sábado, 28 de março de 2009

O anão crescido


Era uma vez uma anão político. Verborreico e trauliteiro. Do alto da sua insuspeitada argúcia, cometeu uma ideia: encheu o peito de ar e, num rasgo acaciano, destilou a ideia de uma Quarta República. Altaneiro e possuído já pela glória de uma imaginária grandeza, dispensou-se de explicar como poderíamos chegar a esse novo paraíso , tendo em conta as condições políticas presentes. Golpe de Estado ? Bruxaria política ? Mistério.

Perante o risco desse vazio, dos baixios da sua truculência, arrancou a implícita a ideia de que seria a sua própria pessoa, perene de uma inspiração suculenta, quem outorgaria aos portugueses, a estes simples mortais que ocupam a terra de tão amplo anão, a suprema dádiva de uma República nova. Poderia ter dito Estado Novo, mas a sua proverbial discrição não lhe permitiu chegar tão longe.

O vultuoso personagem já sabe que a sua República há-de ser presidencial e dispor de um parlamento com 70 deputados (tantos ?). E, é claro, será próxima dos cidadãos. Ou seja, acariciaria os cidadãos com a enérgica linguagem do cacete, como compete a qualquer república digna da energia de um irrequieto arauto de tão transcendentes ruídos. Numa sugestão de génio, o anão subiu mais uma vez ao banco de uma imaginação fértil e deixou pairar a asa luminosa de uma promessa de regionalização, como ingrediente gostoso da sua azougada república.

E quando o jornalista estarrecido titubeou uma última pergunta, o ornamento político do Norte, concedeu solene o peso de uma confirmação luminosa: ele poderá vir um dia a ser o líder máximo do PSD.

Num arrepio gelado de pânico, a velha alma do PSD entrou em transe: "Antes a Manuela ! Mil vezes a Manuela, perca ela as eleições que perder! Tirem-me daqui estes anões!!"

Hoje e amanhã - considerações pessimistas



1. A corajosa tomada de posição do Bastonário da Ordem dos Advogados provocou um verdadeiro levantamento mediático. No essencial, esse alarido comunicacional desdobrou-se em duas linhas de ataque: crítica ao lugar de publicação do texto, difusão pública de uma conversa de terceiros, difamando Sócrates.

No primeiro plano, destacaram-se actores político-mediáticos oriundos do interior da Ordem do Advogados. Não acharam importante desmentir os factos divulgados por António Marinho, ou analisarem o seu significado, no caso de os acharem verdadeiros. Apenas discutiram doutamente se o texto devia ser ou não publicado num órgão da Ordem. Será que os factos divulgados no texto são menos importantes do que a momentosa questão do lugar da sua publicação? Estranho comportamento.

No segundo plano, a publicação da conversa incriminadora, significa que se achou natural enxovalhar publicamente uma pessoa, difundindo uma conversa em que ela não participa e em que terceiros proferem alegações que apoucam a sua honorabilidade. Não perturbou os difusores o facto de a conversa ser antiga, de os factos citados na conversa serem antigos, de serem há anos objecto de uma investigação judicial que não conduziu até agora à necessidade de ouvir sequer o principal visado. Estou certo que, no seu comportamento corrente, os órgãos de comunicação social que, neste caso, se apressaram a divulgar a gravação, não terão esse tipo de procedimento. Acresce, a tudo isso, que, de um lado, estão pessoas que a própria comunicação social mostrou ao longo destes meses terem uma credibilidade reduzida. Do outro lado, está um primeiro-ministro.

É certo que a credibilidade mitigada de uns e a posição institucional de outro, não torna os primeiros automaticamente mentirosos e o segundo automaticamente verdadeiro, mas impõe, em nome do mais elementar bom-senso, admitir que quem tem pouca credibilidade pode estar a mentir e que o primeiro-ministro pode estar a falar verdade. Esse elementar bom-senso foi aqui completamente esquecido. Estranho comportamento.

2. Um olhar breve, para o trajecto já percorrido, neste caso, pelo complexo mediático – policial, em conexão com certas instâncias políticas e judiciais, mostra que esse trajecto atingiu um ponto de não retorno. Para esse bloco político-mediático já não se trata apenas de destruir Sócrates, trata-se também de salvar a pele. Salvar a própria pele, no sentido de impedir o descrédito em que cairiam se ficasse absolutamente claro, nalguns casos, a má fé conspirativa destinada a viciar o funcionamento da democracia, noutros casos, a simples leviandade de terem corrido atrás de foguetes ilusórios numa circunstância de grande relevância política e social.

3. Não é esta a primeira vez em que uma conspiração mediático-política procura ferir profundamente o Partido Socialista. Em termos de ética política, é um comportamento repugnante, que descredibiliza profundamente todas as instituições e organizações, envolvidas nessas derivas. Mas, em termos políticos, é uma estratégia suicida, do ponto de vista da qualidade da nossa democracia. E é uma estratégia tanto mais suicida, quanto nada garante que não possa vir a ter algum êxito, diminuindo artificialmente a dimensão eleitoral do PS e, através dessa diminuição, suscitar uma conjuntura política que inviabilize a governabilidade do país.

Se este episódio fosse isolado, tudo continuaria a ser eticamente insuportável e politicamente questionável, mas o risco de efeitos dramáticos não seria grande. Mas não é. Vive-se um clima de grande crispação social e de alguma tensão institucional, num contexto de grave crise económico-social. E nestas circunstâncias o risco de incêndio político-social, estimulado pelo episódio em causa aumenta exponencialmente.

Pode ser que os aprendizes de feiticeiro, pelo seu trauliteirisnmo e pela sua sofreguidão, acabem até por favorecer eleitoralmente o PS, mas também pode ser que desencadeiem uma tempestade de sentido contrário.

Estarão as actuais oposições preparadas para assumirem, em conjunto, as responsabilidades governativas que derivem do eventual êxito da sua estratégia de enfraquecimento do PS ? Como seria viver-se num país em que um eventual enfraquecimento dramático do PS deixasse frente a frente como pólos políticos dominantes, mas nenhum deles com maioria, de um lado PCP/ BE, do outro lado PSD/PP?

Como seria um país assim, perante o factor agravante de se ter chegado essa situação por uma caminho crispado, semeado de indignidades e deslealdades. Não se esperaria decerto que o povo socialista respondesse a uma deriva de que tivesse sido vítima com um espírito distendido e colaborante.

4. De facto, há hoje um clima politicamente insalubre que procura cercar o PS a qualquer preço. A este último, cabe naturalmente, defender-se melhor, não cometer erros grosseiros nos próximos tempos, fazer com que o Governo seja fiel ao ideário socialista e determinado no combate à crise. Aos agentes mediáticos, policiais e judiciais, cabe-lhes serem moralmente decentes e cumpridores sem falhas da legalidade democrática . Aos partidos da oposição cabe , naturalmente, ajustarem-se á decência democrática e preocuparem-se em garantir a si próprios e ao povo português que estarão à altura de se responsabilizarem pela gestão das consequências politico-institucionais da oposição que, conjugadamente, vêm fazendo ao governo socialista. É que, pela força das coisas, uma oposição concertada a um governo tem como resultado natural induzir objectivamente um futuro governo de coligação.

Isso é impossível ? Talvez. Por isso, pela minha parte me inclino, menos para um cenário de uma vasta e diversificada orquestra de oposições que vocacionada para assumir os destinos do país, rodeada pelo carinho de todos os que no complexo mediático –institucional procuram agora enfraquecer o governo do PS. E me inclino mais para uma situação em que alguém é capaz de estilhaçar um copo , mas não tem possibilidade de o reconstruir.

É isso: muitos, ao acirrarem-se contra o actual governo, estão furiosamente a tentar partir o copo, mas não sonham sequer que, algum dia, serão capazes de se conjugarem para refazerem o que antes estilhaçaram.

Por isso, quando o PS se estiver a defender não está apenas a defender-se a si próprio, está a procurar poupar aos portugueses um futuro próximo de agravamento das incertezas e da dificuldades.

