segunda-feira, 30 de maio de 2016

BRASIL - o golpe sem disfarces


O jornalista e publicista brasileiro  Mino Carta é uma referência intelectual e política no panorama mediático do país irmão. Situado à esquerda, lúcido e imparcial, ajuda-nos sempre a compreender melhor os temas de que nos fala. É um dos responsáveis pela qualidade da revista de grande circulação onde escreve, a CartaCapital.
É da respetiva página virtual que retirámos o texto da sua autoria que abaixo transcrevemos. Um texto datado de 30 de maio, com um título sugestivo:

“O golpe sem disfarces”.
As conversas gravadas por Sérgio Machado, e até o momento divulgadas pela Folha de S.Paulo, imprimem novo ritmo e novo rumo à manobra golpista que afastou Dilma Rousseff e entregou o governo interino a Michel Temer, o arguto professor de Direito Constitucional que rasga a Constituição.
Na semana passada permitia-me prever a provável separação entre o poder togado e o poder parlamentar, unidos pelo e no golpe. A hipótese agora se fortalece, e a confirmação vem da própria mídia nativa. Não folheava os jornalões desde a aprovação do impeachment pela Câmara e a partir de segunda 23 passei a ler suas sessões políticas.
Na terça, elegia-se Romero Jucá a bode expiatório e como questão central apontava-se o “pacto” aventado na conversa entre Machado e o ex-ministro para estancar a sangria desatada da Lava Jato.
A verdade factual sacramenta outra evidência, ao alcance da compreensão até do mundo mineral: ocorrido em março passado, o fatídico diálogo é, em primeiríssimo lugar, a prova irrefutável do golpe em marcha, e apresenta inclusive as forças envolvidas na trama. Ali se estabelece a premissa indispensável ao propósito do “pacto”, derrubar Dilma. 
Perguntei aos meus estupefactos botões como haveria de revidar o poder togado à ameaça do poder parlamentar. Mais, de que lado ficariam a casa-grande e a mídia nativa. Antes que respondessem, Temer entra em cena e joga a carta do pacote econômico do ministro Meirelles, o homem de todas as estações, a quem certamente não faltou a colaboração de José Serra.
De quem recordo uma frase retumbante, pronunciada na cozinha da minha casa, durante a campanha eleitoral de 2002, enquanto jantávamos um risotto ai porcini: “Eu sou muito mais de esquerda do que o Lula”.
Pois na tarde de terça os economistas do governo interino, vendilhões do País, firmaram a rendição ao mais cruel neoliberismo, a doença que uma centena de multinacionais, especuladores e rentistas impõe ao mundo para condenar à miséria a larga maioria e enriquecer mais e mais uma ínfima minoria. Comedida, a mídia de quarta celebra em manchetes o corte de gastos prometido pelo pacote e deixa em segundo plano a sua essência nefasta.
Convoco novamente os botões: por quê? Parece óbvio que uma súbita dúvida assola a casa-grande. O caminho do golpe tenderia a bifurcar-se, e a encruzilhada exige meditação profunda ao tornar possível, quem sabe provável, uma escolha. Temer e o Congresso ou Moro e o Supremo? A leitura dos jornalões induz os botões a acentuarem a gravidade do momento e a dificuldade da opção.
Na quarta, a Folha coloca em manchete o anúncio do corte dos gastos do governo e relega um novo diálogo dos idos de março, entre o mesmo Machado e Renan Calheiros, a uma chamada modesta na primeira página e relato na quarta. Soletram os botões: mais uma conversação edificante para confirmar o golpe, o pavor da Lava Jato de quem tem culpa em cartório e o envolvimento do Supremo na grande tramoia urdida contra o Brasil.
A terceira conversa gravada, entre machado e José Sarney, a menos significativa, revela apenas a intenção do ex-presidente de livrar Machado do julgamento de Moro, ao mexer pauzinhos não declinados.
CartaCapital preocupa-se com o destino do País brutalmente desigual e pratica o jornalismo com honestidade e fidelidade canina à verdade factual. Fato é que o governo Lula representa a quadra mais feliz na história do Brasil em termos de paz e bem-estar interno e prestígio internacional. 
O ex-metalúrgico soube implementar um começo de política social e promover uma política exterior independente. Contou com uma conjuntura mundial favorável, e este é fato, assim como é fato que o PT no poder se portasse como todos os demais partidos.
Dilma Rousseff não tem o carisma e o extraordinário tino político de Lula e cometeu erros graves de pontos de vista variados. Em boa parte manteve, porém, as políticas sociais do antecessor, ao meio de uma situação econômica cada vez mais adversa. Além disso, trata-se de uma cidadã correta, corajosa e muito bem-intencionada. Talvez um tanto ingênua, murmuram os botões.
Ouço-os, a despeito do tom opaco: seria bom saber como reagiu às razões de João Roberto Marinho, chamado em Palácio para escutar queixas em relação à constante agressividade global, sempre disposta a inventar, omitir e mentir.
Sustentou então o herdeiro do nosso colega Roberto não mandar nos seus empregados jornalistas, livres de propalar o que bem entendem, e, de resto, não ter condições de impedir o efeito manada na direção do golpe. Que fez a presidenta? Caiu das nuvens? Respondeu à altura a tamanha desfaçatez? De todo modo, como se deu que pudesse esperar por outro comportamento?
Cabem mais interrogações: que disse Dilma ao chamar o presidente do STF para discutir as posições do Supremo na perspectiva do golpe e ouvir a reivindicação de aumento de salário? A situação se apinha de dúvidas e incógnitas. Por exemplo. Os efeitos do pacote econômico, bastante agradáveis para a casa-grande, são altamente daninhos para um povo acostumado há tempo a manifestar sua insatisfação por ruas e praças.
Outra incógnita diz respeito ao inter do processo de impeachment, a prever no espaço máximo de 180 dias a sessão definitiva do Senado, presidida pelo ministro Lewandowski, não se sabe se já premiado pelo invocado aumento.
Na entrevista a CartaCapital da edição passada, a presidenta afastada referia-se à possibilidade de conquistar seis votos no Senado, de sorte a invalidar a maioria que a afastou. De fato, basta reverter dois votos em relação ao resultado da primeira sessão. A chance não teria crescido diante dos últimos, surpreendentes eventos?
Há quem volte a falar em eleições gerais antecipadas, quem sabe para outubro de 2017. Solução sensata demais para ser viável. Ideal mesmo, declaram soturnamente os botões, seria refundar o Brasil, tão favorecido pela natureza e infelicitado fatalmente por uma dita elite, prepotente, arrogante, hipócrita, corrupta, egoísta e incompetente. Ah, sim, ignorante. E movida a ódio de classe.
Abandono-me ao devaneio ao imaginar a convocação de uma Constituinte finalmente exclusiva. E me vem à memória a lição de Raymundo Faoro, contida em um dos seus livros mais recentes, A Assembleia Constituinte – A legitimidade recuperada.
Comenta Faoro a crença de que “só revoluções vitoriosas podem convocar Constituintes”. E emenda: “Na verdade, sempre que há crises ou colapso de uma ordem constitucional, ela só se recompõe pela deliberação constituinte, a deliberação constituinte do povo, se democrático o sistema a instituir”. 


