segunda-feira, 30 de junho de 2008

Pixordices 16 - À sombra dos factos


Transcrevo do DN de hoje o pequeno extracto que se segue:


“Segundo apurou o DN, os dirigentes do PS/Algarve esperavam reunir no jantar com José Sócrates, pelo menos 1.500 dos cerca de 4.000 militantes existentes na região. Contudo, apenas terão estado no Pavilhão Arena cerca de 700 pessoas.”

Eis uma notícia, que, apesar de não ferir ninguém, tem um carácter, claramente, tendencioso, sendo exemplar, como ilustração do que é a “objectividade” de uma boa parte da imprensa portuguesa.

Efectivamente, o facto objectivo é a presença de 700 militantes socialistas num jantar realizado no Algarve. Teria sido perfeitamente legítimo comparar esse facto com outros factos paralelos, ou realizados noutras ocasiões. Por exemplo, com jantares idênticos realizados pelo PS no Algarve; ou com jantares recentes, realizados pelo PS noutros locais; ou até com jantares recentes promovidos por outros partidos no Algarve. Teria sido natural interpretar e comentar essas comparações de factos, sublinho, de factos.

Mas, comparar um número de efectivas presenças, com uma vaga alusão ao que teriam esperado fontes não identificadas, acaba por ser uma tentativa grosseira de desvalorizar o significado daquele número de presenças.


Criticar o PS ou o Governo é natural e legítimo, mas fingir que se está a emitir uma informação, quando se está a embrulhar essa informação num discurso apoucador, é pura “pixordice” jornalística.

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Pixordices 15 - O silêncio dos indecentes



No jornal espanhol , "El Pais", saído hoje, vinha o texto que abaixo transcrevo, sobre o grande aliado do "bushismo" na América Latina.


"El presidente de Colombia, Alvaro Uribe, ha anunciado este viernes que pedirá al Congreso que tramite una ley que convoque un referéndum en el que se decida si se repiten las elecciones de 2006, en las que fue elegido para un segundo mandato de cuatro años. El presidente colombiano toma esta decisión poco después de que el Tribunal Supremo colombiano pidiera revisar la reforma constitucional que permitió la reelección presidencial porque hubo "una clara desviación de poder" y haya condenado a 47 meses de prisión por cohecho a la ex congresista Yidis Medina, que cambió su voto a última hora para salvar esa iniciativa.

El magistrado Sigifredo Espinosa, presidente de la sala penal de la entidad, en un fallo leído ante la prensa, ha señalado que a Medina se le impondrá también una multa equivalente a unos 12.000 dólares y se le sancionará con la pérdida de derechos públicos por el plazo de la condena "por encontrarla responsable del delito de cohecho propio". Espinosa ha explicado que la ex parlamentaria por el Partido Conservador fue condenada con base en su propio testimonio en el que admitió el cohecho.

Sobornos

El escándalo y la posterior investigación comenzó en abril, después de que la ex congresista declarara que cambió su voto a favor de la reelección presidencial en el 2004 después de que funcionarios del Gobierno le ofrecieran cargos burocráticos. Yidis Medina acusó a Sabas Pretelt, que en esa época era ministro del Interior, Diego Palacio, responsable de Protección Social y a otros funcionarios cercanos a Uribe. Por ello, la Comisión de Acusaciones de la Cámara de Representantes decidió en mayo investigar por el mismo caso a Uribe.
La ex congresista, que se encuentra actualmente en prisión, ha defendido desde el principio que se oponía a la reelección presidencial inmediata, pero que después de las ofertas del Gobierno cambió su voto, un respaldo que fue decisivo para impulsar el proyecto de ley que aprobó el Congreso y que luego avaló la Corte Constitucional. El trámite y la aprobación de esa reforma constitucional abrieron el camino para que Uribe fuera reelegido en el 2006.
Por su parte, Álvaro Uribe ha negado todas las acusaciones y ha declarado que los implicados sólo buscan desacreditar su gestión. Este escándalo de soborno coincide con un momento en el que el Congreso de Colombia sufre una grave crisis crisis política y un proceso judicial que mantiene en prisión a por lo menos 32 legisladores, mientras que más de 30 son investigados por sus presuntos nexos con los escuadrones de ultraderecha."

E, no entanto, a matilha mediática internacional, sempre pronta a soltar-se ferozmente, quando o mais pequeno alvo com perfume de esquerda se põe a jeito em qualquer parte do mundo, continua sonolenta no seu canto, ronronando placidamente.


É a inconsciência acrítica da descomunidade internacional...


[ Imagem retirada da internet]

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Alma mater - a velha senhora.









domingo, 22 de junho de 2008

Pixordices 14 - O perfume das palavras, o peso das ameaças


Congresso do PSD : o pessoal político da direita portuguesa praticou os seus ritos periódicos, no quadro do seu maior Partido.

Começou, assim, a ser construído o holograma ideológico dos interesses estratégicos que a estruturam, de modo a que uma parte do eleitorado possa incorporar a ilusão de que se salva, quando apenas estará a blindar, um pouco mais, os interesses liderantes dos senhores do dinheiro e dos seus capatazes de luxo.

Neste número de ilusionismo, a realidade é um simples cenário e a verdade a mera sombra de uma retórica instrumental. O discurso, desde que seja sedutor e pressionante, basta-se a si próprio. Cabem nele todas as combinações de palavras, que, por serem apenas isso, podem escapar ao filtro da verosimilhança, ao ónus da compatibilidade e à servidão da lógica.