Vejo que cheguei longe, a partir de um pequeno episódio. Estarei, com isto, a menosprezar a realidade ou a prestar-lhe homenagem ?

sexta-feira, 27 de março de 2009

Um escândalo político


Está hoje a ser divulgado na imprensa um artigo que será publicado no Boletim da Ordem dos Advogados correspondente a Abril de 2009, cujo autor é o actual Bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. António Marinho e Pinto. Pode ser lido na íntegra aqui .

Vale a pena transcrever a sua conclusão para a sublinhar, tornando evidente o sentido do texto, que se ocupa do Processo Freeport. Ei-la:


" Aconselhar o recurso a cartas anónimas, reunir com jornalistas ( e com opositores políticos do principal visado com as denúncias ) são métodos que não são próprios de uma investigação criminal isenta. Em processo penal não há conversas ( ou reuniões) informais, mas sim diligências rigorosamente formais, ou seja, reduzidas a auto.

Por outro lado, divulgar a jornalistas a realização de escutas telefónicas e de buscas judiciais, inclusive antes de estas se efectuarem ( como já aconteceu também com um antigo director nacional da PJ), constitui uma prática que só se pode justificar por interesses estranhos à investigação criminal.

Sublinhe-se , a propósito, que as buscas e apreensões foram ordenadas pelo MP a 7 de Fevereiro de 2005 e efectuadas dois dias depois ( dia 9) pela PJ. no entanto, essas diligências foram logo noticiadas pela revista Tempo ( edição de 9 de Março) e pelo semanário Independente ( edições de 11 e 18 de Março), com base num documento de "planejamento operacional" da PJ intitulado BUSCAS 2. Segundo despacho de Inês Bonina, uma cópia desse documento fora entregue ao jornalista Vítor Noronha pelo inspector Elias Torrão.

Perante tudo isso, uma pergunta se impõe: se em Fevereiro de 2005 já existiam fortes indícios dos crimes de corrupção e de participação económuica em negócio; se já então se realizaram todas essas dilig~encias processuais; se o caso foi amplamente noticiado nos órgãos de comunicação social, incluindo a divulgação d identidade de várias pessoas apresntadas como suspeitos desses crimes, porque é que , mais de quatro anos depois, o Ministério Público ainda não encerrou o inquérito, acusando quem for de acusar e ilibando quem tem que ilibar?Enquanto não houver uma resposta clara a esta pergunta todas as dúvidas e suspeitas serão legítimas sobre o processo freeport. Noutros países, como os Estado-Unidos, por exemplo,um caso destes teria conduzido, seguramente, a um outro processo( por conspiração), sendo queambos provavelmente estariam concluídos em menos de quatro anos. Em Portugal, infelizmente, predomina uma cultura de irresponsabilidade que permite que as investigações se arrastem indefinidamente.

Uma coisa é certa. Este tipo de situações não prestigia a Justiça e, sobretudo, não dignifica o Estado de Direito Democrático nem as suas instituições mais relevantes." [A.Marinho e Pinto]

Analisando-se o texto, cuja conclusão se transcreveu, tendo-se em conta que é escrito pelo Bastonário da Ordem dos Advogados e sabendo-se que o seu autor está longe de ser um apoiante do actual governo e do primeiro-ministro, fica claro que estamos perante um sintomático encadeamento de factos revestido de enorme gravidade política. E não adianta que os mesmos que acharam legítimo bombardear José Sócrates com barragens de perguntas e de insinuações, a partir de quebras do segredo de justiça, venham agora tentar iludir o essencial, discutindo a legitimidade de António Marinho usar no seu artigo os documentos que usou, tentando assim fugir ao imperativo de se pronunciarem sobre os factos que dele transparecem.

Na verdade, fica agora claro que eram fundadas as suspeitas de que o regresso do Freeport era, em larga medida, a repetição de uma tentativa de influenciar os resultados eleitorais em prejuízo do PS, através de uma articulação de iniciativas, envolvendo pessoas integradas em organismos públicos, em partidos políticos e em órgãos de comunicação social. Frustrada uma tentativa em 2005, era repetida agora, como se o núcleo duro dos seus promotores se sentisse tão desesperado que não tivesse hesitado perante o risco de um novo falhanço ou de uma maior evidência do sentido de toda a tramóia.


O texto de António Marinho torna evidente que muito mais fortes do que os indícios de corrupção de entidades públicas inerentes ao caso Freeport são os indícios de conspiração, primeiro, para viciar os resultados eleitorais e agora para alterarem ilegal e ilegitimamente o governo em exercício. mas o referido texto mostra também que vários jornais e estações televisivas, alguns partidos políticos da oposição e certos titulares dos organismos públicos envolvidos, mais ou menos ostensivamente, tinham ao seu alcance elementos que lhes permitiriam reduzir o caso Freeport á sua real dimensão. É que não lhes assiste legitimidade moral e política para alegarem ignorância do que está revelado no texto da António Marinho.

De facto, se o vierem a fazer, mostram que: ou eram tão incompetentes e irresponsáveis que autorizaram a si próprios uma enorme leviandade numa matéria extremamente melindrosa, ou sabiam o que estavam a fazer e tem de considerar-se que se deixaram envolver numa verdadeira conspiração para influenciarem anti-democraticamente as eleições e condicionarem o exercício do poder político

quinta-feira, 26 de março de 2009

17 DE ABRIL DE 69 – 40 ANOS DEPOIS

O texto que abaixo transcrevo foi enviado como apelo e convite. Peço aos leitores que conheçam gente que tenha estado em Coimbra, nesse tempo e do lado certo, para lhes fazerem chegar a mensagem.



O tempo é uma respiração da memória. Mas há uma subtil alegria, quando nos sentimos parte de uma memória colectiva que simultaneamente nos acolhe e transcende.

É em redor de uma dessas memórias que vamos confraternizar. Sem quebrar a nossa irredutível singularidade, soubemos projectar-nos em conjunto num horizonte de esperança. E é isso que está escrito no livro da memória.

No próximo dia 17 de Abril, sexta-feira, em Coimbra, a partir das 19 horas, nos Jardins da AAC, por iniciativa da respectiva Direcção Geral, vamos comemorar o regresso ao futuro sem saudade.

Vamos comemorar o 17 de Abril, em confraternização com os actuais estudantes, que nos deram a imensa honra de ligar as comemorações do 17 de Abril de 1969 com o 25 de Abril de 1974. Não é fácil estar à altura de um simbolismo tão amplo.

Não sintamos, contudo, o peso de imaginárias glórias. Fomos apenas homens comuns que se juntaram e se ergueram, tendo podido, por isso, ficar de pé frente ao destino. É assim que nesta memória queremos homenagear muitas outras, sejam elas largas avenidas da história, sejam pequenas memórias da resistência e da esperança pelas quais, na teimosia de um dia a dia penoso, muitos teceram a possibilidade de um futuro.

Vale a pena inscrevermo-nos nessa confraternização dos 40 anos da crise de 1969. De facto, hoje, é já possível compreender com clareza que a presença de cada um de nós é verdadeiramente indispensável.

Dado que haverá jantar (custará cerca de 10 Euros, por pessoa) e animação, é preciso saber-se atempadamente quantos seremos. Por isso, tens que te inscrever, desde já, indicando claramente o número de pessoas a que corresponde cada inscrição, a qual terá que ser feita o mais tardar até 14 de Abril, por e-mail, para o seguinte endereço
17abril@academica.pt .


Coimbra, 26 de Março de 2009


Com um abraço amigo


Décio Sousa
Estela Castilho
Fernanda Campos
José Dias
Manuela Lacerda
Rui Namorado

terça-feira, 24 de março de 2009

O Fantasma de Bolonha


Dizem os jornais que os estudantes vão hoje protestar para a rua contra a deriva desencadeada pelo chamado Processo de Bolonha, que levou a uma profunda alteração da estrutura e do funcionamento das Universidades e das outras Instituições de Ensino Superior. Entretanto, começa a emergir nos meios universitários europeus um murmúrio crescente de descontentamento, pontuado aqui e ali por manifestações públicas mais ostensivas.


