Estratégias
eleitorais , equívocos e horizontes.
1. Os efeitos das lutas
políticas que ocorrem nas campanhas eleitorais não são predetermináveis com
verdadeiro rigor e sem incertezas. Mas podem ir sendo aferidos, com algum grau
de aproximação, se olharmos com atenção para o modo como se refletem nas
sondagens feitas às intenções de voto no decorrer dos períodos pré-eleitorais,
no tom dos comentadores políticos e no tipo de reações populares. É claro que essa
aferição não nos livra de surpresas, quando chega a contagem dos votos.
Nestes confrontos
contam, naturalmente, quer a densidade lógica dos argumentos, quer a honestidade
intelectual com que são aduzidos, quer a importância que envolvem para vida das
pessoas os temas focados. Na floresta de assuntos debatidos no decurso de uma
campanha, os vários protagonistas têm momentos melhores ou piores; mais
raramente grandes achados e grandes tropeções. Não é ainda tempo de um balanço
geral dos cometimentos e das falhas na campanha que está a decorrer.
2. Na minha opinião, os
inimigos políticos do PS situados à sua direita,
têm mostrado uma falha estrutural na sua
campanha. As suas críticas ao atual governo não têm sido impregnadas por uma
atmosfera que torne verosímil a ideia de que a direita resolverá os problemas
que denuncia melhor e mais prontamente do que aquilo que fez e fará o atual
governo se continuar no poder. E como, em muitos casos, essa direita no fundo critica
ferozmente as consequências do que ela própria fez quando foi Governo, a sua
credibilidade aproxima-se do zero. E assim ela deixa no ar, quanto a si própria,
um incontornável perfume de hipocrisia, permitindo que se adense a desconfiança
quanto à sua capacidade para resolver os problemas que denuncia.
3. Quanto aos aliados
de esquerda do PS, que também concorrem com ele nesta pugna eleitoral, independentemente
do juízo que possa ser feito quanto a cada um dos temas de debate por eles
levantados, incorrem, por seu lado, a meu ver, genericamente, em dois vícios
estruturais.
Por um lado, em vez de
assumirem politicamente esta legislatura de uma maneira clara e global,
ficcionam o papel de cada um deles na tomada desta ou daquele medida, como se
fossem quanto a elas em absoluto determinantes, e acentuam as clivagens
ocorridas nos casos em que não houve acordo.
Ora, a verdade é que esta
legislatura não foi apenas a história de um governo do Partido Socialista, foi também
a história de um governo do Partido Socialista apoiado politicamente por uma
maioria parlamentar, delimitada por um acordo político subscrito por todas as
esquerdas parlamentares.
Ao renunciarem a uma partilha clara do mérito
de uma solução politica que globalmente também os envolve e que até é popular entre
o povo de esquerda e prestigiada inernacionalmente, estão a oferecer ao PS um
protagonismo quase exclusivo num caminho que objetivamente também lhes
pertence. Dificilmente se pode admitir que esta via lhes seja politicamente vantajosa,
faltando saber se o mesmo não ocorre no plano estritamente eleitoral.
Por outro lado, esses
aliados e concorrentes do PS, têm centrado a sua agenda política num simples exacerbar
da amplitude e da urgência de algumas reivindicações de melhorias na vida dos portugueses,
mas sem porem em causa com clareza a eternização do atual modo de produção
capitalista da vida social, gerador último das desigualdades mais fundas que
assombram o nosso modo de viver. E assim, implicitamente, tratam as injustiças sociais como simples
externalidades negativas de um mau funcionamento de uma máquina social neutra,
em cujo bom funcionamento se jogasse o essencial.
Reconhecendo o relativo
esquematismo da metáfora que vou utilizar e sem segundas intenções quanto ao
fruto escolhido, é como se nos sentássemos debaixo de uma laranjeira exigindo
que ela nos desse maçãs. Podemos aprimorar a qualidade das laranjas,
intensificar a sua produção, mas nunca conseguiremos colher maçãs de uma
laranjeira. Encerrados neste dilema os mais exigentes enfrentam rapidamente o
risco de serem encarados como pedindo o impossível, por assim poderem exaurir ou desregular a árvore que temos. E assim os aliados e concorrentes do
PS, em vez de simplesmente tornarem ostensiva a urgência e a intensidade das
suas exigências , que podem até ser objetivamente justas, correm o risco de as
deixar contaminar com uma forte atmosfera de dúvida quanto à sua viabilidade
prática ou quanto ao ritmo da sua efetivação.
4. Este ponto, ao que
julgo, reflete uma incompletude desses protagonistas que no imediato pode
favorecer eleitoralmente o PS. Mas , um e outros , a médio prazo, não podem, sem grave risco, persistir na
omissão de uma estratégia de plantação de um novo tipo de árvore, para uma
substituição gradual das que estão caducas.
Na verdade,
multiplicam-se exuberantemente os sinais objetivos e cada vez mais dramáticos ,
no plano ecológico, económico, político, social e cultural da exaustão histórica do capitalismo. Esses
sinais suscitam respostas equívocas e por vezes falsas que agravam os problemas
que dizem querer resolver, mas é cada vez mais um suicídio coletivo ignorá-los
ou mistifica-los.
Note-se que o novo
anticapitalismo não é a projeção ideológica de uma hipotética nova era das
revoluções, nem o pano de fundo de extremismos circunscritos ou de
radicalidades vanguardistas. É a valorização indispensável do contexto em que
se poderá mover o indispensável processo de superação do capitalismo, um
processo reformista de transformação social que permitirá uma saída ordenada do
capitalismo, ao longo de uma transição democrática prolongada.
Aparentemente, esta
perspetiva de longo prazo é um luxo perante as urgências do tempo em que
vivemos. Puro engano. Nada mais urgente no imediato do que valorizar o longo
prazo. Só assim encontraremos um caminho, só assim poderemos congregar o apoio sociopolítico
indispensável para dar vida à transição. Encarando a realidade social parcela a
parcela, todos parecem já ter consciência disso, mas globalmente prevalece um
silêncio ensurdecedor que tudo tolhe.
Esta surtida rumo ao
futuro, transgredindo o quotidiano que tão intensamente nos rodeia neste tempo
de campanha eleitoral, não desvaloriza a importância do que está em causa a
curto prazo. Apenas procura contribuir para que se intensifique a ambição de
pensar a política, conjugando
intimamente o imediato com o longínquo.
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