Por exemplo: nos alicerces dos discursos que contaram, surgiu, recorrentemente, como vector estruturante, a determinação do PSD de vir em socorro da " classe média", supostamente esmagada pela governação actual. Eis uma determinação legítima e até louvável.

Todavia, entre as raríssimas intenções governativas concretas da Dama de Cinza, inscreve-se o fim da tendencial gratuitidade do Serviço Nacional de Saúde. Ou seja, uma medida que em termos práticos, para além de ser um factor de irreversível corrosão e degradação do SNS, é uma profunda machadada na " classe média".

De facto, os ricos podem recorrer, conforme preferirem, aos melhores serviços de saúde, em qualquer lugar do mundo. Os pobres ficarão com a caricatura de um saudoso SNS. Mas, a "classe média" verá a sua saúde transformada numa apetecível oportunidade de negócio, para as multinacionais da saúde e para um ou outro grupo económico mais poderoso de raiz portuguesa.

Isto quer dizer que na retórica generalista, o PSD troveja, em favor da classe média; na verdade, já decidiu sangrá-la num ponto essencial, a saúde.

Ou seja, a dama de cinza e os "éticos" barões que se lhe associaram, são ágeis na projecção de paraísos e perigosos na preparação de infernos.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

A dama de cinza


Liguei a Televisão. Uma Senhora murcha arrastava um discurso cinzento. Na plateia algumas figuras pachorrentas, numa dormência triste, concediam palmas num ritual cansado. Era o congresso do PSD.

A oradora subira penosamente as pregas do discurso numa sucessão de lugares comuns. No que pareceu um golpe de asa, reuniu todas as energias, declarando que não desmentia aquilo que se esperava que ela desmentisse, porque não gastava o tempo com fantasias. Grande frontalidade.

Subitamente, os congressistas, que espalhavam pela sala uma modorra lenta, pareceram querer regressar à vida: a Senhora ia a atacar o PS, a Senhora ia a atacar Sócrates.

Ainda uma pausa e o ataque partiu. Por um momento, os aplausos prometeram-se nos olhares dos congressistas. Mas, num golpe de gelo, em vez da farpa fatal que deixaria Sócrates desmoronado, a Senhora limitou-se a sussurrar melancolicamente que o Governo socialista estava esgotado. Esgotado - eis o máximo de farpa de que foi capaz. Esgotado, diriam depois os acólitos, num eco já desesperado, como se procurassem conquistar, na repetição apressada de uma palavra baça, um renovado viço, ou um inesperado veneno.

Continuou, entrando garbosamente pela economia. Mas, quando se esperava o diagnóstico certeiro que desnudasse a incipiência económica do Governo, perante a luz ofuscante da competência da Senhora, ela apenas titubeou num breve trovão envergonhado: que o Governo se excedera em fantasias e agora ia pagá-las caro.

Alguns pavões que passeavam pela sala uma importância solene, puderam aplaudir esse abismo de profundidade. Ou seja, o máximo de exultação possível concedido aos barões laranjas era o eco forçado de uma banalidade: a Senhora sugeria-se, por contraponto, fresca como uma alface, garantindo que não ia em fantasias.

Mesmo com os pés presos à terra, faltava-lhe, contudo, o retoque final. Um detalhe que prenunciasse glória, uma frase que semeasse infinito. Mas, finalmente, a Senhora disse-a: "Acabou o quero, posso e mando do governo!"

No livro verde das anedotas escreveu-se um novo sorriso: "Quero, posso e mando" - o célebre tripé que a contra-informação celebrizou, pela boca de humor de um boneco do Dr. Carvalhas.

Ou seja, a dama de cinza, glória suspensa do PSD, quando quis ribombar, esmagando a alma do PS, arrasando-o com o vento impiedoso de uma única frase, não conseguiu melhor do que a esforçada cópia de uma sombra esquecida de um ex-secretário-geral do PCP, em versão humorística.

Uma brisa melancólica chamava para jantar os congressistas. A Senhora, presa a um labirinto de palavras dispersas, por um discurso sem norte, esmaecia. Súbito, mais uma vez, uma última vez, pareceu querer ressuscitar. Do seu baú de secas palavras, pareceu, finalmente, extrair a consistência de um facto. Um facto robusto, contido mas forte, perante o qual o PS se tivesse que ajoelhar, temeroso e apreensivo.

E o facto chegou, ufano e imponente: "O PS sempre menosprezou o PSD. Nunca lhe ligou a mínima ! Tratou-o como se não existisse."

Houve um momento de suspensão. Porém, já as primeiras palavras partiam para os afagos dos primeiros ecos, e eis que uma sombra tolheu todas as brisas, dizendo: "Mas isso não é um facto. É uma galga!"

Uma galga !?-- titubeou receoso o espírito laranja. Sim! -- teimou a sombra da verdade-- esqueceram o pacto sobre a justiça, esqueceram o acordo para a lei autárquica?".

"Mas os pactos foram furados", atreveu-se o espírito. "Por quem?", perguntou a sombra.

"Pelo nosso ex-Presidente!" desmoronou-se vencido o espírito laranja.

E foi assim que, voando nas asas de uma mentira, a Senhora se deixou reconduzir afinal ao clube dos anteriores líderes. Um clube de meninos guerreiros que assustaram o país.