Hoje, é, aliás, um dia simbólico na história do movimento estudantil português. Foi a 24 de Março de 1962 que, em Lisboa se desencadeou a crise académica de 1962, que se estenderia a Coimbra. Aproveito para saudar os estudantes que então se bateram por uma outra Universidade e por um outro país. Não esqueço que foi essa crise que levou a que me expulsassem da Universidade, onde hoje sou professor. Essa expulsão é a mais honrosa distinção que até hoje me foi concedida.



Por tudo isso, julgo apropriado transcrever um excerto da moção sectorial, "Educação - Libertar e Desenvolver", apresentada, recentemente, ao Congresso do PS e da qual , em conjunto com José Gama, Fernanda Campos, Júlio Mota e Margarida Antunes, fui um dos autores.


" É muito importante que se proceda a uma avaliação objectiva das consequências do chamado Processo de Bolonha e do Regime Jurídico do Ensino Superior que procurou projectá-lo no nosso país. Desse modo, poder-se-á preparar com cuidado um sério processo de correcção dos seus aspectos que claramente prejudicam a qualidade e o desenvolvimento do ensino superior em Portugal, fazendo-o ainda correr enormes riscos no futuro imediato.


De facto, tal como foi materializada, a reforma efectuada corre o risco de falhar a prossecução dos objectivos que consubstanciaram a sua razão de ser, acabando por se traduzir na prática numa degradação do sistema do ensino superior português.


Algumas incongruências parecem, na verdade, evidentes. Procurou-se estimular a aquisição de novas competências, como se elas não dependessem do alargamento dos conhecimentos correspondentes. Exacerbou-se um certo imediatismo do concreto, como se o raciocínio abstracto não fosse um esteio determinante da capacidade de pensar. Quando a complexidade do real e a quantidade da informação crescem exponencialmente, reduziram-se as cargas horárias e o número de anos lectivos, aligeirando-se os currículos. Diversos graus, que continuam a ter o mesmo nome do que aquele que tinham os graus pré- Bolonha, para serem conseguidos, estão sujeitos a níveis de exigência muito menores. E esta discrepância grosseira introduz uma profunda injustiça relativa na concorrência entre diplomados por instituições de ensino superior portuguesas, que prejudica gravemente todos os graduados anteriores ao Processo de Bolonha.


Toda a lógica dos novos órgãos de poder nas Universidades e no Politécnico reflecte uma enorme desconfiança no papel que aí deve ser protagonizado pelos estudantes, bem como na própria democracia. Nalguns casos, ficou-se mais próximo do tipo de estruturas da Universidade do salazarismo do que da Universidade que surgiu com o 25 da Abril.


A Universidade como espaço democrático, científico e crítico, está posta em causa e ficam longe de ser realizáveis os objectivos gerais que a política global lhes atribui, e, em especial, a Estratégia de Lisboa. Tendo a mudança ocorrida decorrido com completa desconsideração pelos aspectos políticos de médio prazo implicados pela reforma e pelas suas consequências imediatas, as boas intenções afixadas pelos seus arautos correm o risco de desembocarem numa enorme operação de confisco de bens públicos por grupos de interesses privados. Confisco, expresso em novos mandarinatos corporativos, tanto mais prováveis e incontroláveis, quanto mais habilmente utilizarem as novidades jurídicas aconselhadas pela tutela.


Tudo isso se agrava com uma divergência crescente entre os ambiciosos objectivos fixados às instituições de ensino superior e os recursos financeiros que lhes são atribuídos. Como é possível levar a bom porto uma estratégia de efectiva transformação de um sector que em simultâneo se estrangula financeiramente?


E esta incongruência é tão acentuada que podemos ser levados a pensar que o Processo de Bolonha é, no essencial, uma retórica de mudança, destinada a fazer passar despercebido o seu principal objectivo: diminuir as despesas públicas com as instituições públicas do ensino superior, diminuir a prazo a responsabilidade do Estado pelo ensino superior público.


Por último, parece claro que o PS não pode seguir para o ensino superior a mesma lógica que já recusa expressamente para a sociedade em geral. Na verdade, o pensamento que guiou as acções que no plano económico conduziram o mundo para o drama que vivemos, é do mesmo tipo daquele que informou o Processo de Bolonha e o RJIES. Seria trágico que só acordássemos para essa perigosa incoerência, quando nas nossas Universidades eclodisse uma crise paralela à que hoje abala o mundo da economia."

domingo, 22 de março de 2009

Coimbra vista do Vale do Inferno

A Primavera entra lentamente pela cidade. A luz parece mais limpa, ocupada a dar uma nitidez nova ao perfume das cores.



sábado, 21 de março de 2009

Dia Mundial da Poesia

[Ilustração de Nadir A D’Onofrio Santos SP]

Neste Dia Mundial da Poesia que foi também , aqui em Coimbra, o começo da campanha para as eleições europeias pelo lado do PS, resolvi ir ao silêncio da estante buscar um livro de poemas que publiquei em 1996, "Sete Caminhos", para recordar hoje um poema que aí incluí.


OS ANOS E O LUGAR

Somos nós a raiz deste lugar,
a íntima saudade do que foi,
a doce nostalgia do futuro.

Aqui morreu o vento de Castela,
seu manto de soberba
e sua espada.

O verdadeiro mar foi inventado,
nestas praias de esperança
e de partida.

E o rosto da Europa foi inteiro,
quando a olhámos primeiro.

RUI NAMORADO

Na FEUC : Paraísos Fiscais


No âmbito do Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC , vai prosseguir o ciclo temático "Economia Global, Mercadorização e Interesses Colectivos: Pessoas, Mercadorias, Ambiente e Paraísos Fiscais" incidindo nesta sessão num tema de particular actualidade "Economia Mundial, Autonomia das Políticas Económicas e Paraísos Fiscais". É o que podem ver com mais detalhe , lendo o texto enviado pelo Júlio Mota que abaixo transcrevo.


O grupo de docentes da FEUC dinamizador e organizador (em colaboração com os estudantes do Núcleo de Estudantes de Economia da FEUC e com o apoio da Coordenação do Núcleo de Economia) do Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC vem com a presente informar que irá decorrer, a 25 de Março, a oitava sessão, do ciclo temático Economia Global, Mercadorização e Interesses Colectivos: Pessoas, Mercadorias, Ambiente e Paraísos Fiscais, sob o tema que lamentavelmente está agora na ordem do dia: Economia Mundial, Autonomia das Políticas Económicas e Paraísos Fiscais.

O tema é importante e de grande actualidade. Quer os conferencistas estrangeiros convidados, todos eles ligados desde longa data à problemática da transparência financeira nas relações internacionais, quer os nossos convidados nacionais, são figuras de grande mérito e prestígio. Tudo isso mais do que justifica dar-vos conhecimento desta iniciativa, para a qual contamos com o vosso apoio na sua divulgação.

Programa
Hora: 15.00
Local: Auditório da Faculdade de Economia

Conferencistas:
-Bernard Bouzon (Attac França)
-Jean Maillard (Sciences Po-Paris)
-John Christensen (Director de Tax Justice Network)
Comentadores:
-José Silva Lopes (ex-Ministro das Finanças)
-Francisco Louçã (ISEG)
-António Martins (FEUC)

Debate

Hora: 21.15
Local: Teatro Académico de Gil Vicente

Filme/Documentário: Paraísos Fiscais, A Grande Evasão
de Frédric Brunnquell
2008

Debate

No debate que seguirá ao documentário A grande evasão, contaremos também com a presença do seu realizador, Frederic Brunnquell.

O tema está lamentavelmente na ordem do dia uma vez que é peça central, como mecanismo, da actual crise mundial, e será, possivelmente, o dossier mais complicado e de maior tensão que preencherá a agenda da reunião do G20, no princípio de Abril. Não é, de resto, por acaso que a reunião do G20 será precedida, a 24 de Março ou seja na véspera do nosso colóquio, de uma outra, preparatória, de Gordon Brown com os grandes financeiros internacionais, tal a complexidade do dossier paraísos fiscais, reunião que até se quis secreta. A importância do tema é tal, uma vez que os paraísos fiscais podem ser vistos como um instrumento de (des) regulação na repartição do rendimento da actual economia global e por isso mesmo, tão desregulada que está em ruptura total, que se compreende agora claramente que questionar a existência dos paraísos fiscais é questionar todo um modelo que deles precisava e que deles se alimentava. Foi devido a este fio condutor, foi devido a esta ideia da sua importância na economia global que a problemática Paraísos Fiscais foi inserida no nosso Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC este ano sob o tema Economia Global, Mercadorização e Interesses Colectivos: Pessoas, Mercadorias, Ambiente e Paraísos Fiscais. E a realidade aí está e é dela que se irá falar no Colóquio, no filme e no debate que se lhe seguirá.

