturalmente segregou a ilusão da impossibilidade de não ser eterno. Pulsão traduzida em ideias falsas, em dados distorcidos, em preconceitos estéreis, em omissões calculadas, em exacerbamentos dirigidos e inócuos. Tudo isso, muitas vezes, embrulhado em equações fatais, numa feitiçaria numerológica que se mascara de verdade suprema, e em face da qual aos mortais nada mais parece restar do que ajoelhar perante ela e seguir como rebanho triste os seus ditames.

Criou-se assim uma enorme máquina de exploração e de opressão da grande maioria dos seres humanos, uma fábrica de produzir mais e mais desigualdade. Fechou-se nela o mundo e teceu-se a ilusão de que essa máquina artificial era, em primeiro lugar, eterna e, em segundo lugar, a expressão acabada da própria realidade social. Fora dela, só existiriam a ilusão e o caos. Ironia suprema, já que é essa ficção de realidade que representa o que há de mais próximo de uma ilusão e do caos, embora isso se traduza em rios de leite e de mel para um punhado de exploradores e em exclusão social, pobreza, perda de futuro, medo e angústia, para uma larga maioria da humanidade.

Portugal é hoje uma ilustração particularmente nítida desta realidade universal. Não é simples sair deste colete-de-forças. A máquina de exploração que nos oprime conseguiu uma simbiose demasiado complexa com as nossas vidas, para que seja possível destruir a máquina de um dia para o outro num brusco gesto de desespero colectivo, sem pormos também em risco a nossa própria sobrevivência enquanto seres humanos.

Mas se deixarmos que a máquina do capitalismo continue a apertar o garrote que nos impede de respirar, a prazo, correremos o risco de perecer numa aflição colectiva, ainda mais funda do que aquela que hoje nos atrofia. Toda a navegação que leve a bandeira da esperança tem que aprender a passar permanentemente entre estes dois escolhos. Não podemos destruir o capitalismo num golpe súbito, porque se o conseguíssemos, o que não é certo, destruíamos também a sociedade humana, ou regrediríamos séculos na história. Mas também não podemos limitarmo-nos a inventar pequenos remédios e pequenos percursos, subordinados à lógica de eternização do capitalismo. Não podemos procurar apenas serrar os dentes do capitalismo, na esperança de que ele nos morda mais suavemente. Se assim for,  acabaremos por ser ciclicamente arrastados para novos pesadelos colectivos, cada vez menos suportáveis.

Se quisermos usar uma metáfora, para nos ajudar a compreender o que está em causa nas sociedades capitalistas de hoje, podemos recorrer a uma analogia com a metamorfose por que passam certas espécies animais. A lagarta tem como seu horizonte a borboleta. Para lá chegar tem que ser antes uma crisálida. Se a lagarta teimar em continuar lagarta, acabará por apodrecer e morrer. Se na constância da lagarta, se pretender saltar bruscamente para a borboleta, sem a complexa fase de ser crisálida, a lagarta acabará por morrer também.

Por isso, o reformismo concebido como processo de transformação efectiva das sociedades actuais é uma via possível e fecunda, se nele tiver inscrita a mutação qualitativa implícita na metamorfose. Isto é, se for um reformismo substancialmente revolucionário, na medida em que seja  um reformismo realmente transformador, globalmente transformador. O que, é bom que se diga, nada tem a ver com os embustes intelectuais que se traduzem na aposição da palavra reformismo a medidas avulsas e anódinas; e muito menos com a contra-reforma neoliberal que , mistificatoriamente chama reformas estruturais a regressões sociais  e políticas que materializam o retrocesso civilizacional protagonizado pelo neoliberalismo, cujos frutos se tornam agora dramaticamente ostensivos.

Olharmos o caminho da esquerda como a materialização de uma metamorfose necessária pode ajudar-nos muito a caminhar com segurança e acerto, bem como a distinguir as medidas por que temos que nos bater e aquelas que é imprescindível que evitemos. Esse caminho de saída do capitalismo, necessariamente prolongado, não poderá , como é óbvio, estagnar ou arrastar-se excessivamente no tempo, sob pena de implodir. Terá que ser pilotado institucionalmente, mas decidir-se-á na transformação por que há-de passar o tecido social. A simbiose destes dois planos será uma das condições do seu êxito. Mas o seu inêxito, que não é impossível, tornará improvável a sobrevivência da humanidade num registo que não seja de pesadelo.

Os ribeiros correm já, com a ambição de serem rios. E o mar é o seu destino, crisálida que é necessário que consigamos ser colectivamente. A orquestra de todas as lutas não precisa de um maestro, nem mesmo de uma oligarquia de maestros. Precisa sim que os seus membros aprendam a solidariedade, a complementaridade, a subtil conjugação das diferenças, a fraternidade das várias lutas, a emergência rápida de um tempo sem fome, sem guerra, sem miséria, rumo a um futuro que é necessário que  pertença a todos.