domingo, 29 de maio de 2016

A mentira tem perna curta



O esclarecimento que abaixo se transcreve mostra a má-fé  do movimento de colégios privados que tem  pressionado o Ministério da Educação do actual Governo, procurando levá-lo a subordinar-se aos seus interesses particulares. 
É um exemplo relevante do modo insidioso como tem tentado levar a água ao seu moinho mesmo estropiando a verdade.



terça-feira, 24 de maio de 2016

BRASIL - o filme de terror cai no ridículo

  O mordomo e o porteiro ( Temer e Jucá ): sorrir sim, mas devagar.

Escrevendo a partir do Rio de Janeiro, o jornalista brasileiro Eric Nepomuceno publicou no jornal argentino Página 12  o texto que abaixo se transcreve, na sua versão original em língua espanhola. É um texto claro e contundente, tal  como outros do mesmo autor que já difundi neste blog.

Fica escandalosamente ás claras o sentido da urdidura que levou á demissão de Dilma e a nulidade ética dos que a conduziram. Não é apenas um derrube de um governo legítimo, por abuso e desvio de uso de um meio jurídico previsto para responder a outro tipo de factos ilícitos. Não é apenas um grosseiro atentado à democracia. É uma sujeira política e ética.

 Leiam com atenção até ao fim, para poderem estranhar a circunstância de só ter sido revelado agora algo que ocorreu antes da suspensão de Dilma e que certamente teria esvaziado por completo a aparência de legalidade de que se tentou revestir o golpe. É a vergonhosa parcialidade do complexo mediático-informativo e a insidiosa bipolaridade do poder judicial.