Certos da vossa atenção e do vosso eventual apoio a esta iniciativa, queiram aceitar os nossos melhores cumprimentos.

Pela Comissão Organizadora do Ciclo

Júlio Marques Mota

sexta-feira, 20 de março de 2009

Provedores, direita e verdade


Galeria dos Provedores de Justiça realmente existentes:

HENRIQUE ALBERTO NASCIMENTO RODRIGUES (2000/...)

Os nomes que acima transcrevi correspondem à lista de "Provedores de Justiça" que até hoje exerceram as respectivas funções em Portugal.

Pode verificar-se que, desde 1975 até hoje, só desempenhou esse cargo um militante do PS ( José Magalhães Godinho - desde 1976 até 1981). Isto é , há vinte e sete anos que o PS não indica qualquer militante seu para esse cargo.

Em contrapartida, pertenceram ao PSD os três últimos "Provedores de Justiça" ( Mário Raposo, Meneres Pimentel e Nascimento Rodrigues). Isto é, desde 1990 até hoje que não há um Provedor de Justiça que não seja do PSD. Há dezanove anos , portanto, que é um militante do PSD a ocupar o cargo.

E, a quem sustente que o "Provedore de Justiça" deve ser sempre indicado pelo maior partido da oposição, basta recordar que Mário Raposo e Meneres Pimentel foram escolhidos no decurso do consulado cavaquista.

Portanto, se o PS sentisse que era tempo de voltar a haver, 27 anos depois, um socialista na Provedoria, ou que não era saudável prolongar os 19 anos de exercício da provedoria por militantes do PSD, não se pode dizer que estivesse a exagerar. Mas sabe-se que, afinal,nem isso fez, tendo indigitado nomes que nem são militantes socialistas. Por exemplo, relativamente ao convite mais recente, Jorge Miranda, será difícil ver nesta indicação uma sofreguidão partidária do PS.

Por isso, a Dama de Cinza, que tão amiga da verdade se afirma, revelou afinal uma enorme desonestidade política e intelectual, quando, perante o quadro que acima mostrei, acusou o PS e Sócrates de quererem dominar todos os cargos públicos. A verdade é a oposta: o PSD julga-se com um direito natural ao poder e considera um sacrilégio a presença de pessoas de qualquer outro partido, em lugares de seu exercício .
O pernóstico Rangel, assemelhando-se a um caniche de luxo da referida Dama, uivou alguns dislates hipócritas com voz grossa, mostrando até onde está a descer o nível político da oposição, pelo lado do PSD. O cessante provedor e o actual Presidente da República resmungaram algo de discretamente consonante com o alarido do PSD(também deles), esquecidos do panorama que acima evidenciei. Deviam ter mais pudor ou alguma vergonha. Todos se portaram como se 19 anos de provedoria fossem nada e um afastamento de 27 anos ainda fosse pouco. Não gostam do PS? Já sabemos. Mas daí a comportarem-se como donos do país vai uma grande diferença.

Como sacristães deste inusitado sacerdócio, alinharam alguns comentadores, alguns jornalistas, os outros partidos da oposição, comportando-se como se tudo o que acima apontei fosse nada perante o imperativo da malhar no PS a propósito de tudo, independentemente dos factos.

terça-feira, 17 de março de 2009

Poema contra a neutralidade


O blog Cravo de Abril transcreveu, no passado dia 9 de Março, o poema da minha autoria que abaixo transcrevo. Esta versão do poema, a definitiva, foi publicada no meu livro de poemas "Lírica do Silêncio" , editado em Outubro de 1973, poucos meses antes do 25 de Abril. Uma versão menos depurada do mesmo poema fora integrada no nº 1 dos "Cadernos de Cultura" da Associação Académica de Coimbra", em Abril de 1965, sob um outro título: "Poema contra a neutralidade".




AQUELE QUE SE SENTOU À PORTA DO TEMPO


Aquele que se sentou à porta do tempo
e deixou dormir o pensamento sobre a relva
em demasia confiante ou desenganado


aquele que se sentou estupidamente no tempo
e o deixou escorrer irremediavelmente entre os dedos
como velha adormecida no outono


honestamente aproveitou o oásis
alheio ao decorrer das caravanas
no livro dos povos ficará
como prolongamento dos tiranos.


RUI NAMORADO

domingo, 15 de março de 2009

Governo e sindicatos


Duzentos mil trabalhadores na rua, em protesto contra um governo do PS, não podem apenas merecer um simples juízo de valor, quanto às razões escolhidas como eixo da manifestação, e uma alusão ao facto de serem livres de manifestarem a sua opinião. Na verdade, se vinte mil dondocas das melhores famílias desfilassem pelas ruas batendo em caçarolas, em protesto contra qualquer medida de um governo do PS, esse juízo e essa alusão talvez bastassem.


Mas um governo do PS não pode deixar de ponderar politicamente sobre o facto dessa manifestação ter ocorrido com o apoio popular verificado. Não estava ali todo o povo de esquerda, mas estava ali uma parte considerável do povo de esquerda.


Ora, o governo do PS, devendo tratar com justiça todos os portugueses, devendo velar pelo bom funcionamento das instituições e das organizações, garantir a liberdade e segurança das pessoas, instituir mecanismos de solidariedade e de protecção social, não pode deixar de procurar conseguir que o exercício do seu poder deixe as desigualdades sociais menos escandalosas e as subalternidades sócio-políticas menos penalizadoras. Mas estes princípios não são fórmulas abstractas, têm destinatários concretos. Entre estes, estão seguramente os trabalhadores que perderam o emprego, os trabalhadores precários, os trabalhadores cujos salários são tão baixos que não lhes asseguram uma sobrevivência digna.
Eu não desvalorizo o facto de os actuais governantes estarem convencidos que estão a proteger esses trabalhadores da melhor maneira possível. Mas o governo também não pode desvalorizar o facto de centenas de milhares deles mostrarem publicamente que estão convencidos do contrário.


E este é um problema político grave: duzentos mil trabalhadores protestam nas ruas contra a política de um governo de esquerda. Não é apenas a revelação de um risco eleitoral para o governo. E não é algo que não represente também um risco político para os interesses históricos dos trabalhadores.


De facto, se um partido socialista deixar que passe de certos limites (necessariamente incertos) a sua ruptura com a sua base social, ou com uma parte apreciável da sua base social, além de correr um risco maior de enfraquecimento eleitoral, pode abrir a porta ao reforço da implantação social de outras áreas da esquerda e provocar até a sua própria deslegitimação radical, como representante institucional da parte subalterna e prejudicada da sociedade. Mas se a parte mais atingida, ou mais radical,ou mais reivindicativa, do povo de esquerda queimasse por completo o único partido de esquerda que, a curto prazo, pode ser governo, também infligiria a si própria uma grave derrota estratégica, podendo transformar-se, contra a própria vontade subjectiva dos seus líderes, numa arma eficaz da direita e dos interesses que mais antagonizam os que lhes são próprios.


Um preocupante sintoma, de que esta deriva não é imaginária, está no facto de se acumularem exemplos, por enquanto ainda dispersos, de uma convergência anti-governamental das oposições que reflecte já algum grau de solidariedade. O facto de haver actores sociais que já apelaram publicamente ao voto em qualquer das oposições, é disso um eloquente sinal.


Se todos se exercitarem em distribuir culpas, blindando a sua própria infalibilidade e diabolizando os outros, se cada um se refugiar no cálculo de possíveis ganhos eleitorais , pode estar na forja uma preocupante deriva rumo a um desastre estratégico para o povo de esquerda, pela completa desestruturação dos elos que unem os seus partidos, ou alguns deles, à respectiva base social. E assim se abriria desde logo a porta à desinstitucionalização dos conflitos, aumentando-se o risco de surtos puramente dissipativos de convulsão social.