Neste contexto, todas as lutas são úteis, todas as lutas são legítimas, se apontarem para a urgência de uma metamorfoses que nos leve a superar o capitalismo que nos garroteia, rumo a um futuro humano.Do mesmo modo, é cada dia mais gravosa a actual insuficiência estratégica de todas as esquerdas organizadas, porque ela impede que encontremos o caminho que nos espera, porque reduz uma política, que devia projectar-se no futuro como esperança, numa mastigação triste de escolhas operacionais que se repetem e de manobras tácticas mais ou menos previsíveis. E assim  se deixa em paz o essencial do capitalismo, embora sob uma vozearia aparentemente contundente. De facto, se é certo que  a indignação dos explorados é estruturalmente justa, legítima e necessária, se não lhe for dada a oportunidade para ser seiva de um processo político global e transformador, pode esvair-se no desespero ou no desânimo.


quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Prosa em redor de um poema perdido




O vento sopra rijamente como se quisesse arrancar-nos.
Só os sonhos parecem reais, ligando-nos ao futuro.
Essa palavra quotidiana e solene que parece escapar-nos,
Embora seja a nossa mais íntima raiz.


Os pesados rinocerontes de uma razão perdida
Sonham com a nossa melancolia,
Com este violino de amargura atravessado na garganta,
Com este soluço de medo que nos quer prisioneiros.


Dirigem-se para oriente como se soubessem para onde vão,
Mas de fato dão já os passos dispersos que anunciam naufrágios.


Uma noite de veludo deposita-se profundamente nas nossas mãos,
Como se fosse adormecê-las para sempre.
Por isso o nosso voo parece interrompido,
Como se as asas do tempo lhe faltassem.


Alguém tapa apressadamente o horizonte com um muro de cinza,
Para nos dar a ilusão de que o perdemos.
Esqueletos sombrios entram em nossas casas,
Anunciando rigorosamente a desgraça.


O sol põe-se como se apodrecesse
E cada manhã nasce cansada.


Deveremos apenas abrir alas, enquanto o rinoceronte passa sobre nós?
Deveremos deixar as asas nas prateleiras do medo, tolhidas e quietas?
Deveremos consentir no Outono das revoltas, respirando amargura?
Deveremos fugir no barco das palavras que renunciam ao poema?


Este é um tempo de todas as perguntas,
Para que as flores do sonho e da cólera possam responder.

[ Rui  Namorado]

sábado, 1 de setembro de 2012

A HORA DAS COOPERATIVAS ?


No sítio do diário espanhol   El Pais, datado de 31 de agosto, encontrei o texto que a seguir transcrevo. Intitulado "Cuando asociarse es una solución", comenta diversas experiências cooperativas ocorridas em Espanha, pondo em destaque as virtualidades acrescidas deste tipo de iniciativas no período de crise que atravessamos. Assinam o texto  María R. Sahuquillo e Raquel Vidales .  Em pleno Ano Internacional das Cooperativas, vale a pena recordar o relevo deste tipo de empresas que o 25 de abril tanto impulsionou em Portugal. Hoje, como parte importante da economia social as cooperativas continuam a projectar-se no futuro como esperança e a ajudar a resolver no presente problemas de muitas pessoas . Eis o texto:


