sábado, 21 de maio de 2022

SERENATA

 



SERENATA


Que lágrima triste subiu no vento,

deixando a saudade a perder-se nele?

Que garra de angústia se rasgou no peito

perdida na dor dos versos cansados,

esquecida da audácia das grandes montanhas?

 

Os lábios longínquos das guitarras tristes

não dizem os sonhos das ruas mais largas,

não trazem os cheiro das histórias sofridas,

não esquecem o medo dos anos de abismo.

 

Podiam abrir as ruas mais lentas,

subi-las num rasgo,  emoção e prazer,

 ser campos abertos de sonho e amor,

esculpida em memória a dor do futuro.

 

Mas descem os dedos das harpas mais tristes

perdendo os silêncios das velhas saudades,

e escavam  a angústia das harpas mais tristes

fugindo da audácia que colhe o amor.

 

Respira-se a sombra dos tempos que faltam,

arranca-se o gume crispado nos versos

e sobe-se o voo de todas as águias,

mais longe, mais longe, mais longe.

 

É esta a serenata dos peitos abertos,

das cordas que rasgam o som das guitarras

e olhando através de todos os mares,

Coimbra cansada de não se cansar.

                        [Rui Namorado]

segunda-feira, 16 de maio de 2022

PRÉ-HISTÓRIA DE GUERRA

 


Em Fevereiro de 1996, quando eu era deputado na AR pelo PS, publiquei um livro de poemas , “Sete Caminhos”, através da editora Fora do Texto [Centelha].

O livro estava organizado em sete partes, uma das quais a penúltima se intitulava “Pré-história”. Era composta por quatro poemas, um dos quais “Pré-história de guerra” evocava o risco de uma guerra nuclear- O título sugeria que estávamos perante um risco que perdera actualidade.

Hoje, passados todos estes anos, vemos que assim não é. Por essa razão resolvi recordá-lo aqui.

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PRÉ-HISTÓRIA DE GUERRA

 

1.

a pomba foi morta pelo general

 

calculou  o sítio exacto

o lugar único    onde a morte esperava

 

 no relatório omitiu a cor branca da vítima

e aquela leve pluma de ternura

visível no seu olhar    depois de morta

 

parecia mais pena    do que saudade ou terror

mais um enorme peso de braços caídos

do que o gelo transido do pânico

 

o general descreveu com precisão

a trajectória magnífica do tiro

o seu rigor    a rapidez fatal

 

com palavras antigas   sincopadas

ao ritmo dos tambores de mil batalhas

 

2.

quando pouco tempo depois lhe disseram

que o neto   o filho   a sua velha mãe

a mulher cujo sabor guardava dia a dia

a casa com jardim e duas árvores

a rua suave     a cidade onde nascera

eram agora uma nuvem espessa de cinza

onde a custo emergia o esqueleto de uma árvore sozinha

 

o general suspendeu o relatório

e teve um suor frio vindo da raiz da alma

 

mas quando lhe vieram dizer pouco depois

que era inútil mandar o relatório

porque o lugar que o ia receber não existia

 

o general chorou como um menino perdido

 

e  foi então que o sol se perdeu numa nuvem de poeira

e um doce sabor a morte   azul e profundo

entrou pelo general até aos ossos

 

3.

a mão do general ficou ligeiramente tombada

sobre a folha do relatório vitorioso

 

ocultou um pouco a trajectória da bala

a palavra pomba parecia agora levemente manchada

 

e junto à porta o olhar fixo do jovem ajudante

era um vidro de espanto gravado no general

 

tudo à volta estava finalmente tranquilo

a paz fulminantemente conquistada

 

sábado, 14 de maio de 2022

PARA QUEM QUISER APRENDER...



 Para quem quiser aprender...

Numa sondagem [Cluster 17] hoje difundida, quanto às intenções de voto nas próximas eleições legislativas em França, a união das esquerdas (insubmissos, verdes, socialistas e comunistas) ocupa destacada o primeiro lugar com 31%-
Seguem-se os apoiantes de Macron com 27% e os apoiantes da Srª Le Pen com 19%, ficando a direita clássica abaixo dos 10%.
Na segunda volta a estimativa aponta para uma nova vitória dos macronianos com maioria absoluta. Mesmo assim aos resultados estimados para a primeira volta traduzem uma recuperação espetacular do protagonismo da esquerda. Se concorrer unida, claro.. Se permanecer fiel às suas pulsões divisionistas , pelo contrário, caminha para um declínio provável.
Muitos notabilíssimos ex-dirigentes do PSF e da própria França torcem fortemente o nariz à participação dos socialistas na dinâmica unitário. Absolvem-se generosamente dos desastres políticos que ajudaram a provocar e parecem irresistivelmente atraídos pela vertigem do 1,5% do cometimento Anne Hidalgo.nas presidenciais.
O povo de esquerda deu a sua resposta, está a dar a sua resposta. Quem aspira representá-lo deve ao menos cometer a modesta proeza de o ouvir.

quarta-feira, 4 de maio de 2022

DOS SOCIALISTAS EM FRANÇA.

 

 


DOS  SOCIALISTAS  EM  FRANÇA.

Uma resistência à entrada do Partido Socialista Francês na grande coligação de esquerda liderada pela França Insubmissa ecoa lugubremente na comunicação social francesa.

 É especialmente  protagonizada por alguns dos seus notáveis de má memória. De facto. alguns dos  coveiros mais ostensivos do socialismo francês parecem não querer admitir qualquer tentativa séria para o desenterrar. Uns, como Manuel Valls, assumem e aprofundam sem rebuço uma deriva de traição que iniciaram há anos  juntando-se à estéril nebulosa “macroniana”. Outros erguem-se penosamente da sepultura política em que caíram e procuram evitar com desespero que o PSF retome um protagonismo político relevante. Não se percebe se resistem a sair do buraco em que Anne Hidalgo os meteu nas recentes eleições presidenciais ou se sonham  nunca lá terem caído.

Quase miraculosamente o que resta do Partido, como um quadrado de raiva, parece querer resistir. No horizonte, cresce a probabilidade da sua adesão a uma União Popular Social e Ecológica que congregue toda a esquerda francesa.

Registe-se, entretanto,  a posição assumida no twitter  pelo candidato do PS às eleições de 2017, Benoit Hamon:

“Afastei-me da vida política nacional  mas , a título pessoal, neste dia de aniversário da vitória da Frente Popular,  afirmo que a aliança em torno da União popular é uma excelente notícia”.

Haverá esperança ?