Nem o governo, nem os sindicatos, podem continuar encerrados nas suas razões, como se cada acto, se cada episódio não pudesse nunca levar a consequências estruturais e de médio prazo que fujam, e muito, ao que são os desejos de uns e de outros. Julgar que fazer política é apenas uma actividade de natureza tecnico-administrativa, sem espessura histórica, sem pressupostos ideológicos e sem implicações sócio-culturais, encarando-a com simplismo, é correr o risco de se ser folha arrastada numa corrente, cujo sentido se ignora.

Não tenhamos dúvidas: se, a médio prazo, o pior acontecesse, os duzentos mil trabalhadores que estiveram na rua, os partidos que lhes exibiram aplausos, os actuais governantes, o Partido Socialista e os seus eleitores irredutíveis, ocupariam em conjunto o conglomerado das vítimas. Por isso, talvez seja melhor abrir vias de diálogo, enquanto estamos onde estamos, do que corrermos o risco de, mais tarde, virmos todos a estar sujeitos a um qualquer insuportável poder musculado da direita.

sexta-feira, 13 de março de 2009

A crise e a esquerda


A crise enterrou a pesporrência com que os ideólogos neoliberais procuravam paralisar a resistência intelectual dos que não desistem de um mundo melhor. Não enterrou o ilusionismo dos que continuam a querer vender gato por lebre, atribuindo a meia dúzia de bodes expiatórios a responsabilidade exclusiva por uma crise que reflecte as inércias mais fundas da lógica capitalista.

A questão central que nos deve preocupar é a de saber em que medida podemos gerar uma pilotagem eficaz, através de um difícil trajecto que nos permita superar o capitalismo, rumo a um pós-capitalismo que se traduza num caminho democrático, solidário e justo, para a liberdade e para a igualdade. A razão para que os socialistas o sejam, é a luta para que esse pós-capitalismo reflicta os valores, projectos e ideias que constituem a identidade socialista e se reflectem no correspondente horizonte.

Por isso, nos parece útil debater este tipo de problemática, já que é no confronto de ideias que se aguça o pensamento.

É assim que chamamos a vossa atenção para um texto de
Immanuel Wallerstein publicado na revista norte-americana The Nation, [ "Follow Brazil's Example"] do qual nos permitimos também salientar alguns extractos. Nesse texto, o sociólogo norte-americano começa por nos dizer que:


"There seem to me to be two occasions, which require two plans for the world left, and in particular for the US left. The first occasion is in the short run. The world is in a deep depression, which will only get worse for at least the next one or two years. The immediate short run is what concerns most people who are facing joblessness, seriously lowered income and in many cases homelessness. If left movements have no plan for this short run, they cannot connect in any meaningful way with most people. "


E, mais adiante, prossegue: "The second occasion is the structural crisis of capitalism as a world system, which is facing, in my opinion, its certain demise in the next twenty to forty years. This is the middle run. And if the left has no plan for this middle run, what replaces capitalism as a world system will be something worse, probably far worse, than the terrible system in which we have been living for the past five centuries.
The two occasions require different, but combined, tactics. What is our short-run situation? The United States has elected a centrist president, whose inclinations are somewhat left of center. The left, or most of it, voted for him for two reasons. The alternative was worse, indeed far worse. So we voted for the lesser evil. The second reason is that we thought Obama's election would open up space for left social movements. "


Concluindo, nos seguintes termos:"So, to resume: work in the short run to minimize pain, and in the middle run to ensure that the new system that will emerge will be a better one and not a worse one. But do the latter without triumphalism, and knowing that the struggle will be tremendously difficult".

quinta-feira, 12 de março de 2009

Sondagens e política


Estamos naquela parte do mês em que afluem as sondagens. Justifica-se assim um olhar panorâmico que envolva algumas delas. O precioso blog de Pedro Magalhães, Margens de Erro , faculta-nos a informação para isso.

Vamos fazer uma abordagem holística de todas as sondagens, dirigidas às intenções de voto quanto a eleições legislativas, feitas em Portugal, num caso, desde o início de 2008, noutro caso, desde o começo do corrente ano de 2009. Mesmo sabendo que as próprias sondagens traduzem, por vezes, modos distintos de organização dos dados recolhidos, passamos por cima dessas eventuais diferenças. Por isso, o que estará em causa neste comentário são os panoramas oferecidos e não o detalhe de cada estudo de opinião.

A primeira análise incide sobre 52 sondagens de várias origens, difundidas por diferentes meios de comunicação social, desde Janeiro de 2008 até hoje. Vamos através dela, verificar qual foi, durante este período, o melhor e o pior resultado de cada partido.

O PS chegou, em Outubro de 2008, aos 43,9% de intenções de voto, tendo sido esse o seu melhor resultado em todas as sondagens, durante esse período. Em contraponto, a sua pior prestação ocorreu em Maio de 2008, com 33%.

O PSD atingiu um máximo de 34,9% em Junho de 2008, tendo descido ao seu limiar mais baixo, 24,9%, em Fevereiro de 2008 e em Janeiro de 2009.

O BE teve a sua prestação mais modesta, em Janeiro de 2008, com 6,6 % e subiu ao seu mais alto nível, em Dezembro de 2008, com 14,1 %.

A CDU teve o seu melhor resultado, em Janeiro de 2009, com 13% e ficou-se pelo seu nível mais modesto, em Janeiro e em Outubro de 2008, com 8%.

Por último, o PP quase se afundou, em Outubro de 2008, com 2%, mas chegou aos 8,3%, em Janeiro de 2009.

Verifica-se assim que em nenhum caso, o PS se situou no espaço correspondente à maioria absoluta. Paralelamente, a soma do melhor resultado do PSD com o melhor resultado do PP (43,2 %), ainda fica ligeiramente abaixo do melhor resultado do PS, o que torna muito pouco provável uma vitória eleitoral da direita. Em contraponto, a soma dos melhores resultados do BE e da CDU chega aos 27,1%, o que os coloca acima de vários resultados do PSD e até acima da soma que envolva os piores resultados dos dois partidos de direita (26,9%). Tudo isto, embora não espelhe uma relação de forças sedimentada, mostra a emergência de uma possibilidade, ainda que distante, de novos tipos de relações de força, no campo político.

A segunda análise incide sobre 9 sondagens feitas durante o corrente ano de 2009, partindo de uma comparação das médias dos resultados de todos os partidos nelas obtidos.

Assim, a média dos resultados imputados ao PS, nestas 9 sondagens, é de 39,7%; a obtida pelo PSD é de 27,7%; a do BE é de 11,7%; a da CDU é de 10,2%; e, finalmente, a alcançada pelo PP é de 6,7%.

Se compararmos a soma das médias obtidas pelos dois partidos da direita ( 34,4%) com a média alcançada pelo PS ( 39,7%), verificamos que subsiste uma diferença de mais de 5% favorável a este. A soma das médias obtidas pelos partidos de esquerda na oposição atinge os 21,9%.

Se comparamos as médias assim obtidas, com o valor médio entre os máximos e os mínimos referenciados nas 52 sondagens, de que partiu a análise anterior, verificamos que esse valor é de 38,4% para o PS, o que significa que a média de 2009 é 1,3% superior a esse valor. Pelo contrário, para o PSD é de 29,9%, pelo que a média de 2009 é 2,2 % inferior a esse valor. Para o BE esse valor médio é de 10,3%; isto é, 1,4% inferior á média de 2009. Para a CDU, o referido valor médio é de 10,5%, o que implica uma ligeira diferença para mais (0,3%), perante a média dos resultados das sondagens de 2009.Para o PP o referido valor médio, entre o máximo e o mínimo das 52 sondagens, é inferior à média das sondagens de 2009 em 2,6%.

Se alguma conclusão pode ser tirada desta comparação, será a de que uma diferença entre os dois valores, em que o mais alto seja o que corresponde à média das sondagens de 2009, significa um robustecimento da força eleitoral dos partidos, relativamente aos quais isso aconteça e um indício de enfraquecimento, quando ocorra o contrário. Deste modo, podemos identificar uma tendência forte de um reforço relativo, quanto ao PP; um reforço significativo do BE; um ligeiro reforço do PS em termos relativos; uma estagnação da CDU; e uma quebra do PSD.