Frustrado, mudei de canal, enquanto as câmaras iam mostrando pequenos grupos, escorrendo tristemente rumo ao jantar; e um ou outro notável procurava sem êxito uma pepita de interesse nas palavras que a Senhora desenrolara em cinzento nesse fim de tarde, previsível e triste.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Cooperativismo e Economia Social- uma vez mais.



Vou repetir o anúncio do colóquio que o Centro de Estudos Cooperativos da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra vai promover em Coimbra, nos próximos dias 27 e 28 de Junho de 2008, na FEUC, Avenida Dias da Silva- nº 165 - COIMBRA.


Os problemas que se acumulam no horizonte das sociedades actuais tornam, de dia para dia, mais importante a valorização do cooperativismo e da economia social como caminhos que podem contribuir para que se abra, diante de nós, um futuro digno desse nome.



Cooperativismo e Economia Social
27 e 28 de Junho de 2008

FEUC - Coimbra



Colóquio



Cooperativismo e Economia Social
- olhares cruzados


Organização:
Centro de Estudos Cooperativos da FEUC




Neste Colóquio, o cooperativismo e a economia social vão ser encarados através de diversas perspectivas disciplinares e a partir de vários pontos de vista. A quase totalidade dos conferencistas e intervenientes formais radica os temas do colóquio na realidade portuguesa. Mas a sua Abertura será da responsabilidade do Prof. Rafael Chaves, destacado professor espanhol da Universidade de Valência, especialista internacionalmente reputado, com destaque para o seu protagonismo nas instâncias europeias.
Os universitários, especialistas e práticos de nacionalidade portuguesa , pela sua experiência e pela qualidade do seu trabalho legitimam as melhores expectativas quanto ao interesse do Colóquio.
Os debates que certamente ocorrerão serão um importante factor da vivacidade que se espera como potenciadora do interesse pelos temas abordados.



PROGRAMA

Sexta-Feira – dia 27 de Junho

-11.00 — Conferências de Abertura:

La economia social europea: entre tercer pilar del modelo social europeo e ignorancia.

Prof. Doutor Rafael Chaves Ávila (Universidade de Valência. Presidente da Comissão Científica do CIRIEC Internacional para a economia social e cooperativa).


Cooperativismo e economia social—um futuro inquieto

Prof. Doutor Rui Namorado (Centro de Estudos Cooperativos da FEUC e Centro de Estudos Sociais).


15.00 — 1ª Sessão: A economia social , o emprego e a pobreza.

A economia social–um caminho para vencer a pobreza?

Prof.ª Drª Manuela Silva ( Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz. Membro do Conselho Geral do Montepio).


Novos empregos, novos pobres, trabalhadores pobres : uma visão económica.

Prof.ª Doutora Margarida Antunes (Centro de Estudos Cooperativos da FEUC).

Experiência VivaSrª D.ª Ester Duarte (cooperativa de artesanato Capuchinhas, Campo Benfeito)


17.15 — 2ª Sessão: A economia social e o mercado.


Renovação do terceiro sector e mercado–tópicos em torno da situação nacional

Dr.ª Carlota Quintão (Doutoranda em Sociologia da FEUC e Bolseira da FCT).


Medir e promover o sucesso das organizações do terceiro sector: o contributo dos referenciais da qualidade.

Prof.ª Doutora Patrícia Moura e Sá (Centro de Estudos Cooperativos da FEUC).


Experiência VivaSr. João Fernandes Antunes (Cooperativa de Produtores de Queijo da Beira Baixa e Idanha-a-Nova).


Sábado – dia 28 de Junho.10.00

3ª Sessão: A economia social e o desenvolvimento local.


Que condições para o desenvolvimento local?

Dr. Bernardo Campos (Comissão de Coordenação da Região Centro e Centro de Estudos Cooperativos da FEUC)


Desenvolvimento local, perspectivas para uma nova dinâmica da economia social.

Prof. Doutor Manuel Belo Moreira (Instituto Superior de Agronomia – Univ. T. Lisboa).


Experiência VivaDr. Miguel Torres (Acert – Assoc. Cult e Recreativa de Tondela)


[ Para mais informações consulte o site do CEC/FEUC : http://www4.fe.uc.pt/cec/ ]

sábado, 14 de junho de 2008

Frutos amargos de um bloco central


1. As mais recentes sondagens divulgadas na Alemanha atribuem ao SPD cerca de 20% das intenções de voto, o que, se fosse um resultado eleitoral efectivo, seria o mais baixo desde 1949 e um desastre político inimaginável.

Não pode deixar de se pensar que são esses os mais ostensivos frutos, para a esquerda democrática alemã, da sua adesão ao bloco central dirigido pela Srª Merkl. É como se uma parte do relativo viço político dessa fogosa alemã fosse conquistado, à custa da anemia crescente do SPD.

2. Há quem veja neste declínio uma sequela política de mudanças estruturais de natureza social, ocorridas na Alemanha. Sem menosprezar esse ângulo de análise, não se podem ignorar outros factores.

Para mim, um dos que não pode ser ignorado é o que resulta do facto de o bloco central, por que se optou, ser uma solução que, tendo sido constitucionalmente válida e politicamente legítima, contrariou o essencial da mensagem transmitida pelo eleitorado, quando votou nas últimas legislativas.


