sábado, 14 de janeiro de 2017

UM LIVRO, UM POETA - 15

Hoje, vou recordar  Vinicius de Moraes, poeta brasileiro do século XX [ Rio de Janeiro -1913/1980] que se espraiou pela vida com alegria e genialidade. Diplomata, cronista e jornalista, intrometeu-se na música brasileira, misturando verbo, voz e música, na sua fraternidade boémia com Tom Jobim, João Gilberto e Chico Buarque. Usando o seu próprio modo de dizer, como poeta voou alto.

Lembro hoje, dois dos seus poemas  incluídos na 17ª edição do seu "Livro de Sonetos", publicada no Rio de Janeiro pela José Olympio Editora em 1987. Num deles Vinicius homenageia Pablo Neruda, noutro exalta o futebol brasileiro através do lendário Garrincha.

Como evocação adiciono uma fotografia que ilustra a passagem de Vinicius por Coimbra, nos anos 60.




Soneto a Pablo Neruda

Quantos caminhos não fizemos juntos
Neruda, meu irmão, meu companheiro...
Mas este encontro súbito, entre muitos
Não foi ele o mais belo e verdadeiro?

Canto maior, canto menor — dois cantos
Fazem-se agora ouvir sob o Cruzeiro
E em seu recesso as cóleras e os prantos
Do homem chileno e do homem brasileiro

E o seu amor — o amor que hoje encontramos...
Por isso, ao se tocarem nossos ramos
Celebro-te ainda além, Cantor Geral

Porque como eu, bicho pesado, voas
Mas mais alto e melhor do céu entoas
Teu furioso canto material!

[Atlântico Sul, a caminho do Rio, 1960

O anjo das pernas tortas


A um passe de Didi, Garrincha avança
Colado o couro aos pés, o olhar atento
Dribla um, dribla dois, depois descansa
Como a medir o lance do momento.

Vem-lhe o pressentimento: ele se lança
Mais rápido que o próprio pensamento
Dribla mais um, mais dois; a bola trança
Feliz, entre seus pés ─ um pé-de-vento!

Num só transporte a multidão contrita
Em ato de morte se levanta e grita
Seu uníssono canto de esperança.

Garrincha, o anjo, escuta e atende: ─ Goooool!
É pura imagem: um G que chuta um o
Dentro da meta, um 1. É pura dança!


                                                          [Rio, 1962]

************ 

Em Coimbra, nos anos 60, na República Baco, confraternizando com estudantes,Vinicius, de óculos escuros, com o braço sobre o ombro de Joaquim Namorado. De costas no primeiro plano, Zé Niza; mexendo no nariz, Quim Brandão.


sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

UM LIVRO, UM POETA - 14


UM LIVRO, UM POETA -14


1. Incluí neste blog uma série de evocações de poetas que , por uma ou outra razão, por um ou outro poema, produziram em mim um eco mais fundo. Fi-lo através de uma seção específica, “Um livro, um poema”, mas que por vezes incluiu para cada autor mais do que um poema.

Desde 2 junho de 2015 que a interrompi. Até então, a um ritmo irregular havia recordado: Daniel Filipe, G. Ungaretti, Carlos de Oliveira, Manoel de Barros, Egito Gonçalves, B.Brecht, Reinaldo Ferreira, João Cabral de Melo Neto, Pablo Neruda, Sidónio Muralha, Manuel Bandeira, Cesário Verde e António Nobre.

Uma e outra vez decidi retomar essas evocações. Por uma razão ou por outra, isso foi não acontecendo.

O facto de, na homenagem prestada no Mosteiro dos Jerónimos a Mário Soares aquando da sua recente morte, ter sido incluída a transmissão de dois poemas  de Álvaro Feijó declamados por Maria Barroso, foi o impulso que me fez retomar a série há tanto interrompida. Vou pois transcrever esses dois poemas: “ Os dois sonetos de amor da hora triste”.

Embora  dando continuidade à série, vou introduzir uma ligeira alteração na sua designação que passará a ser: “ Um livro, um poeta”. Ela traduz mais fielmente o que ela tem sido e que penso que venha a ser.


2.Álvaro Feijó nasceu em Viana do Castelo em 1916 e morreu em Coimbra em 1941, onde era estudante de direito, antes de completar 25 anos. Com outos jovens estudantes de Coimbra , como Joaquim Namorado, Carlos de Oliveira, João José Cochofel e Fernando Namora, fez parte do grupo neo-realista  do Novo Cancioneiro. Um livro seu viria a ser publicado nesta coleção já depois da sua morte sob o título de :”Os poemas de Álvaro Feijó”.


                                                              [ Álvaro  Feijó]

Os dois sonetos de amor da hora triste



Quando eu morrer - e hei-de morrer primeiro
do que tu - não deixes fechar-me os olhos
meu Amor. Continua a espelhar-te nos meus olhos
e ver-te-ás de corpo inteiro

como quando sorrias no meu colo.
E, ao veres que tenho toda a tua imagem
dentro de mim, se, então, tiveres coragem,
fecha-me os olhos com um beijo.

Eu, Marco Pólo,

farei a nebulosa travessia
e o rastro da minha barca
segui-lo-ás em pensamento. Abarca

nele o mar inteiro, o porto, a ria...
E, se me vires chegar ao cais dos céus,
ver-me-ás, debruçado sobre as ondas, para dizer-te adeus.

II
Não um adeus distante
ou um adeus de quem não torna cá,
nem espera tornar. Um adeus de até já,
como a alguém que se espera a cada instante.