Estas diferenças não são suficientemente relevantes para invalidarem os comentários feitos a partir da primeira análise, mas não devem ser desprezadas.
Num breve comentário final, pode sublinhar-se que, se é certo que a probabilidade de uma nova maioria absoluta do PS parece longínqua, a única alternativa politicamente previsível, que se perfila no horizonte, é a de uma maioria relativa do PS. Todavia, dada a convergência das oposições, no objectivo de retirarem a maioria absoluta ao PS, sem admitirem coligar-se com ele, para se gerar uma nova maioria, há uma responsabilidade política objectiva desses partidos que os deveria levar a assumirem-se em conjunto como uma maioria alternativa à actual. Se tal não é objectiva ou subjectivamente possível, eis uma fragilidade das oposições pela qual certamente não pode ser responsabilizado o PS.
Mas se as oposições em conjunto, embora convirjam no combate ao PS, num registo que conduz à impossibilidade de qualquer delas se coligar com ele, não se conseguem assumir como alternativa conjunta ao actual governo, nem revelam qualquer intenção de abertura à viabilização de um governo minoritário do PS, então só há uma conclusão objectivamente possível: a estratégia das oposições conduz directamente á ingovernabilidade e indirectamente ao bloqueamento do regime.
Por isso, recai sobre o PS o ónus de se transcender não só para poder vencer as eleições como combate conjuntural, embora decisivo, mas também para ganhar uma nova solidez funcional e uma nova robustez como movimento social, que lhe dêem a força suficiente para desempenhar com êxito o papel de esteio do próprio regime democrático. Não lhe bastará, por isso, gerir com êxito a sua participação no ciclo eleitoral que se avizinha. Tem também que proceder a um certo renascimento de si próprio que o conduza a novos patamares de pioneirismo, como organização de um século novo e como instância de capaz de exprimir o essencial das esperanças e de pugnar pelo essencial dos direitos do povo português .

terça-feira, 10 de março de 2009

Cultos, política e futuro


Seguramente à revelia dos próprios, a área socialista está a ser dilacerada pelo estranho choque entre dois cultos da personalidade, que incensam, respectivamente, José Sócrates e Manuel Alegre.

Haverá quem se incline mais para um ou para outro, no detalhe das posições de ambos. Haverá quem, para além dessa preferência, se desgoste com o excesso de personalização do debate. Por mim, distancio-me de ambos, principalmente, por achar que, embora com registos distintos e de maneiras diferentes, estão demasiado marcados pelo imediatismo da conjuntura que faz esquecer o grande problema dos socialistas de hoje : o défice de futuro.

Na verdade, com base em posições às vezes afastadas, ambos fazem do futuro uma projecção pouco mais do que linear do passado, o que a ambos dificulta a própria compreensão do passado como imaginação de um futuro que seja a identidade do socialismo. Ora, quem não compreende o passado como trajecto que prenuncia os futuros possíveis dificilmente pode escolher entre eles o seu próprio horizonte.

E é até curioso como, partindo de posições conjunturais aparentemente muito diferentes, um e outro, embora tendo ambos tratado com cordialidade a iniciativa política traduzida na moção crítica apresentada em contraponto à moção oficial no recente congresso do PS, convergiram na sua radical desvalorização política.

José Sócrates não se lhe referiu uma única vez nos discursos feitos no Congresso. E, no entanto, se compararmos a moção crítica com a moção oficial, fácil será ver, se quisermos ser objectivos, que a moção oficial está muito mais contaminada pelo vírus do lugar-comum político do que a moção crítica. Por isso, muito podia ser aproveitado desta última pela direcção do Partido, se quisesse dar uma nova energia à vida interna do PS e à sua capacidade de resposta à crise actual.

Manuel Alegre também não referiu uma única vez a moção crítica nas suas posições públicas contra o congresso do PS, preferindo alinhar no coro inexacto das acusações de unanimismo a reconhecer que, para além da sua voz, outras vozes críticas se erguiam dentro do PS, como se tivesse preferido que fossem a sua e as dos seus seguidores as únicas vozes críticas dentro do PS. E, no entanto, se compararmos a sua moção política do Congresso de 2004 e a moção política “Mudar para Mudar”, fácil será ver que a segunda é um enquadramento muito mais adequado ao essencial das suas actuais posições do que a sua própria moção do Congresso de 2004.

Seria estulto encarar a moção “Mudar para mudar” como uma espécie de bíblia injustamente esquecida de uma nova ortodoxia de um socialismo imaginário. Texto naturalmente imperfeito, aberto a melhorias e a correcções, discutível e questionável, é um resultado digno de uma reflexão colectiva de algumas dezenas de socialistas que a ofereceram ao Congresso como sedimentação provisória de uma trajectória que prossegue.

Mas terá alguma utilidade cercá-la de um muro de silêncio ou de indiferença, quer para os socialistas mais completamente identificados com a actual direcção do partido, quer para os socialistas que integram a oposição mediática a essa direcção na senda de Manuel Alegre ?

Pela nossa parte, seguiremos o nosso caminho, na pluralidade das nossas posições individuais congregadas na plataforma que subscrevemos, dentro do Partido Socialista. Não oferecemos o abafar da nossa própria voz, porque garantimos frontalidade. Não prometemos submissão calculista, mas seremos solidários. Não cultivamos a ilusão infantil de ter o monopólio da razão em todas as circunstâncias, mas nunca agiremos com reserva mental.

Temos a noção de que um partido que se situa na casa dos 40% de votos é pela força das coisas plural. Sabemos, por isso, que tal como nós somos precisos para que essa pluralidade não fique truncada, também são necessários a essa pluralidade todos os outros militantes do PS. Mas não se pode esperar conseguir uma pluralidade viva consentindo na acumulação de silêncios. Deste modo, quando assumimos posições críticas não nos consideramos ousados, consideramos apenas estar a cumprir um dever cívico de coerência que fortalece o partido em que estamos.

É por isso que o culto da personalidade, ainda que moderado e sem que seja procurado pelos cultivados, nos preocupa como empobrecimento do debate político, como simplificação atrofiante do diálogo ideológico, como desqualificação da vida partidária.

A democracia portuguesa precisa do PS, o PS precisa de arejamento para recuperar viço e aumentar a sua energia. O recente congresso, apesar da ficção mediática que o procurou apoucar, abriu uma primeira janela. É agora o tempo de abrir muitas mais, para que um futuro a que possamos chamar nosso entre através delas.

PS - A Comissão Política Nacional e a moção crítica


No passado domingo, reuniu-se pela primeira vez a Comissão Nacional do PS para eleger um conjunto de órgãos e de responsáveis, nomeadamente, o Secretariado Nacional e a Comissão Política Nacional. O Secretariado, sendo eleito em bloco por voto maioritário, representa sempre a moção vencedora do Congresso; e assim aconteceu, tendo continuado praticamente o elenco anterior. A Comissão Política é eleita por escrutínio proporcional, segundo o método d’Hondt. Como tem acontecido noutras ocasiões idênticas, foi apresentada uma lista única que espelhasse as posições relativas das listas representadas na Comissão Nacional. A lista correspondente à moção oficial tem 224 membros, a lista correspondente à moção crítica tem 27 membros.

Deste modo, à moção oficial corresponderam 58 membros efectivos da Comissão Política e á moção crítica, outros 7 membros efectivos. Os 85 suplentes foram repartidos na mesma proporção: 76 para a primeira, 9 para a segunda.

A moção Mudar para Mudar elegeu como efectivos: António Fonseca Ferreira, Rui Namorado, Salomé Rafael, Edmundo Pedro, Artur Cortez, Manuela Neto e Filipe Baptista. Elegeu como suplentes: Pio Abreu, Marta Barbosa, Paulo Caldas, Fidélio Guerreiro, Mariana Geraldes, Menezes Rodrigues, Maria Fernanda Tavares, João Mota e Manuel Mendes.