De facto, nessas eleições defrontaram-se dois blocos, ambos internamente heterogéneos: à direita, o bloco democrata-cristão e o partido liberal; à esquerda, o SPD, os Verdes e um novo partido, resultante da fusão dos ex-comunistas com os dissidentes do SPD, liderados por Oskar Lafontaine ( Die Linke - A Esquerda).

Na competição entre os dois grandes blocos, a esquerda teve uma maioria clara. Na competição entre os partidos, o bloco democrata -cristão(CDU/CSU) foi o vencedor, com algumas décimas de vantagem sobre o SPD. Por isso, a srª Merkl nunca poderia ter sido chefe do Governo alemão, sem o apoio de algum dos partidos da esquerda. Pelo contrário, o leader do SPD poderia ter chegado a esse lugar, sem necessitar de qualquer apoio à sua direita.


O SPD, no entanto, recusou liminarmente ser governo, se isso dependesse do apoio do novo partido de esquerda. E, todavia, o apoio dos Verdes não lhe bastava para chegar à maioria absoluta de deputados. Assim, ao arrepio da vontade global dos eleitores alemães, aceitou apoiar um governo de coligação CDU-CSU/SPD, liderado por uma democrata-cristã, transformando uma vitória pífia da Srª Merkl num passaporte para um protagonismo prestigiante, que pode aniquilar as hipótese de poder do SPD, por muitos anos.


E se o SPD mergulhou nesta aventura imprudente, com a ilusão de que esse era um caminho seguro, para quebrar à nascença a afirmação de um novo partido de esquerda, viu as suas expectativas sucessivamente iludidas, em várias eleições em estados alemães, que foram palco da emergência desse partido, como um novo integrante nos parlamentos regionais.

Paralelamente, ilustrando o acerto dos que sempre acharam que a identidade dos Verdes, em vez de ser expressão duradoura de uma esquerda mais distante do centro político do que a esquerda tradicional, era uma identidade absorvível, a prazo, por possíveis cantos de sereia vindos da direita, desenha-se na Alemanha a possibilidade de uma aproximação dos Verdes com a direita.


3. Nestes termos, a quebra de popularidade do SPD ocorre numa conjuntura particularmente difícil. Os Verdes deixaram de ser um aliado imune aos apelos da direita; "Die Linke" parece firme num patamar de intenções de voto, acima dos 10% e enraíza-se nos Estados da ex- RFA, onde antes nem existia.

Ou seja, a uma deriva traduzida na impregnação pela ideologia neoliberal dominante, iniciada com o governo SPD/Verdes, seguiu-se a insistência em contrariar a mensagem do eleitorado de esquerda, atirando uma boa parte dele para o desespero, para o cepticismo e para a desconfiança quanto ao SPD, em si próprio.

Os sindicatos afastam-se cada vez mais dele, a sua ala esquerda ganha uma relativa proeminência interna, mas a sua ala direita conserva a força a suficiente para impedir uma revisão de alianças, que possa servir de base a um futuro governo, apoiado por todas as esquerdas alemãs.

Para além destas dificuldades, o SPD vive objectivamente um dilema: se o isolamento do novo partido não o impedir de crescer e se o SPD continuar com a sua deriva centrista, arrisca-se a ser um verdadeiro promotor do partido da esquerda que queria destruir. Mas aliar-se com ele, pode legitimá-lo, sendo objectivamente uma auto-crítica, por não o ter feito de modo a que a Srª Merkl nunca tivesse chegado à Chancelaria. Mantê-lo de quarentena, pode ser sinónimo de garantir, ao próprio SPD, que não voltará ao poder tão depressa, a não ser como parceiro subalterno (cada vez mais subalterno) dos democratas-cristãos.

É uma situação complexa, sendo cada vez mais claro que os partidos socialistas que se conformem com a eternização do capitalismo, renunciando ao eixo da sua própria identidade e da sua razão de ser, correm o risco de se meterem em situações desesperadas.

E, como a sua substituição por outros protagonistas de esquerda, como partidos de governo, nem é certa, nem seria nunca rápida, se colapsarem, abrir-se-á um tempo de domínio unilateral da direita na Europa, que pode ser a porta para graves convulsões sociais e para novas incertezas políticas. Convulsões, aliás, que há anos se têm vindo a anunciar, através de sinais que os poderes europeus irresponsavelmente ignoram.
Por seu lado, paralelamente, a maior parte das direcções dos partidos da Internacional Socialista tem vindo a embrulhar esses prenúncios num discurso redondo e repetitivo, incapaz de equacionar sequer os problemas que verdadeiramente bloqueiam as sociedades europeias, em tempo de capitalismo globalizado.


A situação do SPD é já dramática, outros partidos da Internacional Socialista estão em dificuldades. Em Itália, por exemplo, os ex-comunistas chegaram apenas há poucos anos à família socialista europeia, mas ei-los que já se aprestam a abandoná-la, numa vergonhosa caminhada para a direita, perante uma reacção, inesperadamente mole, das lideranças do Partido Socialista Europeu.

E nós? Dormimos tranquilamente rendidos ao aconchego das frases feitas, consentindo que os conservadores-liberais do Partido Popular Europeu reduzam a Europa às suas modestas medidas de luzidos pajens dos grandes interesses económicos do capitalismo mundial ?

E nesse sono haverá quem sonhe com um futuro bloco central, em sinergia com o que parece ser a melhor hipótese que a nova direcção do PSD a si própria coloca como futuro próximo ?
Enfim, durmamos...

