domingo, 24 de maio de 2020

1- UM LIVRO, UM POETA - -Daniel Filipe


1      1. Em 13 de janeiro de 2017, ‘publiquei neste blog  o seguinte texto:

Incluí neste blog uma série de evocações de poetas que , por uma ou outra razão, por um ou outro poema, produziram em mim um eco mais fundo. Fi-lo através de uma seção específica, “Um livro, um poema”, mas que por vezes incluiu para cada autor mais do que um poema.

Desde 2 junho de 2015 que a interrompi. Até então, a um ritmo irregular havia recordado: Daniel Filipe, G. Ungaretti, Carlos de Oliveira, Manoel de Barros, Egito Gonçalves, B. Brecht, Reinaldo Ferreira, João Cabral de Melo Neto, Pablo Neruda, Sidónio Muralha, Manuel Bandeira, Cesário Verde e António Nobre.

Uma e outra vez decidi retomar essas evocações. Por uma razão ou por outra, isso foi não acontecendo.

O facto de, na homenagem prestada no Mosteiro dos Jerónimos a Mário Soares aquando da sua recente morte, ter sido incluída a transmissão de dois poemas  de Álvaro Feijó declamados por Maria Barroso, foi o impulso que me fez retomar a série há tanto interrompida. Vou pois transcrever esses dois poemas: “ Os dois sonetos de amor da hora triste”.

Embora  dando continuidade à série, vou introduzir uma ligeira alteração na sua designação que passará a ser: “ Um livro, um poeta”. Ela traduz mais fielmente o que ela tem sido e que penso que venha a ser.”

2. Afinal o regresso assinalado neste texto foi um fogo-fátuo. Limitou-se a esta evocação de Álvaro Feijó e a uma outra de Vinicius de Moraes, em  de 14 de janeiro de 2017. A partir daí mais nada. Estamos em maio de 2020.
Resolvi retomar o empreendimento, começando por repetir a relembrança dos quinze poetas que já foram evocados. Vou recordá-los pela mesma ordem, reproduzindo no essencial os textos que então escrevi. Pode acontecer que introduza alterações de pormenor e que acrescente um ou outro poema, num ou noutro caso. Comecemos então por Daniel Filipe:





"A Invenção do Amor e outros poemas"

Vou  reabrir neste blog uma secção de poesia, de recordação de alguns livros de alguns poetas, começando por percorrer de novo o trajeto seguido em 2015. Em cada um dos casos publicarei um poema ou alguns poemas, ou um extracto de poema desse livro. Pela força das coisas serei certamente levado a preferir poemas curtos. Publicarei poemas em língua portuguesa ou traduções para português de poetas que escreverem noutras línguas.

Começo hoje  pelo livro” A invenção do amor e outros poemas” do poeta cabo-verdiano, Daniel Filipe, nascido em 1925 em Cabo Verde , onde viria a falecer em 1964. Teve a honra de ser perseguido politicamente pelo fascismo salazarista. Publico aqui o início do poema que dá o título ao livro.

A invenção do amor (extracto)

Em todas as esquinas da cidade

nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminho de ferro que foi o lar da nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor

Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana

Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e fome de ternura

e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado.

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