Hoje, vamos recorrer a um livro publicado depois da
morte do seu autor, Reinaldo Ferreira. “Poemas” é o seu título. Foi editado pela Portugália , na coleção “POETAS DE HOJE"( 3ª edição-
1970), com um prefácio de José
Régio. Reinaldo
Ferreira nasceu em Barcelona em 1922 e morreu em
Moçambique, em 1959, onde vivia desde 1941. Tinha o mesmo nome que seu pai Reinaldo Ferreira (1897-1935), o célebre Repórter X, reputado como um dos melhores jornalistas do seu
tempo.
Vamos editar hoje dois poemas emblemáticos, como altas expressões de uma resistência futurante, que de algum modo se podem olhar como duas faces de uma mesma moeda. De um lado, a tristeza dos heróis empalhados pelas instituições patrioteiras, do outro lado, o heroísmo sem margens de um povo em armas, para resistir ao fascismo.
Enfim, leiam-se, já que falam realmente por si.
Vamos editar hoje dois poemas emblemáticos, como altas expressões de uma resistência futurante, que de algum modo se podem olhar como duas faces de uma mesma moeda. De um lado, a tristeza dos heróis empalhados pelas instituições patrioteiras, do outro lado, o heroísmo sem margens de um povo em armas, para resistir ao fascismo.
Enfim, leiam-se, já que falam realmente por si.
POEMAS - Reinaldo Ferreira
Receita para fazer um herói
Tome-se um homem
Feito de nada como nós,
E em tamanho natural.
Embeba-se-lhe a carne,
Lentamente,
Duma certeza aguda, irracional,
Intensa como o ódio ou como a fome.
Depois, perto do fim,
Agite-se um pendão
E toque-se um clarim.
Serve-se morto.
A que morreu às portas de Madrid
A que morreu às portas de Madrid,
Com uma praga na boca
E a espingarda na mão,
Teve a sorte que quis
Teve o fim que escolheu.
Nunca passiva e aterrada, ela rezou.
E antes de flor, foi, como tantas, pomo.
Ninguém a virgindade lhe roubou
Depois de um saque ─ antes a deu
A quem lha desejou,
Na lama de um reduto,
Sem náusea mas sem cio,
Sob a manta comum,
A pretexto do frio.
Não quis na retaguarda aligeirar,
Entre «champagne», aos generais senis,
As horas de lazer.
Não quis, ativa e boa tricotar
Agasalhos pueris,
No sossego de um lar.
Não sonhou minorar,
Num heroísmo branco,
De bicho de hospital,
A aflição dos aflitos.
Uma noite, às portas de Madrid,
Com uma praga na boca
E a espingarda na mão,
À hora tal, atacou e morreu.
Teve a sorte que quis,
Teve o fim que escolheu.
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