domingo, 21 de fevereiro de 2010

Rumos da esquerda brasileira


O Partido dos Trabalhadores (PT) acaba de escolher como sua candidata às próximas eleições presidenciais no Brasil, Dilma Roussef, a preferida do Presidente Lula, cuja Casa Civil, aliás, actualmente chefia. Cargo esse que, pelas funções que implica, se aproxima do que é em Portugal o primeiro-ministro, pesem embora as apreciáveis diferenças, induzidas pelas diferenças constitucionais, entre os protagonismos presidenciais no plano da governação no Brasil e em Portugal. Está ainda por resolver quem será o vice-presidente na chapa de Dilma, embora pareça provável que seja alguém indicado pelo PMDB, talvez o seu presidente Michel Temer. Mas também não é certo que não surja um outro candidato: Ciro Gomes, deputado do Partido Socialista Brasileiro, que já foi ministro de Lual e pertence actualmente á coligação que o apoia.

Esta breve instrodução serve para contextualizar a entrevista, que a seguir se transcreve, retirada do importante jornal brasileiro "Folha de S. Paulo". O entrevistado é o politólogo brasileiro André Singer que já foi porta-voz do presidente Lula e que é filho do grande teórico da economia solidária Paul Singer, ele peóprio membro do actual governo de Lula.

A abrir a entrevista assinada pela jornalista Ana Flor , começa por se dizer que um "cientista político defende que partido do presidente Lula oriente suas alianças pelo programa, não pelo pragmatismo", Afirma-se depois que :" ex-porta-voz da Presidência diz poder haver convergência entre adeptos do "lulismo" -base social que elegeu o petista em 2006- e o PT."

E prossegue-se nos seguites termos:" Num momento em que a simples menção ao PMDB no documento petista sobre políticas de alianças provocou intenso debate no congresso do partido que terminou ontem -e que resolveu não citar a sigla como principal aliada na campanha-, o cientista político André Singer vai além: defende que o PT tenha coragem de dizer "não" ao PMDB. Singer, que foi secretário de Imprensa e porta-voz da Presidência no primeiro mandato de Lula, afirma que o "baixo teor programático do PMDB é danoso para o sistema partidário brasileiro" e que o PT ganharia mais se desse preferência a uma aliança com o PSB. "

FOLHA - O PT ainda é um partido de massas e de trabalhadores?

ANDRÉ SINGER - Continua sendo, mas já com as mudanças que eram previsíveis, de acordo com a trajetória dos grandes partidos socialistas das democracias ocidentais. O PT teve uma trajetória de sucesso eleitoral relativamente rápida. Isso faz com que o peso no partido dos que têm mandato comece a crescer. Essa trajetória faz com que o grau de participação, a chamada militância, vá diminuindo ao longo do tempo. Não é mais a militância da primeira década.

FOLHA - O que fez a influência de Lula crescer tanto no partido?

SINGER -O principal fator é o que eu tenho chamado de lulismo. É um fenômeno novo. Não é o resultado, ao meu ver, de um realinhamento eleitoral. A base social que elegeu Lula em 2006 é diferente da que o elegeu em 2002. Essa nova base social são os eleitores de baixíssima renda, foram o resultado de políticas de governo do primeiro mandato. Esse primeiro mandato significou uma mudança tão importante na estrutura eleitoral do país que deu ao presidente uma base que é relativamente autônoma do partido.

FOLHA - É uma base diferente daquela que sustenta o PT?

SINGER - O PT tem uma base eleitoral ampla, mas é uma base historicamente de classe média. O lulismo trouxe essa novidade de estar ancorado nessa base de baixo. Isso faz com que a adesão seja mais a uma figura que tem grande visibilidade do que a uma instituição, a um partido. Eu acho que é possível que haja uma convergência entre essa base social e o PT.

FOLHA - Se essa adesão ao projeto se confirmar, garantiria, então, a eleição da escolhida do presidente?

SINGER - É a minha percepção. É mais uma adesão de projeto do que carismática.
FOLHA - Quais os efeitos, para o PT, de uma aliança com o PMDB?

SINGER - O PMDB tem se caracterizado por ser um partido de baixo teor programático, o que é danoso para o sistema partidário brasileiro. Faz com que a política fique parecendo algo que diz respeito aos interesses dos políticos.

FOLHA - Então é ruim para o PT?
SINGER - A opção preferencial pelo PMDB fortalece esse aspecto negativo. Ela é compreensível do ponto de vista pragmático. Na minha opinião, o PT deveria arcar com um certo risco de procurar primeiro os partidos que estão mais próximos a ele no campo de esquerda e de centro-esquerda. No caso, o PSB, que tem como pré-candidato Ciro Gomes. O PSB ainda é um partido ideologicamente mais próximo do PT. Eu também poderia me referir ao PDT, ao PC do B. O PT deveria retomar uma prática de que suas alianças fossem orientadas pelo programa.

FOLHA - O PT decidiu não correr o risco por ter uma candidata eleitoralmente fraca?
SINGER - Eu acho que o problema é de outra natureza. Acho que o pragmatismo é uma força extraordinária em partidos eleitorais. Todo partido tende a ser fortemente pragmático.

FOLHA - Mas se o candidato fosse alguém mais conhecido do eleitor, seria diferente?

SINGER - Eu não sei. Uma vez estabelecidos os critérios pragmáticos, como o tempo na TV e essa relativa capilaridade eleitoral [do PMDB], sempre será um elemento fortemente levado em consideração. O que está em jogo é pragmatismo versus opção programática.
FOLHA - O fato de Lula ter escolhido a candidata enfraquece o PT?

SINGER - Essa é uma condição que está relacionada com a grande influência de uma liderança carismática, que tem os votos. Sem dúvida, ela significa que o partido é fortemente influenciado por essa liderança.

FOLHA - O lulismo pode engolir o PT?

SINGER - A questão se vai haver essa convergência ou não vai depender de em que medida esses eleitores que a meu ver aderiram ao lulismo irão pouco a pouco votar no PT. Nas eleições de 2006 os estudos mostram que isso não aconteceu. A base social do PT continua sendo a base social tradicional, mais forte no Sudeste e no Sul do que no interior do Norte e Nordeste. Dá para ver essa diferença entre lulismo e petismo.
[André Singrer, Lula e Celso Amorim]

1 comentário:

Ferreira disse...

Será extremamente interessante seguir os desenvolvimentos em torno desta candidatura.

É notável a euforia em torno de Lula- a atenção que ganha por quem o ouve e a confiança que transmite de volta.

No que toca à campanha, esta parece já ter começado há algum tempo – a nível internacional - lembre-se que Dilma tem vindo a acompanhar Lula nalgumas das suas deslocações ao estrangeiro e o reconhecimento fora do país é um factor crucial para o fortalecimento da imagem de qualquer candidato.

Numa altura em que o Brasil tem em curso uma panóplia de projectos estruturantes e de importância estratégica a nível interno e, a seu tempo, externo, a escolha do Presidente será de um peso primodial no futuro desta Potência em construção.

No seguimento das minhas impressões, ficam-me estas questoes: conseguirão os brasileiros ver em Dilma Roussef a mesma imagem de confiança que Lula da Silva tem vindo a anunciar?
Conseguirá Dilma Roussef afirmar-se perante os adversários políticos contra quem concorre?
À boa moda das novelas brasileiras, é caso para dizer: continua no próximo episódio!