"El complejo deportivo municipal Manuel Santos García, en la localidad sevillana de Gerena, es un hervidero de actividades. Cursos de natación y gimnasia acuática en la piscina climatizada, baloncesto, futbito, pilates, aeróbic, bailes de salón, salsa, merengue, patinaje. No por iniciativa del Ayuntamiento, ahogado por la crisis como la mayoría en estos tiempos, sino por el tesón de cuatro vecinos que se han empeñado en dar la máxima utilidad a un recinto construido a lo grande con fondos del Plan E, e inaugurado a bombo y platillo en 2008, pero infrautilizado hasta hace año y medio por falta de presupuesto. Si la Administración no puede sacarle partido, pensaron estos ciudadanos, hagámoslo nosotros. Y se pusieron a ello. Montaron una cooperativa, Aquasport, se presentaron al concurso abierto para adjudicar la gestión y, tras ganarlo, en enero de 2011 iniciaron su proyecto: convertir las instalaciones en un espacio dinámico abierto a cualquier propuesta que dé servicio al pueblo. Hoy, hasta fiestas y cumpleaños se celebran allí.
La historia del polideportivo de Gerena es un ejemplo de cómo el cooperativismo está cubriendo algunas de las funciones sociales que el Estado de bienestar está dejando de asumir por la crisis. Pero cada vez hay más casos: atención sanitaria, cuidado de dependientes y discapacitados, servicios financieros, enseñanza, energías renovables, actividades culturales, agricultura… En España hay 22.171 cooperativas, según datos de la Confederación Empresarial Española de la Economía Social (CEPES). Más de la mitad de ellas están orientadas hacia los servicios; negocios que van sobreviviendo a pesar de que las cifras totales se han desinflado al ritmo que el pinchazo inmobiliario se llevaba por delante muchas de las dedicadas a la vivienda y la construcción. “Las cooperativas que nacen ahora son de trabajo asociado, de consumidores y usuarios, de educación...”, explica Francisco Martín, técnico en economía social. De enero a marzo de este año se crearon 223 empresas de este tipo, según el Ministerio de Empleo.
Las cooperativas llevan más de un siglo participando en distintos sectores de la economía en todo el mundo. Ahora, en una época particularmente complicada, muchas de ellas ofrecen salidas innovadoras a los retos que se derivan de la crisis. “Son respuestas que parten de la cooperación entre la gente, de no esperar a que las Administraciones públicas resuelvan los problemas, sino de que los ciudadanos busquen la solución por sus propios medios”, analiza Íñigo Bandrés, de la Red de Economía Social y Alternativa (REAS). “Igual que tras la Guerra Civil muchos pueblos a los que no llegaba la luz o el agua corriente montaron cooperativas para autoabastecerse, el modelo puede servir ahora para hacer frente a los recortes de los Gobiernos en muchos ámbitos sociales”, afirma Ana Isabel Ceballo, presidenta de la Unión de Cooperativas de Consumidores y Usuarios de España (UNCCUE).
El complejo Servimayor no nació sobre el lecho de los recortes, pero sí surgió para cubrir una necesidad que la Administración no cubría: la de un pueblo de 3.200 habitantes, Losar de la Vera (Cáceres), que quería tener una residencia de mayores. Fue entonces cuando Santiago Cañadas —que entonces tenía 74 años— y otro vecino tuvieron la idea de juntarse en una cooperativa para construir el centro. Además, a su gusto. “Queríamos tener un buen sitio al que ir cuando no pudiéramos valernos. Las residencias privadas no nos gustan. Allí pesa más el dinero que las personas, así que pensamos en otro modelo”, explica Cañadas. Un lugar para no depender ni de la Administración ni de los hijos, y al que, tras la inversión, pudieran acceder a precio de coste.
Servimayor —que tiene su huerto, fisioterapeuta varias veces por semana o peluquería— abrió sus puertas en 2010 con 124 plazas. Tiene 150 socios. De ellos, 90 no son jubilados. Personas que, como Francisco Martín, de 57 años y socio número tres, pueden ceder la plaza a sus padres o decidir que se saque al mercado.
En Torremocha del Jarama (Madrid) faltan solo unos meses para que Antonio Zugasti, de 79 años, y el resto de socios de la cooperativa Trabensol —todos pensionistas— se muden a su nuevo hogar: un centro de convivencia para mayores conformado por 54 apartamentos adaptados. Solo les falta poner los remates, la fontanería y la carpintería del complejo que este grupo de amigos y vecinos de dos barrios de Madrid llevaban tanto tiempo ideando. Un centro basado en la sostenibilidad, la actividad y la solidaridad. “La cooperación es mucho mejor para resolver los problemas que la competencia”, apunta Zugasti, técnico de mantenimiento aeronáutico jubilado.
Los socios de Trabensol afirman que su idea no era sustituir los servicios que debe proveer el Estado de bienestar. “Debe seguir proporcionándolos, pero estos servicios están muy burocratizados. La nuestra es una forma de tomar las riendas y atender de manera directa nuestras necesidades”, dice Zugasti. Cree que su idea podría servir —eso sí, con más apoyo institucional— como ejemplo para cubrir otras necesidades desatendidas, con más participación ciudadana.
Félix Martín, secretario general de la Confederación Española de Cooperativas de Consumidores y Usuarios (Hispacoop), afirma que las cooperativas, además de estar llenando huecos derivados del adelgazamiento del Estado de bienestar, pueden ser una buena fórmula de emprender un negocio en época de crisis. “Es una manera más natural de hacerlo, más apoyada, porque hay socios. Y por tanto con menos riesgo”, asegura. 
