quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Não batam nas pobrezinhas!


Os jornais fazem generoso eco da disposição de algumas companhias de seguros se irem queixar às instâncias da União Europeia, por uma suposta infracção das leis da concorrência pelo actual Governo, uma vez que ele se propõe lançar um novo tipo de complemento de pensões sob responsabilidade pública.

As leis da concorrência não têm nada a ver com isto. O Estado, destinado a pugnar pelo bem público, bem como pelo acréscimo e generalização justa do bem-estar dos cidadãos, não pode ser impedido de o fazer, em nome do interesse particular dos grandes accionistas das companhias de seguros, que querem ter uma nova oportunidade de fazerem crescer os seus lucros, mesmo à custa de uma diminuição das regalias dos cidadãos, que queiram aceitar esse contrato público, que lhes é proposto (ou do aumento do risco de as ver perdidas ).


Na verdade, o direito a procurar investir especulativamente, seja em que tipo de actividade for, por parte seja de quem for, não pode corroer uma das mais nobres razões de ser do Estado moderno, e, ainda por cima, à custa das dificuldades dos menos favorecidos. De facto, não é concebível que alguns dos que mais benefícios retiram de uma sociedade de desigualdades, procurem aproveitar as fraquezas dos que são por elas mais lesados , para lucrarem uma segunda vez à custa deles.

Ou será que as companhias de seguros pretendem renunciar aos lucros, quanto a este tipo de seguros ? É que, se isso não acontecer ( e só por absurdo se pode imaginar que aconteça), os cidadãos, que optassem por esse tipo de complemento de reforma, veriam a sua posição necessariamente prejudicada pelos lucros auferidos pelos investidores no referido negócio. E mesmo que uma iniciativa pública precise de garantir a sua perenidade, através de investimentos que representarão vantagens não fruídas pelos segurados, o mesmo ocorrerá com as entidades privadas que se ocupem de iniciativa igual.



Com uma diferença: sob pena de não fazer sentido manter-se, uma entidade privada lucrativa precisará de investir, como o Estado o tem que fazer, para se manter, mas precisará também de garantir os lucros esperados pelos respectivos accionistas. Estes lucros não podem deixar de ser uma desvantagem relativa e automática, para os segurados abrangidos por esse tipo de complemento de pensão, por se reflectirem necessariamente na sua diminuição.

Daqui não se pode fugir, por mais que se despejem nos palcos mediáticos especialistas exuberantes que assegurem a excelência das soluções privadas lucrativas e a terrível desqualificação das iniciativas públicas.

Aliás, um Estado não cai em insolvência, mas uma companhia de seguros privada pode cair. E nesse caso, ficariam os cidadãos irremediavelmente lesados? Ou querer-se-ia que fosse o Estado a pagar-lhes ? Se essa imoralidade acontecesse, seria como se os lucros das companhias fossem privados, mas os prejuízos colectivizados. Negócio realmente arriscado...para o Estado, claro.

Por isso, se por hipótese absurda , dos corredores de Bruxela saltasse uma admoestação ao Governo, isso apenas quereria dizer que o fundamentalismo neoliberal teria penetrado muito mais profundamente na União Europeia do que aquilo que os mais pessimistas querem admitir.

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