segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Estratégias eleitorais , equívocos e horizontes.




Estratégias eleitorais , equívocos e horizontes.

1. Os efeitos das lutas políticas que ocorrem nas campanhas eleitorais não são predetermináveis com verdadeiro rigor e sem incertezas. Mas podem ir sendo aferidos, com algum grau de aproximação, se olharmos com atenção para o modo como se refletem nas sondagens feitas às intenções de voto no decorrer dos períodos pré-eleitorais, no tom dos comentadores políticos e no tipo de reações populares. É claro que essa aferição não nos livra de surpresas, quando chega a contagem dos votos.

Nestes confrontos contam, naturalmente, quer a densidade lógica dos argumentos, quer a honestidade intelectual com que são aduzidos, quer a importância que envolvem para vida das pessoas os temas focados. Na floresta de assuntos debatidos no decurso de uma campanha, os vários protagonistas têm momentos melhores ou piores; mais raramente grandes achados e grandes tropeções. Não é ainda tempo de um balanço geral dos cometimentos e das falhas na campanha que está a decorrer.


2. Na minha opinião, os inimigos políticos do PS situados à sua  direita, têm mostrado uma falha  estrutural na sua campanha. As suas críticas ao atual governo não têm sido impregnadas por uma atmosfera que torne verosímil a ideia de que a direita resolverá os problemas que denuncia melhor e mais prontamente do que aquilo que fez e fará o atual governo se continuar no poder. E como, em muitos casos, essa direita no fundo critica ferozmente as consequências do que ela própria fez quando foi Governo, a sua credibilidade aproxima-se do zero. E assim ela deixa no ar, quanto a si própria, um incontornável perfume de hipocrisia, permitindo que se adense a desconfiança quanto à sua capacidade para resolver os problemas que denuncia.


3. Quanto aos aliados de esquerda do PS, que também concorrem com ele nesta pugna eleitoral, independentemente do juízo que possa ser feito quanto a cada um dos temas de debate por eles levantados, incorrem, por seu lado, a meu ver, genericamente, em dois vícios estruturais.

Por um lado, em vez de assumirem politicamente esta legislatura de uma maneira clara e global, ficcionam o papel de cada um deles na tomada desta ou daquele medida, como se fossem quanto a elas em absoluto determinantes, e acentuam as clivagens ocorridas nos casos em que não houve acordo.

Ora, a verdade é que esta legislatura não foi apenas a história de um governo do Partido Socialista, foi também a história de um governo do Partido Socialista apoiado politicamente por uma maioria parlamentar, delimitada por um acordo político subscrito por todas as esquerdas parlamentares.

 Ao renunciarem a uma partilha clara do mérito de uma solução politica que globalmente também os envolve e que até é popular entre o povo de esquerda e prestigiada inernacionalmente, estão a oferecer ao PS um protagonismo quase exclusivo num caminho que objetivamente também lhes pertence. Dificilmente se pode admitir que esta via lhes seja politicamente vantajosa, faltando saber se o mesmo não ocorre no plano estritamente eleitoral.

Por outro lado, esses aliados e concorrentes do PS, têm centrado a sua agenda política num simples exacerbar da amplitude e da urgência de algumas reivindicações de melhorias na vida dos portugueses, mas sem porem em causa com clareza a eternização do atual modo de produção capitalista da vida social, gerador último das desigualdades mais fundas que assombram o nosso modo de viver. E assim, implicitamente,  tratam as injustiças sociais como simples externalidades negativas de um mau funcionamento de uma máquina social neutra, em cujo bom funcionamento se jogasse o essencial.  

Reconhecendo o relativo esquematismo da metáfora que vou utilizar e sem segundas intenções quanto ao fruto escolhido, é como se nos sentássemos debaixo de uma laranjeira exigindo que ela nos desse maçãs. Podemos aprimorar a qualidade das laranjas, intensificar a sua produção, mas nunca conseguiremos colher maçãs de uma laranjeira. Encerrados neste dilema os mais exigentes enfrentam rapidamente o risco de serem encarados como pedindo o impossível, por assim poderem  exaurir ou desregular a árvore que temos. E assim os aliados e concorrentes do PS, em vez de simplesmente tornarem ostensiva a urgência e a intensidade das suas exigências , que podem até ser objetivamente justas, correm o risco de as deixar contaminar com uma forte atmosfera de dúvida quanto à sua viabilidade prática ou quanto ao ritmo da sua efetivação.


4. Este ponto, ao que julgo, reflete uma incompletude desses protagonistas que no imediato pode favorecer eleitoralmente o PS. Mas , um e outros , a médio prazo,  não podem, sem grave risco, persistir na omissão de uma estratégia de plantação de um novo tipo de árvore, para uma substituição gradual das que estão caducas.

Na verdade, multiplicam-se exuberantemente os sinais objetivos e cada vez mais dramáticos , no plano ecológico, económico, político, social e cultural  da exaustão histórica do capitalismo. Esses sinais suscitam respostas equívocas e por vezes falsas que agravam os problemas que dizem querer resolver, mas é cada vez mais um suicídio coletivo ignorá-los ou mistifica-los.

Note-se que o novo anticapitalismo não é a projeção ideológica de uma hipotética nova era  das revoluções, nem o pano de fundo de extremismos circunscritos ou de radicalidades vanguardistas. É a valorização indispensável do contexto em que se poderá mover o indispensável processo de superação do capitalismo, um processo reformista de transformação social que permitirá uma saída ordenada do capitalismo, ao longo de uma transição democrática prolongada.

Aparentemente, esta perspetiva de longo prazo é um luxo perante as urgências do tempo em que vivemos. Puro engano. Nada mais urgente no imediato do que valorizar o longo prazo. Só assim encontraremos um caminho, só assim poderemos congregar o apoio sociopolítico indispensável para dar vida à transição. Encarando a realidade social parcela a parcela, todos parecem já ter consciência disso, mas globalmente prevalece um silêncio ensurdecedor que tudo tolhe.

Esta surtida rumo ao futuro, transgredindo o quotidiano que tão intensamente nos rodeia neste tempo de campanha eleitoral, não desvaloriza a importância do que está em causa a curto prazo. Apenas procura contribuir para que se intensifique a ambição de pensar a política,  conjugando intimamente o imediato com o longínquo.

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