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Amigos de tempestades

1. A dimensão e as consequências do "lock-out" das empresas de camionagem não são ainda claras. Os noticiários já mostraram alguns patrões, que não acharam necessário ocultar a sua identidade, assumindo publicamente a prática de um crime.

É certo que, querendo fazer de nós idiotas ou sendo eles próprios idiotas, houve alguns "espertos" que vieram dizer que não é um "lock-out", mas uma paralisação o que está em curso.


Seria o mesmo que alguém apanhado a furtar, alegasse que não estava a cometer qualquer furto, porque estava apenas a proceder a uma subtracção de um bem ao seu proprietário. Mas se não é grave que nos tomem por idiotas, ou o sejam eles próprios, já não é admissível que o Estado de direito democrático consinta num apoucamento tão primário.

2. Este episódio pode ser lido como um aviso em dois sentidos. Primeiro, reduzir a realidade social a um pressuposto simplista de uma lei económica é uma idiotice perigosa. Segundo, é mais ou menos claro, que perante a dramatização e o alargamento da crispação social, nem o governo e o PS, nem a oposição e os sindicatos, nem os próprios patrões bloqueadores, dominam com clareza os acontecimentos que estão a ocorrer. Ninguém parece ter uma ideia clara das consequências dos próprios actos. A comunicação social segue um caminho fácil e irresponsável: sopra nas fogueiras de todos os conflitos.

3. Sendo assim, o unidimensionalismo economicista revela cada vez mais a sua perigosidade, pois tende cada vez mais a ser, não um auxiliar de uma desejada cura , mas o agravar de uma cada vez mais ostensiva doença.

A política, ou seja a incorporação numa visão complexa da realidade social da luta por um poder de decisão democrático mas efectivo, anuncia-se através dos bloqueios e das manifestações. Se não for assumida racionalmente , propositadamente, chegará irracionalmente, desordenadamente através de conflitos dramáticos.

Não havendo sujeitos políticos que pareçam próximos de uma atitude madura, o risco de crises inesperadas e incontroladas, cresce.


4. Na Europa, a Comissão faz jus ao seu sinal político dominante: em vez de dar sinais de poder contribuir para solucionar as questões emergentes, toma posições provocatórias.

Não se trata apenas de termos um Europa liderada por conservadores e liberais, trata-se de vivermos numa Europa dirigida por políticos ligeiros.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

O perfume do abismo


As opiniões sobre a política do governo socialista são diversas, indo do amor cego ao ódio cego, com uma vasta zona intermédia variegada e complexa.

As opiniões sobre a estratégia da CGTP, onde assume um relevo incontornável a recente manifestação dos 200 mil, são diversas, indo do amor cego ao ódio cego, com uma vasta zona intermédia variegada e complexa.

O amor e o ódio, em política, não são bons conselheiros, especialmente, quando são necessárias opções estratégicas e comportamentos tácticos que, para atingirem o máximo de eficácia, têm que ser simultaneamente firmes e subtis. Sem firmeza, a subtileza pode descambar em oportunismo; sem subtileza, a firmeza pode converter-se em burrice.

Se o amor e o ódio forem tão fortes que tornem metaforicamente apropriado qualificá-los como cegos, tudo isso se agrava.

E, no entanto, por entre o jardim simbólico dos sentimentos, o peso dos factos políticos centrais da conjuntura impõe inexoravelmente a sua presença.

Estiveram na rua duzentos mil trabalhadores organizados, manifestando uma forte desconfiança quanto à política do governo socialista; entre crispados e desesperados, futuramente mais disponíveis para considerarem que tudo o que vem do Governo é mau, do que para serem justos perante qualquer possível nova medida positiva que seja tomada. E, principalmente, com grandes potencialidades para servirem de rastilho a incêndios mais vastos.

Suponhamos que essa crispação se agrava e se estende, contribuindo para acidentes políticos que conduzam a uma derrota do PS nas próximas eleições. Que governo se formará a seguir ? Um governo que una no mesmo conjunto os partidos que nas eleições tenham exprimido os duzentos mil que estiveram na rua e o PS, acabado de ser derrotado por esses partidos ? Muito improvável, para não dizer impossível.

Se não for esse o governo qual será? Um governo de direita? É a única hipótese, se excluirmos uma coligação da direita com o PS, que sendo improvável, se fosse consumada sempre se traduziria num governo mais desfavorável aos duzentos mil do que o governo actual.

Ou seja, se a crispação actual se acirrar e conduzir a níveis mais amplos e mais fundos de ruptura entre o PS e uma parte da sua base eleitoral de apoio, o cenário mais provável é o de uma derrota do PS nas próximas eleições legislativas e o emergir de um governo que esteja mais longe das aspirações e dos interesses dos duzentos mil do que o governo actual.

Por isso, o que corre o risco de estar em marcha não é apenas um rolo compressor que vá esmagar os sonhos de nova vitória do PS, é um rolo compressor que, além disso, esmagará ainda mais os interesses e as aspirações dos duzentos mil.

Como ficarão os socialistas perante uma liderança que os tenha conduzido a uma derrota em benefício do que de mais retrógrado há no nosso país? Como ficarão os duzentos mil, quando virem que a sua “vitória” frutificou em resultados amargos e numa angústia ainda mais funda ?