O título do texto é sugestivo: Confesiones de un golpista”. Não percam:
Parte inferior do formulário
En un diálogo filtrado a la prensa, uno de los hombres de confianza de Temer deja claro que derrumbar a Rousseff era esencial para “frenar la sangría” que amenaza a un sinfín de políticos investigados por el esquema de corrupción de Petrobras. Ese hombre es Jucá, quien ayer se tomó licencia de la cartera de Planificación.
Once días: ese el tiempo necesario para el primer gran escándalo del gobierno interino del vicepresidente en ejercicio Michel Temer. Mientras el gobierno trata de lograr legitimidad y deshacer la imagen de que lo que ocurre en Brasil es un golpe institucional bajo una farsa jurídica, uno de sus hombres de confianza, Romero Jucá, ministro de Planificación, aparece en una grabación detallando precisamente los pasos de ese golpe. Y más: deja claro a su interlocutor que derrumbar a Dilma Rousseff y poner a Michel Temer en su lugar era esencial para “frenar la sangría” que amenaza a un sinfín de políticos, es decir, detener las investigaciones de la Operación Lava Jato (Lavado Rápido) sobre el esquema de corrupción en la Petrobras.
Si había alguna duda sobre lo que efectivamente ocurre, lo que se supo ayer elimina cualquier resquicio. Jucá confiesa que la idea era librarse de la presidenta y, con el respaldo de ministros del Supremo Tribunal Federal, y el visto bueno de “algunos generales y comandantes importantes” de las Fuerzas Armadas, instalar a Michel Temer en la presidencia.
La verdad es que el anunciado “gobierno de salvación nacional” nació de la necesidad de salvar a un puñado de políticos de la justicia. Ocho de los 24 ministros nombrados por el vicepresidente en ejercicio están enredados con la ley. El mismo Temer es investigado. Además, el golpe institucional sirvió para regalar al PSDB lo que las urnas electorales negaron en los últimos 13 años: parcelas del poder.
Al anochecer de ayer Jucá anunció en una conferencia de prensa que había “un pedido de licencia”. El vicepresidente en ejercicio, a su vez, agradeció “la dedicación y el trabajo competente” de su auxiliar.
Jucá fue ministro por escasos días, y no llevó a cabo trabajo alguno. Lo más probable es que el agradecimiento de Temer esté relacionado a la intensa labor que Jucá tuvo en la organización del golpe institucional que logró alejar a una mandataria elegida por 54 millones 500 mil votos.
El contenido de las conversaciones ocurridas en marzo entre el entonces senador Romero Jucá y Sergio Machado, quien por diez años (hasta 2015) presidió la Baspetro, brazo logístico de Petrobras, es escalofriante. Machado, investigado por Lava Jato, fue indicado para el puesto por el actual presidente del Senado, Renan Calheiros. Era, por lo tanto, de la cota del PMDB. Denunciado por corrupción, se mantuvo al abrigo del foro privilegiado de otros investigados en el mismo caso, es decir, senadores y diputados.
Asustado por la posibilidad de ser despachado directamente para las manos del juez de primera instancia Sergio Moro, recurrió a sus padrinos. Al mismo tiempo, negociaba con la Procuraduría General de la Unión un acuerdo de “delación premiada”, que asegura penas blandas a quien revele lo que sabe.
Como prueba de lo mucho que puede revelar, grabó, de manera clandestina, conversaciones telefónicas con Romero Jucá y otras, que tuvo personalmente, con el expresidente José Sarney, así como con su padrino principal, Renan Calheiros, que preside el Senado.
El contenido de sus grabaciones con Sarney y Calheiros no ha sido divulgado. Sin embargo, fuentes de la Procuraduría y de la Policía Federal ya hicieron llegar a la prensa el comentario de que, comparadas a las de los dos, las grabaciones de Jucá “no son nada”. Es decir, bombas aún más poderosas explotarán a cualquier momento.
En un claro gesto de que estaría dispuesto a interferir en la Justicia, Romero Jucá dice, a cierta altura, que sería necesaria una “acción política” para impedir que la denuncia contra Machado fuese enviada al juez Sergio Moro. Esa acción política sería la llegada de Temer al poder. Así se abriría la posibilidad de establecerse un “pacto nacional” que abarcaría el Supremo Tribunal Federal, y “todo sería estancado, delimitado” en el punto en que se encuentra. En otras palabras, la causa “Lava Jato” no avanzaría un milímetro más, librando varios cuellos de la guillotina, entre los cuales estarían los de Machado, de Jucá y otros poderosos políticos.
En una de las conversaciones grabadas, Jucá asegura a Machado que venía manteniendo encuentros con “varios ministros del Supremo Tribunal Federal”, sin mencionar nombres. Sus interlocutores en la instancia máxima de la justicia dejaron claro, acorde a Jucá, que sin Dilma Rousseff en la presidencia la presión de los medios hegemónicos de comunicación y otros sectores para la continuidad de la “Lava Jato” bajaría sensiblemente.
A otra altura, Machado advierte a Jucá: “Romero, ellos (el Supremo Tribunal Federal) nos quieren atrapar a todos”. Agrega que eso incluye el PSDB, y pregunta si “ellos se han dado cuenta”. Jucá contesta que sí, y nombra específicamente a Aécio Neves (derrotado por Dilma en 2014) y José Serra (ministro interino de Relaciones Exteriores), entre otros. Comenta que “están todos en una bandeja, listos para ser comidos”, al que Machado contesta que “el primero a ser comido será Aécio”.
Jucá, al comentar sus contactos con “altos jefes” militares, asegura haber sido informado de que las Fuerzas Armadas “están monitoreando el MST”, en alusión a los Sin Tierra.
La transcripción de una hora y quince minutos de varias llamadas telefónicas dejan claro que Machado conducía las conversaciones de manera tal que Jucá se incriminase. Igualmente muestran que Jucá no imaginaba, ni por un momento, que su interlocutor estaba preparando material para negociar con los tribunales.
Si para Michel Temer ya era ingrata la tarea de alcanzar legitimidad y dejar claro que todo lo que pasa obedeció rígidamente a la Constitución, y que hablar de golpe institucional es absurdo, ahora se hizo una tarea hercúlea.
Un detalle: por mucho menos el entonces senador Delcidio Amaral fue detenido y su mandato cancelado. Desde marzo la justicia tenía en manos la transcripción de las conversaciones entre Jucá y Machado.
De haberlas divulgado antes, Dilma Rousseff seguiría en la presidencia. Por qué solamente ahora llegan a la opinión pública es algo que las autoridades judiciales tienen por obligación justificar.