Las cooperativas gozan de algunos beneficios fiscales —como algunas otras entidades—, pero deben reinvertir parte de sus beneficios en un fondo destinado a la formación y educación de sus socios, y en actividades sociales dirigidas al fomento del cooperativismo. Sin embargo, la fórmula no cuenta, según los expertos, con los apoyos públicos necesarios. “No hay ayudas, ni políticas de promoción de la economía social ni de las cooperativas”, dice Bandrés, que explica que, además, muchas cooperativas dedicadas a la gestión de servicios públicos están viendo cómo gran parte de los fondos de los que se nutrían están cayendo aún más. 
Pero a pesar de esto, esas y otras cooperativas resisten los embates de la crisis. Los soportan, según los datos, mejor que otro tipo de negocios, a base de ajustarse el cinturón. “Rebajan sus condiciones laborales para mantener el empleo”, apunta el experto de REAS. O incluso tratar de aumentarlo. “Nosotros no tenemos que obtener beneficios ni rendir cuentas a ningún empresario capitalista. Nuestra única ambición es cobrar nuestro sueldo, 1.200 euros al mes, y dar un buen servicio a la comunidad”, explica Francisco José Marín, el socio presidente de Aquasport. Por eso, en el polideportivo de Gerena pueden ofrecer muchas más actividades que la empresa concesionaria entre 2008 y 2011, que se dedicó a vender abonos y mantener el recinto en condiciones. Así, aguantan mejor los vaivenes de la economía: su objetivo no es crecer, sino ser sostenibles.
Joan Segarra, director del área de sociedades de iniciativa social de la Federación de Cooperativas de Trabajo de Cataluña, subraya otro motivo por el que este tipo de empresas está creciendo en plena crisis: el imparable aumento del paro y el autoempleo como salida. “Últimamente se nos llenan todas las sesiones que organizamos para ofrecer asesoramiento a nuevos emprendedores. Muchos asistentes acaban de perder su trabajo y deciden capitalizar el paro para montar una cooperativa”, señala. ¿Y por qué una cooperativa y no una sociedad limitada? “En muchos casos, por razones ideológicas. Esta es una fórmula en la que prima el trabajo de las personas, no el capital. Es una de las principales expresiones de lo que se denomina economía social, que rechaza esos paradigmas del capitalismo que han provocado la crisis”, responde Segarra. 
Según la Confederación Española de Cooperativas de Trabajo Asociado (Coceta), de 2009 a 2011 se constituyeron 3.083 nuevas sociedades de este tipo y se crearon 28.558 nuevos puestos de trabajo en este ámbito. Un crecimiento que corrobora el informe de la Organización Internacional del Trabajo, que afirma que estas empresas son más resistentes a la crisis. Simel Esim, directora del área de cooperativismo de esta institución, pone el ejemplo de las entidades financieras: “Los bancos cooperativos han mejorado su rentabilidad en la crisis porque son menos propensos al riesgo y están menos orientados a obtener beneficios. Tienden a no congelar los créditos, tratan de mantener una cierta estabilidad en los tipos de interés y, en general, sus préstamos son más sostenibles”. 
Las cooperativas de consumo también han experimentado un auge importante en los últimos años. “No tanto, o no solo, por la crisis como por el deseo de muchos ciudadanos de acceder a productos que no encuentran fácilmente en el mercado o resultan demasiado caros si se adquieren de manera individual”, explica el secretario general de Hispacoop. Un ejemplo de reciente creación es Som Energia, que nació en 2010 en Girona con 150 socios que querían comprar energía de origen 100% renovable sin sobrecoste respecto a la convencional. Hoy soy ya 3.267 socios y el grupo ha iniciado, aparte de su labor comercializadora, sus primeros proyectos de producción propia. 
En Almocafre ya son veteranos. Esta cooperativa cordobesa de consumo ecológico ha cumplido 15 años. Se dedica a la distribución de agricultura ecológica y, además de vender a sus 150 socios lo adquirido directamente a los productores, lo comercializan también a particulares. “Es una forma de hacer ecología en la cesta de la compra, pero también de apoyar la autonomía productiva y familiar ligada a la tierra y a los métodos artesanales”, explica uno de los socios, Miguel Navazo. 
También hay cooperativas mixtas. De trabajo y de consumo. Como Frescoop, ubicada en Manresa (Barcelona). Nació hace menos de un año para unir a los agricultores de la comarca de El Bages y buscar consumidores interesados en adquirir productos frescos a buen precio, “sin intermediarios que encarezcan el importe final y sin tener que desplazarse hasta los mercados locales”, explica Alba Rojas, representante de la sociedad. Las compras se hacen por una plataforma online y se ofrecen distintos puntos donde los clientes pueden recoger sus pedidos. Ya cuenta con 120 socios de consumo y otros 50 en la parte de los productores. 
En los últimos tiempos han surgido otras muchas empresas que plantean argumentos similares a los de Almocafre o Frescoop. Su modelo se está consolidando, como ocurrió hace años en el norte de Europa, donde la cuota de distribución de alimentos que provienen de este tipo de negocios tiene una amplia cuota de mercado. Ahora, en países como Finlandia o Noruega empiezan a despuntar otro tipo de propuestas más orientadas a los campos asistenciales o educativos. Como guarderías o escuelas. Cooperativas que, según Martín, están en mantillas en España, pero que acabarán cuajando."