Como termo de comparação, para que se possa avaliar o significado político desta relação de forças, vale a pena relembrar que na Comissão Nacional, em 2004, a moção subscrita, em primeiro lugar, por Manuel Alegre obteve 46 lugares e a moção Mudar para Mudar obteve, como se viu, 27. Na Comissão Política, em 2004, os apoiantes de Manuel Alegre foram 12 e os apoiantes da nossa moção são agora 7.

Se valorizarmos a pertença dos eleitos para a Comissão Política a cada uma das federações distritais, verificamos que foram eleitos para este órgão os seguintes militantes residentes no Distrito de Coimbra: Efectivos - Rui Namorado ( 17º) e Vítor Baptista ( 49º); Suplentes - Pio Abreu ( 10º), Ângela Pinto Correia ( 15ª), Nelson Geada (49º), Lurdes Castanheira (59ª), Vassalo de Abreu ( 84º). Se quisermos imputar à Federação de Coimbra uma camarada que, embora não viva cá, pertence aos órgãos distritais e é deputada pelo círculo, devemos mencionar que Maria Antónia Almeida Santos é a 33º efectiva.Deve ainda dizer-se que os suplentes sobem dentro de cada uma das compenentes da lista, pelo que o Pio Abreu é o primeiro suplente dentro da componente minoritária.

sexta-feira, 6 de março de 2009

A direita está nervosa. E nós ?


O cavaquismo foi encarado e vivido, pelo cerne da direita portuguesa, como um regresso ao seu lugar natural: o poder. Para ela, superado o hiato subsequente ao 25 de Abril, o qual sentira como preço pago pelo modo ditatorial como fora poder durante meio século, as coisas voltaram então ao seu devido lugar.

Por isso, se sentiu muito incomodada com os governos de Guterres, que pareciam toldar a sua certeza de uma presença perene no Governo. Regressada com Durão Barroso, ousou mesmo correr o risco Santana Lopes. Saiu-lhe a fava e foi derrotada em eleições de que se julgara a salvo.

Sócrates, começou por ser, para ela, um sonho mau, de que esperava acordar , o mais tardar quatro anos depois. A subida de Cavaco à presidência reconfortou-a e deu maior verosimilhança ao fim do seu pesadelo.

Ajudada por uma atitude algo crispada do governo, auxiliada pelas sequelas de um neoliberalismo em arrastada agonia, confortada pela inesperada consonância com uma oposição de esquerda amarrada ao imediatismo e desprovida de horizontes possíveis, a direita portuguesa pensou que lhe estava a ser estendida uma passadeira de aplausos para o seu regresso ao Governo.

Mas o partido, no seio do qual verdadeiramente se joga a hipótese desse regresso, o PSD, foi tardando em subir nas sondagens, foi devorando líderes, um após outro, tendo começado a toldar a confiança da direita no seu regresso ao poder de uma cadeia de sombras cada vez mais soturnas. O outro partido da direita, o CDS, que chegou a parecer em vias de extinção, parece retomar a respiração normal, afirmando a sua diferença pelo exacerbamento securitário de uma agenda ultra-conservadora. Terá já desistido de lutar por um lugar numa aliança de governo com o PSD , por duvidar que o seu parceiro tenha forças para a tornar possível.

E o que para a direita fora um pesadelo penoso, mas com fim à vista, passou a ter as cores alarmantes de uma provável continuidade.

De cabeça perdida, a Dama de Cinza que chefia o PSD já saiu dos carris do debate democrático, para resvalar para o terreno pantanosos da diabolização ética do Partido Socialista, conjugada com uma ridícula auto-promoção angélica.
Quando lhe assistia, naturalmente, toda a legitimidade para demonstrar o possível erro das posições contrárias, limita-se a qualificá-las grosseiramente como mentiras. Quando lhe assistia o direito de demonstrar o acerto das suas soluções, procura dotá-las da improvável aura de uma verdade sem mácula.
Dá, a si mesma, o monopólio de uma imaginária verdade que procura articular com o lançamento do anátema da mentira sobre os adversários. Encorajado pela chefe, o pernóstico líder parlamentar segue um registo paralelo. E mostrando bem como o PSD está a resvalar para uma agressividade dia a dia mais trauliteira, um há muito promissor e há longos anos “jovem deputado da província” resolveu insultar rasteiramente um deputado socialista, em pleno debate parlamentar, perante o embaraço televisível dos seus próprios companheiros de bancada.

Assombrada pelo fantasma de uma derrota nas próximas legislativas a nossa direita partidariamente organizada, principalmente o seu maior partido, esquece a crise, esquece o melindre da conjuntura que atravessamos, esquece o seu próprio verniz democrático e agita-se grosseiramente em sobressaltos de agressividade, que podem funcionar como gasolina no confronto dramatizado de uma política vivida em tempo de crise.

O PS não pode negligenciar esses sinais, nem reduzir a um mero risco eleitoral a intimidade crescente entre todas as oposições. Há que empreender um combate político estrategicamente sustentável, que incorpore não só, naturalmente, a luta contra os nossos adversários políticos, mas que abranja também um reexame em profundidade dos vectores estratégicos da nossa política e do nosso funcionamento como partido.
O desmoronamento do paradigma neoliberal implica muito mais do que simples correcções pontuais das políticas adoptadas ou da linguagem utilizada. Não é possível, por um lado, afirmar-se que a crise actual está para o neoliberalismo como a queda do muro de Berlim esteve para o modelo soviético; e, por outro lado, pensar-se que tudo o que se fez no governo e no partido antes da crise eclodir estava rigorosamente certo e que ao PS basta continuar a ser o que era antes.

quinta-feira, 5 de março de 2009

A esquerda em questão : um livro.


Editado pela Campo das Letras, foi publicado recentemente um novo livro de Celso Cruzeiro: "A Nova Esquerda: raízes teóricas e horizonte político".

Na próxima segunda-feira, dia 9 de Março, pelas 18 horas, na livraria Almedina Estádio, em Coimbra, Jorge Leite e José Luís Pio Abreu apresentam e discutem diferentes tópicos abordados pelo livro.

Como se pode ler na contracapa: “O essencial da resposta a dar por uma esquerda nova, na difícil hora que atravessamos, passa pois pela questão de saber ler os sinais que a realidade de hoje lhe aponta: a urgência da construção de um programa emancipatório que constitui a sua identidade matricial, mas agora despido da certeza, do determinismo e da universalidade, tão só passível de ser desenhado no quadro da probabilidade, da contingência e da historicidade”.

terça-feira, 3 de março de 2009

O Congresso do PS


O XVI Congresso do PS foi mediaticamente distorcido, por um lado, talvez como resultado do aproveitamento pretendido pela direcção do partido para efeitos de propaganda, por outro lado, talvez em virtude da miopia política de uma grande parte dos jornalistas, com base em cujas notícias, muitos dos chamados fazedores de opinião teceram comentários de uma superficialidade próxima do ridículo.

Na verdade, os documentos políticos discutidos e as intervenções feitas nas suas diversas sessões, foram quase totalmente ignorados, perante as duas momentosas questões que afligiam os meios de comunicação social até ao paroxismo: Manuel Alegre vai ou não vai ao Congresso? Quem vai ser o cabeça de lista do PS para a as eleições europeias?

Por mim, hoje, vou falar-vos da moção de orientação geral de que fui um dos promotores e cujo primeiro subscritor foi António Fonseca Ferreira, “Mudar para Mudar”, bem como das suas raízes e da dinâmica por ela suscitada no Congresso.

Admito que, tendo eu estado envolvido no processo que a originou, tenda a valorizar em excesso o significado da dinâmica por ela desencadeada. No entanto, se olharmos para todo esse processo e para o seu episódio final ocorrido no Congresso, a eleição para a Comissão Nacional, facilmente percebemos que ele é em si próprio um revelador político que está longe de ser insignificante.

Na sua origem esteve um Clube Político, “Margem Esquerda”, com umas dezenas de elementos activos, que desde há meses ( como pode recordar-se quem frequente este blog) foi preparando uma moção de orientação política geral e algumas moções sectoriais, para serem apresentadas no Congresso do PS.

Uma vez alcançado acordo sobre o sentido geral da moção, sobre a sua estrutura e sobre algumas das suas partes consideradas como nucleares, o debate estendeu-se para fora do clube, tendo a moção incorporado então novas abordagens temáticas com as quais enriqueceu a sua versão final.