segunda-feira, 16 de maio de 2016

Brasil – o tempo dos mordomos?


Brasil – o tempo dos mordomos?

Era uma vez um mordomo de um filme de terror. Era um mordomo engomado, vestido de um cinzento nocturno, talvez soturno. Uma brilhantina, cheirando a antigo, domava-lhe fortemente o cabelo. Um sorriso fino como lâmina saía-lhe friamente dos lábios. Os seus passos quase de veludo não se sentiam. Deslizava. Seria um corvo, se voasse. Olhado com os olhos da alma parecia chegar do reino das sombras.
Mágico, seduzia os humanos como um encantador de serpentes. Mas o seu estilo subtil e deslizante fazia dele próprio uma serpente. Uma serpente lenta, persistente, sem pressas.  A seu lado as pessoas abertas, solares, frontais, pareciam crianças generosas e descuidadas que arriscavam a vida quando deixavam a serpente deslizar entre elas. Respeitoso, solene, discreto, o mordomo do filme de terror , como impiedosa aranha refinava e aguçava o seu veneno. Aperfeiçoava-o um dia após outro, tornando-o irremediavelmente fatal.
Quando foi preciso que a chefe dos guerreiros tivesse alguém a seu lado, pensou-se num general que fosse inteiro e leal, ou  num poeta que cativasse as musas, ou  num político arguto que desvendasse todos os labirintos, ou num jurista que conhecesse todos os alçapões legais. Hesitou-se. Tergiversou-se. Talvez não fosse necessário. O mordomo de um filme de terror estava ali. Disponível, solícito, suave. Sem ruído, sem ondas, ostensivamente sem ambição. Sem perigo, portanto. Cómodo, fácil, simples. E ficou. Silencioso e sombrio com um leve sorriso desembainhado, à disposição da guerreira, aceitando a sombra da guerreira, da chefe, como uma quietude desejada, um bálsamo.
A água correu debaixo das pontes, o sol escondeu-se e reapareceu. Uma vez, muitas vezes. Os morcegos cegos do dinheiro, o lixo negro das ruas, os punhais sem pudor da traição cercaram a guerreira, cercaram os guerreiros, enredaram os poetas, secaram os generais limpos, corroeram os políticos verticais, mancharam a parede branca da justiça. As espadas da barbárie acordaram de novo. A guerreira foi cercada.
O mordomo sai então lentamente da sombra como a última serpente de todas as desgraças.
Despe  a aura de humildade que o cobria. Desembainha-se sem pudor como punhal  e vai directo ao coração da guerreira, com um esgar final de prazer e traição. Espalha-se um perfume negro por toda a planície. Parece ter aumentado a tristeza dos rios.
A guerreira desce lentamente uma  rua rodeada de outonos. Com amargura , mas sem rendição. O mordomo fica à porta olhando o horizonte com o sorriso de sempre  , talvez um pouco mais frio, mais cinzento, mais breve.
Matilhas de sombra vão chegando ao Palácio. Estranha gente, vergada e untuosa. Antigos vassalos de outros senhores, servindo agora na mediocridade doce do tempo dos mordomos.