A pergunta está escrita nos factos: Se a acrimónia actual parece ser suicida para o governo e para os interesse de uma boa parte dos trabalhadores organizados, porque não procuram negociar, entre si ?
Negociar, não a pequena mercearia do deve e haver quotidianos, mas um verdadeira pacto estratégico. Negociar: isto é, nem uns nem outros conseguirem uma vitória completa, mas talvez ambos ganhando com as cedências em que tenham a inteligência de consentir.
Ou então, há um forte risco que desta pugna saiam ambos derrotados , deixando o país entregue à gula sem limites dos interesse particulares, à girândola predatória dos senhores do dinheiro.

A economia do mal-estar


O Júlio Mota enviou-me excertos de um texto, por ele traduzido, do economista francês, Jean-Paul Fitoussi (Croissance : des Cassandre aux Candide), que foi publicado no "LE MONDE ", de 31 Maio de 2008.

Destinava-se a ser enviado aos membros do Clube Político Margem Esquerda, como texto para reflexão e debate. Resolvi colocá-lo neste blog. A sua leitura dá que pensar. Pode ajudar-nos a pensar, protegendo-nos das falsas evidências da vulgata mediática.
****************
Crescimento:
das Cassandras aos Candide.


A estagnação anunciada da zona euro suscita um verdadeiro mal-estar e apela para a utilização de políticas económicas reactivas e coordenadas, contrariamente à posição que tinha prevalecido desde 2000-2001.

A primeira razão deste mal-estar deve-se aos resultados da zona euro na primeira metade dos anos 2000, que foram medíocres, a taxa do crescimento a não ultrapassar, entre 2001 e 2005, 1,4% ao ano (contra 2,4% nos Estados Unidos). Certamente, em 2006 e 2007, a zona euro teve êxito em conseguir alcançar um décimo de ponto de crescimento a mais do que os Estados Unidos! Mas no conjunto do período, o rendimento per capita aumentou mais nos Estados Unidos que na Europa, apesar de uma diferença marcada da evolução demográfica. A segunda razão é a aceitação do futuro que se avizinha de uma redução do ritmo de crescimento como se se trate de um facto meteorológico. Os responsáveis europeus exigem governos que se resignem a esta triste perspectiva em vez de tentarem contrapor-se a ela. A França vê-se criticada porque o seu défice poderá atingir os 3% em 2009; a Itália está sob estreita vigilância, apesar de um défice baixo. Felicita-se a Espanha pelo seu excesso de zelo orçamental. No mínimo, a análise económica subjacente a tal interpretação do pacto de estabilidade é incorrecta e, no pior dos casos, no limite, a Comissão Europeia, perfeita no seu papel de Secretário de Estado da vigilância orçamental, esquece-se de se preocupar com o bem-estar geral europeu.

O enigma do pacto de estabilidade é que este parece obedecer a uma dinâmica autónoma, tornando-o cada vez mais vinculativo apesar de uma suposta reforma lhe dar mais flexibilidade. É que, progressivamente, o ponto focal do pacto desloca-se do défice máximo autorizado para o do regresso a médio prazo ao equilíbrio orçamental. Muitos economistas europeus defendem a introdução de regras orçamentais nas constituições nacionais com o fim de melhor internalizar a lógica do pacto, ou mesmo de o ultrapassar. Esta obstinação doutrinal é específica à Europa, e não se reencontra em nenhum outro grande país do planeta.

A variável de ajustamento

Outro sinal da passividade do governo europeu face às circunstâncias presentes tem a ver com a política monetária. A taxa de juro é a mesma que há dez meses, 4%, enquanto que, sobre o mesmo período, nos Estados Unidos passou de 5,25 % para 2%. O FED está ele errado ao reagir tão vigorosamente, quando a taxa de inflação americana é mais elevada que a taxa europeia? O BCE diz temer os efeitos de " segunda volta" , isto é, a compensação pelos salários do aumento dos preços, porque então uma espiral inflacionista poderia arruinar todos os seus esforços. Faz efectivamente a sua obrigação no âmbito do mandato que lhe foi confiado. Mas é necessário compreender as consequências.
A taxa externa à qual equivale o aumento do preço do petróleo e das outras matérias-primas pesa sobretudo sobre os salários. A baixa do poder de compra do salário mediano torna-se a variável de ajustamento susceptível de acalmar as pressões inflacionistas, ajudando de facto as autoridades monetárias a atingir o seu objectivo. Ora todos os choques actuais têm um impacto desigual. Estes atingem de maneira desproporcionada mais as pessoas de baixos rendimentos: para os bens de consumo primários, a carga é tanto mais elevada quanto o salário é fraco, enquanto que pode ser vizinho de zero para rendimentos elevados que beneficiam da baixa dos preços dos outros bens. A crise bancária, que vai racionar ainda mais o acesso ao crédito dos menos favorecidos, é também criadora de novas desigualdades.
Também, quer se trate da política monetária ou orçamental, a policy mix europeia aparece inadaptada aos tempos presentes e futuros. Se acrescentarmos que a perspectiva de uma redução do crescimento mundial, dada como certa para muitos, e a apreciação do euro só podem levar a que se reduzam as exportações liquidas europeias, é então o conjunto das componentes da procura que correm o risco de serem orientadas à baixa. Os Estados Unidos estão empenhados numa política oposta: a depreciação do dólar para aumentar a procura externa; políticas monetária e orçamental expansionistas para apoiar a procura interna
Pode-se admitir que a política americana seja má, mas os resultados anteriores da sua economia deveriam pelo menos incitar Candide à dúvida, ou mesmo à introspecção. Mas porque é que, então, as duas maiores economias do mundo, confrontadas com choques de natureza vizinha mas de graus diferentes, conduzem políticas tão divergentes? A resposta mais evidente é que uma tem um governo e a outra um sistema de governança. Um governo deve e pode reagir rapidamente. Um sistema de governança é muito mais lento a pôr-se em movimento.
Porque as regras dum sistema de governança só se podem aplicar ao uso dos instrumentos e não às suas finalidades, não é nada de espantar que a trilogia - estabilidade dos preços, equilíbrio orçamental, concorrência - constitua o horizonte das políticas europeias. Numa economia governada, as autoridades políticas estão mais conscientes das finalidades - crescimento, emprego, poder de compra - uma vez que não podem dissociar as regras da boa gestão dos resultados da sua aplicação.