Que eu voltarei. Eu sei que hei-de voltar
de novo para ti, no mesmo barco
sem remos e sem velas, pelo charco
azul do céu, cansado de lá estar.

E viverei em ti como um eflúvio, uma recordação.
E não quero que chores para fora,
Amor, que tu bem sabes que quem chora

assim, mente. E, se quiseres partir e o coração
to peça, diz-mo. A travessia é longa... Não atino
talvez na rota. Que nos importa, aos dois, ir sem destino.

domingo, 8 de janeiro de 2017

HOMENAGEM EM CONTRA-MÃO A MÁRIO SOARES



                                                         [ retrato oficial -pintura de Júlio  Pomar]

Nestes dias mais próximos, vão cair sobre Mário Soares todas as palavras de pesar que a nossa imaginação alcança. Vão bater-lhe à porta, quer as memórias sentidas de muitos amigos, quer  a dor calorosa e triste do povo.

Justamente, vão alinhar-se junto ao seu nome as maiores solenidades discursivas. Os mais eloquentes cultivarão, graves, o sabor das grandes frases. As pompas mais crepusculares deitarão as suas sombras sobre as ruas.

Se Mário Soares se desse ao trabalho de acordar por um momento, deixaria  certamente escorrer ligeiramente pelo seu rosto cansado a ponta de um sorriso e libertaria a sua ironia mais funda para que se espreguiçasse um pouco.

Quem tenha escrito o que eu acabo de escrever não pode associar-se, pura e simplesmente, ao coro das homenagens , mesmo  que se  limite  a deixar uma palavra de tristeza e o esboço convencional de uma  esperança coletiva, ainda que ténue,  que possa fazer  pensar que valeu a pena a gesta do homenageado.

Tem que procurar abrir alguma janela, ainda que pequena e forçosamente breve. Ora, estava eu à procura dessa fugidia janela de arejamento, quando me recordei da metáfora do caçador que talvez um dia eu tenha inventado.

Diz ela que era uma vez um  caçador que sabia tudo acerca da caça. Sabia tudo acerca dos coelhos, sabia tudo acerca das perdizes. Sabia exatamente como aproveitar  cada cão em cada momento da caçada. Quando treinava tiro ao alvo, acertava sempre no mais íntimo do centro. Pontuação máxima.

Começada a caçada, lançados os coelhos na desesperada fuga, o genial  caçador, lesto e rápido, disparava. Mas era o cão que gania sofredor, enquanto  o coelho continuava a sua louca desfilada, escapando. Súbita,  soltava-se a perdiz matreira num voo inesperado. O  caçador, forte da sua vasta erudição,  disparava. O chapéu do vizinho voava e a perdiz, essa, perdia-se nos  insondáveis arbustos.

Mas Mário Soares era um outro tipo de caçador: precisamente o oposto.  Sabia sobre coelhos e sobre perdizes apenas o que lhe dava prazer saber, o que lhe apetecia saber.  Dos cães, limitava-se a ser amigo. Não tinha paciência para treinar tiro ao alvo. Não treinava. Caçava.

E , no entanto, aberta  a caçada, não há memória de que alguma vez tenha  acertado num cão e muito menos de que tenha feito voar  o chapéu de um companheiro de caça.  Mas as perdizes não lhe escapavam; os coelhos muito menos. Tiro e queda. Com naturalidade e alegria.


E com um detalhe que não devemos esquecer: as suas felizes caçadas foram a nossa vida.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Inscrições até ao próximo dia 6 de janeiro

Pós-Graduação em Economia Social - 2016/2017.



Exmos/as Senhores/as,

Os estudos pós-graduados são hoje parte fundamental da missão universitária.

É com grande satisfação que vimos informar que se encontram abertas, até ao próximo dia 6 de janeiro de 2017, as candidaturas de Acesso à Pós-Graduação em Economia Social – Cooperativismo, Mutualismo e Solidariedade para o ano letivo 2016/2017.

No âmbito do Prémio Cooperação e Solidariedade António Sérgio, na categoria “Formação Pós-Graduada”, atribuído a esta Pós-Graduação em 2014 pela CASES – Cooperativa António Sérgio para a Economia Social, 5 estudantes selecionados nesta Pós-Graduação e que não possuam “meios para autofinanciar a sua participação“ poderão candidatar-se a Bolsa de Estudo, no valor de 300,00€ cada, relativa ao montante da propina.

As candidaturas são feitas online. Poderá encontrar mais informações na página web da FEUC.

Se quiser obter algum esclarecimento adicional ou mais informações sobre o curso e o seu funcionamento, não deixe de contactar a Escola de Estudos Avançados da FEUC (eea@fe.uc.pt | Telef. +239 790 501/510).

Esperamos por si!

domingo, 1 de janeiro de 2017

Um Bom Ano de 2017



Com este meu poema, a que junto uma vez mais a imagem de uma pintura de Salvador Dali, dirijo a todos vós cordiais votos de um bom ano de 2017.




 Nós e o novo ano

o tempo é uma brisa que incendeia
o secreto perfume de quem somos

passa por nós trazendo num sorriso
o incerto vigor de um ano novo

no grão azul que atravessa o espaço
somos o espanto que sonhou a vida

somos viagem  como  o pensamento
a cólera  do vento   o chão  da História

colhemos o que queremos semear
nesta terra lavrada que inventamos

se a garra do destino nos cercar
seremos mais e mais o que há de vir


           [dezembro de 2016- Rui Namorado]