Subscreveram-na, naturalmente, os socialistas que participaram na sua elaboração, mas também muitos outros que aderiram ao essencial da sua mensagem política. Foram assim ultrapassados os duzentos subscritores necessários para que fosse admitida como moção de orientação geral a apresentar no Congresso do PS.

Foram apresentadas listas de candidatos às eleições para delegados ao Congresso radicadas nessa moção [“Mudar para Mudar”] em 26 secções, tendo sido eleitos 21 delegados que a representavam. No cômputo global é um resultado aparentemente minúsculo. Mas se tivermos em conta que, de um lado estava uma moção que, ao contrário da nossa, dava suporte a um candidato a Secretário-geral, e se recordarmos que nas secções em que concorremos estavam em jogo 72 delegados, dos quais a moção oficial elegeu 51 e a nossa 21, verificamos que o resultado obtido teve algum significado.

Depois, conseguimos reunir o apoio dos cinquenta delegados necessários para fazer com que a nossa moção fosse discutida, em conjunto com a moção oficial. Foi então que alguns camaradas mais optimistas ( e eu não estava entre eles ) insistiram na viabilidade de se apresentar uma candidatura à Comissão Nacional do PS, radicada na moção “Mudar para Mudar”. Era necessário reunir, em três ou quatro dias, declarações de 376 militantes socialistas que aceitassem integrar uma lista que iria concorrer contra a lista oficial. Mas, mais difícil do que isso, era indispensável que a nossa lista fosse proposta por mais do que oitenta delegados. Apresentámos uma lista com 423 nomes, entre efectivos e suplentes; e reunimos apoio de mais do que cem delegados.

A votação das moções ocorreu numa altura em que haviam já terminado as votações para os órgãos nacionais. A moção oficial teve 1094 a favor, apenas um voto contra e 13 abstenções. Ficou claro que os apoiantes da moção “Mudar para Mudar” não quiseram hostilizar a moção oficial. Pelo contrário, a direcção do partido, bem representada na mesa do Congresso, fez questão de esmagar a nossa moção, tendo tido o cuidado de, ao contrário do que fizera quanto à moção oficial, ter votado, antes do resto do Congresso, numa transparente tentativa de indicação de voto. A nossa moção teve 34 votos a favor, 124 abstenções e 950 contra.

Pouco depois, foram difundidos os resultados das eleições (estas por voto secreto) para os órgãos nacionais. Só concorremos á Comissão Nacional. Estavam em jogo 251 delegados. A nossa moção elegeu 27 membros, a moção oficial elegeu 224. Em termos de votos, nós tivemos 10, 94 % (139) e a lista oficial teve 89,05 % (1094).

Se nos lembrarmos que há quatro anos, a lista apoiante de Manuel Alegre, estando ancorada numa candidatura a secretário-geral, não tendo que se opor a um secretário-geral em funções (que além disso é, e quer continuar a ser, primeiro-ministro), integrando uma boa parte do grupo parlamentar, obteve 46 lugares contra 204 da lista de Sócrates, podemos compreender melhor a dimensão do resultado que obtivemos.

Se, além disso, nos lembrarmos que a lista oficial capturou a quase totalidade dos expoentes das várias alegadas esquerdas mediáticas do PS, capturou os vários expoentes da prudente radicalidade das discretas demarcações casuísticas, podemos avaliar melhor o significado dos resultados que tivemos.

A nossa moção é uma moção apontada aos problemas da organização, cujo congresso se estava a realizar; é uma moção de levantamento de problemas e de proposta de grandes linhas de orientação. Chegou ao Congresso com 1,2% dos delegados e saiu de lá com 11% da Comissão Nacional; pelo contrário, a moção oficial chegou ao congresso com 98,7% dos delegados e saiu de lá com 89,7% da Comissão Nacional.

Se nos lembrarmos que no Congresso estava apenas directamente representado cerca de um terço dos militantes do PS, podemos dizer que o conjunto dos ministros e secretários de Estado, dos deputados, dos deputados europeus, da esmagadora maioria dos autarcas socialistas, mesmo utilizando sem rebuço os meios do partido para promoção da moção oficial e da respectiva lista à Comissão Nacional, não conseguiram o apoio de mais do que 90% dos delegados. Ou seja, 90% da representação de um terço do Partido. Não podem deixar de estar preocupados

Pela nossa parte, um colectivo de militantes de base, no seio do qual não se encontra mais do que um ou dois membros da anterior Comissão Nacional, pela força de uma ambição de renovação do partido, conseguimos mais do que dez por cento da Comissão Nacional. Não podemos deixar de estar satisfeitos.

domingo, 1 de março de 2009

Discutir o PS


O texto que abaixo transcrevo reproduz integralmente uma intervenção que fiz no Congresso do Partido Socialista que hoje terminou em Espinho.

Escapar ao messianismo vazio dos amanhãs que cantam, não significa que nos conformemos com um horizonte de trevas.

A actual crise tornou evidente que ou a humanidade apressa o pós-capitalismo ou se arrisca a mergulhar no caos numa próxima crise.

É este o contexto em que nos movemos.

Por isso, um governo socialista, tendo a obrigação de gerir bem a conjuntura na sociedade que existe, de pilotar com segurança a sua evolução estrutural, não pode deixar de assumir um forte protagonismo transformador do próprio tipo de sociedade. Não pode fugir ao imperativo de acelerar a transição para um pós-capitalismo que espelhe os nossos valores e as nossas ideias. Não pode renunciar a um horizonte socialista.

De facto, é urgente proteger as vítimas da actual crise, as que sentem nas suas dificuldades materiais o drama de uma infelicidade pessoal. É indispensável tomar as medidas que evitem o caos, já, nesta crise.

Mas não se pode consentir que os seus fautores continuem em posição de causar uma nova crise.

Não se pode consentir que as instituições internacionais cúmplices do actual pesadelo, cuja aproximação nos ocultaram, prometendo-nos paraísos, continuem a receitar-nos como remédios aquilo que já se revelou serem produtos tóxicos.

Não se pode continuar a obedecer à mesma lógica, á mesma ideologia pseudo-científica que nos pôs no beco onde estamos.

Por isso, o nosso partido tem que assumir, quanto a esta crise, um protagonismo total, desligando-se por completo da ganga ideológica que multiplicou equívocos nas últimas décadas. Não pode ceder ao conformismo das rotinas, não se pode deixar ir na corrente, esperando melhores dias.

Mas para isso tem que ser muito mais do que uma simples rede de comités eleitorais. Muito mais do que um colectivo em que só estão permanentemente activos, eleitos locais, deputados, membros do governo e seus assessores, e um ou outro responsável político local. Não pode continuar a ser um organismo adormecido que acorda esporadicamente em sobressaltos de vida.

Tem que iniciar desde já um enérgico caminho de renovação. E para isso as propostas da moção “ Mudar para mudar” são um contributo incontornável.

Propostas como as eleições primárias, o aperfeiçoamento democrático das eleições internas, a separação entre política e negócios, tornada transparente por mecanismos públicos de controle, são medidas urgentes que não podem mais ser adiadas.

E se elas, já hoje, são urgentes, mais o serão no futuro se quisermos um PS à altura dos desafios que o esperam.

De facto, a marcha do tempo e a força da actual crise vão impor que qualquer governação socialista se articule com outros protagonismos sociais e culturais, que induzam directamente na sociedade dinâmicas convergentes com ela e com as políticas autárquicas conduzidas sob a mesma responsabilidade.

E é por isso que um governo socialista que se queira transformador, assumindo por completo o seu papel histórico, tem que ter o apoio de um partido capaz de ser uma força impulsionadora de dinâmicas sociais que potenciem, numa sinergia virtuosa, os resultados da sua governação.

Verdadeiramente, no futuro, um partido socialista para estar à altura da sua identidade histórica e da sua ambição futurante tenderá a ser um movimento social.

Discutir o partido não é, por isso, um desvio que nos afaste do essencial. Discutir o Partido com a ambição de o transformar é, hoje, a mais essencial das urgências estratégicas.