[Jean-Paul Fitoussi, Croissance : des Cassandre aux Candide, LE MONDE , 31 Maio, 2008].

quarta-feira, 4 de junho de 2008

O PS de Coimbra e as eleições autárquicas


1. Tomou recentemente posse o novo Presidente da Comissão Política Concelhia de Coimbra do PS.

Pensei que as semanas decorridas desde as eleições tivessem sido tempo de maturação de um rasgo, de um golpe de asa que permitisse abrir um tempo politicamente fecundo, gerador de uma esperança consistente de reconquistar a liderança municipal.

Ora, se os ecos da comunicação social não deixaram perder algo de importante, o que se passou na cerimónia foi trivial e previsível. Não foram ditas coisas erradas. Foram alinhados os lugares comuns do costume. Foi feita a vénia da praxe aos protagonistas anteriores. Foi dada a ferroada esperada nos adversários instituídos. Foi feita a piedosa reza para a almejada unidade e ribombou a determinação de uma vitória futura.

Tudo indica que previsíveis actores vão seguir com aplicação o roteiro do costume. Os episódios programados têm já o seu momento a esperá-los.

É certo que no incerto jogo da política as surpresas acontecem. E o que se julgaria perdido pode acabar por ser ganho. Por isso, um candidato previsível bem enraizado no bloco local de poder socialista, acolitado pelos seus segundos, terceiros e quartos, ungido pelas palavras circunspectas dos independentes de serviço, pode inesperadamente ver-se elevado ao poder municipal.

Pode acontecer. Mas não é provável que aconteça. Ora, o trabalho politico, que realmente o seja, não é seguramente uma cópia actualizada e rotineira de campanhas anteriores, como se o burocrático cumprimento de um roteiro bastasse para preencher com eficácia a agenda política de um combate autárquico difícil, confiando-se na sorte para que o inesperado aconteça.

É de facto uma imprudência temerária programar um trabalho político, contando-se com a feliz ocorrência do improvável. Todavia, fazendo-se fé neste início arrastado, o risco de que isso venha a ocorrer é grande.


2. De facto, o PS atravessa em Coimbra uma conjuntura difícil, tudo indicando que tal como aconteceu com as eleições para a concelhia, no plano distrital, as próximas eleições internas, sejam um episódio, mais ou menos colorido, que desembocará numa continuidade, mais ou menos ostensiva.

Por outro lado, Henrique Fernandes ganhou as eleições para a concelhia com uma diferença que não impediu Carlos Cidade de ficar bem acima dos 40%. Juntos não mobilizaram metade dos militantes inscritos. Por isso, mesmo que um pacto de cooperação juntasse realmente, sem reserva mental de qualquer das partes, os dois adversários, ainda ficaria de fora uma vasta fatia de militantes. E mesmo que se conseguisse o caminho para os despertar, será que desse modo se conseguiria chegar aos eleitores ?

Ou seja, uma candidatura autárquica do PS tem tudo a ganhar se conseguir ser vista pelos eleitores como uma realidade dotada de uma autonomia clara e objectiva em face do chamado aparelho do partido, do seu círculo restrito de poder; e tem pela frente uma exigente tarefa de recuperação de credibilidade perante um eleitorado que em parte fugiu ao PS. E a conjuntura nacional pode não ajudar, dado ser imprevisível em que pé estará o clima eleitoral nacional no momento das eleições.

Tem vindo a crescer dentro do PS a defesa de uma democratização da escolha dos candidatos a eleições, através de eleições primárias. Mais cedo ou mais tarde, será adoptada em todas as eleições, pelo menos, dentro do PS. Mas se os estatutos ainda hoje não impõem esse caminho, também não proíbem qualquer Comissão Política Concelhia de o pôr em prática.

E, na actual conjuntura, é o caminho com maiores virtualidades políticas, no caso de Coimbra, especialmente. Desde logo, é a maneira mais límpida e mais enérgica de gerar uma unidade na acção efectiva entre todos os militantes, projectando-a natural e virtuosamente nos simpatizantes e nos eleitores habituais.

Depois, é uma oportunidade de, no decurso das próprias eleições primárias se irem afirmando ideias e projectos que assim podem ir amadurecendo, de modo a chegarem robustos e convincentes à campanha eleitoral propriamente dita.

Por último, ficará assim objectivada inequivocamente a autonomia do candidato em face do aparelho, radicando-se a sua candidatura na vontade dos militantes e simpatizantes e não em qualquer limitado círculo de poder oligárquico.

Para completar, estar-se-á a dar um passo na senda de uma reforma do próprio Partido, abrindo caminho para paragens mais limpas e mais exaltantes. O candidato terá também o prestígio reflexo de ser a tradução de um pioneirismo, no quadro da evolução do modo de funcionamento de um partido.

