Hoje, escolhi para vos recordar um poema de Egito
Gonçalves (1920/2001), “Notícias do Bloqueio”. Foi publicado pela primeira vez em livro em 1958, em “Viagem com o teu rosto”, mas, segundo o autor, data de 1952. Logo depois, em
1953, integraria o 4º número da revista de poesia Árvore fundada no outono de
1951, extinta pele máquina repressiva do
fascismo na primavera de 1953, com o número acima referido. Todos os
números da “Árvore – folhas de
poesia” viriam mais tarde (2003)
a ser publicados pelo Campo das Letras em edição fac-similada. Em 1980, Egito Gonçalves fez publicar no Círculo de Poesia da
Moraes Editora uma seleção dos seus “Poemas Políticos”(1952-1979) que abre precisamente com as “Notícias
do Bloqueio”.
Amado pela resistência e pela poesia, o poema foi ganhando raízes numa e
noutra, instituindo-se como uma das mais intensas poesias inscritas na
resistência cultural ao fascismo. Uma poesia que nos interpelava e interpela
pela sua generosa ternura e pela indómita energia de uma resistência que não se
cansa.
De algum modo, há ainda um bloqueio que cerca a ilha imaginária da
esperança e faltam ainda víveres na cidade.
NOTÍCIAS DO BLOQUEIO
-Egito
Gonçalves –
Aproveito a tua neutralidade,
o teu rosto oval, a tua beleza clara,
para
enviar notícias do bloqueio
aos que no continente esperam ansiosos.
Tu lhes dirás do coração o que sofremos
nos dias que embranquecem os cabelos…
Tu lhes dirás a comoção e as palavras
que prendemos ─ contrabando ─ aos teus cabelos.
Tu lhes dirás o nosso ódio construído,
sustentando a defesa à nossa volta
─ único acolchoado para a noite
florescida de fome e de tristezas
Tua neutralidade passará
por sobre a barreira alfandegária
e a tua mala levará fotografias,
um mapa, duas cartas, uma lágrima…
Dirás como trabalhamos em silêncio,
como comemos silêncio, bebemos
silêncio, nadamos e morremos
feridos de silencio duro e violento.
Vai pois e notícia com um archote
aos que encontrares de fora das muralhas
o mundo em que nos vemos, poesia
massacrada e medos à ilharga.
Vai pois e conta nos jornais diários
ou escreve com ácido nas paredes
o que viste, o que sabes, o que eu disse
entre dois bombardeamentos já esperados.
Mas diz-lhes que se mantém indevassável
o segredo das torres que nos erguem,
e suspensa delas uma flor em lume
grita o seu nome incandescente e puro.
Diz-lhes que se resiste na cidade
desfigurada por feridas de granadas
e enquanto a água e os víveres
escasseiam,
aumenta a raiva
e a esperança reproduz-se.
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