No livro negro da República, escreveu-se em gelo um novo ensinamento: “ Se deixares os mordomos de filmes de terror chegarem ao coração dos teus poderes, corres o risco de te transformares,  tu própria, num filme de terror”.

domingo, 8 de maio de 2016

A educação é um eixo do Estado democrático, não é um negócio!



A educação é um eixo do Estado democrático, não é um negócio!

1. O actual governo, sem qualquer brusquidão, pretende começar a reverter uma deriva histórica de captura dos dinheiros públicos por negócios privados no campo da educação, que há décadas se vinha instalando. Procura, assim, ir reduzindo  as práticas desviantes em curso, de modo a reconduzi-las  a uma consonância plena com o disposto na nossa Constituição e a uma harmonia com uma verdadeira racionalidade económica nos gastos públicos. Uma racionalidade que uma parte dos que hoje se desdobram em alaridos públicos tanto acarinham, quando se trata de a traduzir em perda de direitos para os trabalhadores e em degradação dos serviços públicos.
Não podemos deixar de lamentar o uso ilegal e abusivo de milhares de crianças para servirem, em actos públicos de propaganda política, interesses privados e corporativos, tenham ou não o consentimento dos pais. De facto, como se sabe, a protecção dos menores é um bem público ao qual está ligado a correspondente protecção. Sabemos que nem todos os que protestaram o puseram em prática, mas alguns o fizeram; e é apenas a esses que censuramos.
Não podemos também deixar de lamentar a agressiva corrosão dos direitos laborais e profissionais de muitos professores, perpetrada por entidades que auferem apoios públicos, mas não respeitam a dignidade laboral constitucionalmente garantida. Ainda neste caso, não visamos, evidentemente, quem assim não proceda, mas é público que são muitos os casos em que isso acontece.
Dificultada e contida a caça aos dinheiros públicos por interesses privados egoísticos no campo da educação, é tempo de (com o natural respeito pelos compromissos legal e legitimamente assumidos na medida em que realmente o tenham sido) se racionalizar de vez o sector. Um primeiro passo talvez seja o de distinguir no ensino que não é público as vertentes que realmente o compõem. Ou seja, o ensino concordatário ligado à Igreja Católica, o ensino cooperativo e o ensino privado lucrativo. Haverá que ponderar nesse registo, se é justificado um tratamento específico para entidades cuja titularidade pertença a organizações não cooperativas da economia social que  não estejam ligada à Igreja Católica,  o mesmo se passando quanto a entidades tituladas por outras Igrejas ou Religiões. Haverá, é claro,  regras comuns, mas certamente que haverá um eco das diferenças entre estes vários tipos de entidades, no modo como o Estado se deve relacionar com elas no campo da educação.
Será talvez este o momento de se constituir uma comissão cívica por iniciativa do governo e com apoio na Assembleia da República que, de antemão despida de qualquer ambição sancionatória, elabore um livro branco sobre a criação dos colégios privados, para que se fique a saber quais os colégios privados que foram criados no exercício normal de um direito de iniciativa, sem qualquer atropelo da legalidade nem qualquer recurso ao tráfico de influências; e se houve outros que materializaram uma verdadeira captura de dinheiros públicos, facilitada pela complacência ou cumplicidade de decisores políticos.
Em paralelo, poder-se-ia apurar quais os estabelecimentos que têm vivido com plena lisura e sem favorecimentos; e quais os que eventualmente tenham beneficiado ( se for esse o caso) de favores ilegítimos dos poderes públicos. A comissão cívica para a transparência na educação apenas apuraria a verdade, havendo o compromisso prévio de que, das suas conclusões, não seriam extraídas consequências sancionatórias para as organizações. Se fosse caso disso, os responsáveis por falhas políticas seriam identificados sem excepções nem tergiversações, mas sem que a comissão tivesse qualquer competência sancionatória também neste caso.
Seria assim mais fácil defender e tornar evidente o interesse público e salvaguardar os interesses de todas as pessoas e instâncias envolvidas na educação, que sempre se tenham comportado dentro da legalidade e da decência.