Para que isto aconteça, é apenas necessário que a CPC fixe um conjunto de regras que garantam uma impecável atmosfera democrática no desenrolar das primárias, de modo a que os candidatos rivalizem apenas em ideias e projectos e se comprometam a aceitar o resultado e a apoiar sem reservas o vencedor. Tudo isto impregnado por uma vontade política de estimular a disputa entre candidatos e projectos críveis e em fazer dessa competição um exercício de democracia e de trabalho político sério e imaginativo.

Esse caminho não garantirá a vitória, mas torna-la-á de muito mais provável. O risco de uma candidatura independente oriunda de uma área próxima esbater-se-á, bem como o de a direcção do PS cair na tentação de impor um qualquer candidato, lançado de para-quedas à revelia dos socialistas de Coimbra.

Só um candidato fraco pode ter medo de se submeter a um processo como este. Mas um candidato fraco dificilmente ganha eleições.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

A vitória de dois gumes ou a laranja amarga


1. A aliança que levou o Dr. Menezes à vitória, há uns tempos atrás, teve êxito, na primeira manobra do seu possível plano armadilhado, visando a legião de barões que flagelou incansavelmente a direcção do PSD durante o consulado desse autarca.

De facto, a Dr.ª Ferreira Leite triunfou arrastadamente não conseguindo atingir os 40 % de votos. Os seus adversários atingiram 32 e 30 % dos votos, deixando claro que, mesmo tendo em conta apenas o limitado universo dos votantes, a respeitável senhora ficou claramente longe de ter o apoio de uma maioria.

E se nos lembrarmos que apenas uma parte dos membros do PSD se tinha colocado em condições de votar e que destes apenas uma parte votou, verificamos quão limitado é o poder de entusiasmar da dirigente eleita, mesmo dentro do universo amigo do seu partido: menos do que 15% do universo dos inscritos no PSD. Ou seja, em vez de uma vaga de fundo, de um entusiasmo transbordante, apenas um ligeiro agitar de águas. O resto é alarido mediático, propaganda e fantasia.

Um dos seus adversários já mostrou que ia desempenhar o papel de oposição “boa”, de modo a evitar que a vencedora se possa armar em vítima perante um hipotético fracasso futuro. O outro adversário, pelo contrário, assumiu o papel de um irredutível sem sofreguidão, ou seja, de um adversário contido mas implacável.

Os notáveis , por enquanto, aplaudem, saboreando já os lugarzinhos de deputados que brilham no universo de 2009. Os sonhadores de uma baronia mais alta imaginam-se ministros.

Entretanto, ficou também conhecida a actual cotação na bolsa eleitoral do PSD de um catedrático de Economia, ex-governante e actual deputado: 0,6 %. Ou seja, ficou apurado que nem todos os catedráticos de economia chegam, olham e vencem. Por outro lado, pode desconfiar-se, pelo mesmo facto, que os militantes do PSD engolem mais facilmente um ex-MRPP do que um ex-PCP. Mas , enfim, este caso é apenas um pouco de colorido partidário que, estando longe de ser exclusivo do PSD, tem até um lado simpático.

Os dados estão pois lançados. A drª Ferreira Leite e os seus barões têm agora a responsabilidade de vencer Sócrates. O Dr. Menezes vai assistir na bancada em Gaia, de modo a não poder ser acusado de causar o naufrágio dos que antes o procuraram garrotar. Santana Lopes, Ângelo Correia e Jardim, cada um dentro do seu estilo, farão o mesmo.

Se num golpe de imprevisto a respeitável senhora lograr vencer, significará isso que o armadilha falhou no último momento, se o mais provável acontecer os quatro (algum deles, ou alguém por eles) abrirão um grande saco, meterão lá os barões e a sua chefe, fecharão displicentemente o saco e procurarão colocá-lo numa prateleira de esquecimento.

Se no termo deste percurso o PSD permanecer inteiro, poderá falar-se em milagre. Mas em política desastres e milagres não são coisa rara.

2. Mais um detalhe importante. A Drª Ferreira Leite não vai participar numa prova de marcha, vai competir num complexo jogo de xadrês com três lados: o dela, o de Sócrates e o da chamada oposição de esquerda.

Se o governo e o PS , adormecidos pelo sopro suave das sondagens (se ele assim continuar), se confinarem à repetição mais ou menos acirrada do que têm vindo a ser, sem qualquer golpe de asa, a Dr.ª Ferreira respirará melhor e a outra oposição terá um eco mais forte .

Se o PCP e o BE, embalados pelo vento favorável da crispação social, se excederem no fragor da sua trovoada colorindo-a de insultos, para que fique bem claro que os votos que neles se depositarem nunca servirão para gerar um qualquer acordo com um PS de maioria relativa, a Drª Ferreira respirará melhor e o governo poderá contar com os votos dos que não gostando dele, valorizam menos esse desgosto do que o medo do que possa fazer a direita no poder.

Ou seja, o resultado final da armadilha em curso para “apanhar” a respeitável senhora, dependerá não só dela, mas também do governo e do PS, por um lado, e do PCP e do BE, por outro.

(para compreender melhor o sentido deste texto, pode ler-se um outro escrito, neste mesmo blog ,em em 15 de Maio passado. " O avesso e o direito: armadilha fatal").