2. Nesta conjuntura, vale a pena lembrar que em Julho de 2011, um conjunto de 45 militantes do PS, dois terços dos quais residentes em Coimbra, tornaram público um Manifesto para uma renovação socialista.
Na sua nota de abertura sublinhava –se o facto de ele não ser integrável na disputa pela liderança do PS que tinha sido desencadeada, quando já estava em curso a sua preparação. Isso não o impedia de se assumir como uma intervenção na vida interna do partido. E concluía: “ no mundo actual, o imediatismo excessivo, com a sua correspondente desconsideração pela vertente estratégica dos problemas, pode acabar por se traduzir, afinal, numa incapacidade para os compreender”.      
E quanto à educação, dizia o manifesto no seu ponto 8.3.: “A educação é um processo de transformação das pessoas, através do conhecimento, é um factor de integração social, hoje indispensável para a impregnação cultural dos seres humanos. Sendo o direito à educação um direito humano fundamental, a aprendizagem ao longo da vida é um elemento integrante do processo de repartição do trabalho, do lazer e do rendimento, um campo central da transformação da sociedade. Como agente dessa transformação, o Estado é o responsável por um sistema público de educação, o qual é um elemento estruturante de qualquer democracia como factor insubstituível do seu reforço e como índice da sua qualidade.”

3. É à luz do que é estruturante, futurante e promotor de uma sociedade justa que se deve encarar e resolver este problema no quadro jurídico-constitucional que é o nosso.
Os socialistas têm por isso que encarar esta problemática a partir dos seus valores e da sua visão humanista, igualitária e emancipatória do mundo em que vivemos.
Não devem deixar-se impressionar pelo ruído propagandístico baseado em interesses corporativos ou oligárquicos, ou fruto de equívocos gerados por ilusões mistificatórias de quem, julgando estar a bater-se por direitos próprios, está afinal a ser instrumentalizado por interesses alheios.
A educação não é um serviço. É um elemento essencial de qualquer Estado verdadeiramente democrático. Num país como Portugal, inserido numa união de Estados e integrado num mundo como é o de hoje, a educação pública é um elemento essencial da independência nacional, da sobrevivência autónoma da nossa cultura e da nossa identidade de povo que se autogoverna há muitos séculos.

Por isso, lhe é dado o lugar que tem na ordem jurídico-constitucional portuguesa.

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Perspetivas eleitorais em Espanha

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quarta-feira, 4 de maio de 2016

DESAPARECIDO POR ABSORÇÃO!



DESAPARECIDO POR ABSORÇÃO!

Tem vindo lentamente a desaparecer o recém-eleito Presidente da República. Uma ou outra vez, vem ainda à tona como se estivesse a afogar-se e pedisse a desesperadamente por socorro.

Paulatinamente, insidiosamente, tem vindo a ser substituído por Marcelo Rebelo de Sousa, comunicador exuberante, adepto entusiasta do Sporting de Braga, político ágil, católico piedoso, circunspecto professor de Direito, constitucionalista criativo, nadador intensivo, expoente mediático-televisivo. Marcelo ocupa já a maior parte do Presidente ,  num paroxismo de movimento e de exposição que deixa o povo ora delambido, ora entusiasmado, ora espantado, ora divertido. Mas nos mais céticos desponta uma sombra de receio. Um receio ainda vago. Indefinido. Mas incómodo.


Enfim, há o risco de em breve ser necessário um aviso público que preencha o vazio epostoflante que grassa no Palácio de Belém : “Desapareceu o Presidente da República. Suspeita-se que tenha sido absorvido por Marcelo Rebelo de Sousa !!! “.