1 1. Em 13 de janeiro de 2017, ‘publiquei neste
blog
o seguinte texto:
“ Incluí neste blog
uma série de evocações de poetas que , por uma ou outra razão, por um ou outro
poema, produziram em mim um eco mais fundo. Fi-lo através de uma seção
específica, “Um livro, um poema”, mas que por vezes incluiu para cada
autor mais do que um poema.
Desde 2 junho de 2015 que a interrompi. Até
então, a um ritmo irregular havia recordado: Daniel Filipe, G. Ungaretti, Carlos de Oliveira, Manoel de Barros, Egito
Gonçalves, B. Brecht, Reinaldo Ferreira, João Cabral de Melo Neto, Pablo
Neruda, Sidónio Muralha, Manuel Bandeira, Cesário Verde e António Nobre.
Uma e outra vez decidi
retomar essas evocações. Por uma razão ou por outra, isso foi não acontecendo.
O facto de, na homenagem
prestada no Mosteiro dos Jerónimos a Mário Soares aquando da sua recente morte,
ter sido incluída a transmissão de dois poemas de Álvaro Feijó declamados por Maria Barroso, foi o impulso que me fez
retomar a série há tanto interrompida. Vou pois transcrever esses dois poemas: “ Os dois sonetos de amor da hora triste”.
Embora dando
continuidade à série, vou introduzir uma ligeira alteração na sua designação
que passará a ser: “ Um livro, um poeta”. Ela traduz mais fielmente o
que ela tem sido e que penso que venha a ser.”
2. Afinal o regresso assinalado neste texto foi um fogo-fátuo. Limitou-se a
esta evocação de Álvaro Feijó e a uma outra de Vinicius de Moraes, em de 14 de janeiro de 2017. A partir daí mais
nada. Estamos em maio de 2020.
Resolvi retomar o empreendimento, começando por repetir a relembrança dos
quinze poetas que já foram evocados. Vou recordá-los pela mesma ordem,
reproduzindo no essencial os textos que então escrevi. Pode acontecer que
introduza alterações de pormenor e que acrescente um ou outro poema, num ou
noutro caso. Comecemos então por Daniel
Filipe:
"A Invenção do Amor e outros
poemas"
Vou reabrir neste blog uma secção
de poesia, de recordação de alguns livros de alguns poetas, começando por
percorrer de novo o trajeto seguido em 2015. Em cada um dos casos publicarei um
poema ou alguns poemas, ou um extracto de poema desse livro. Pela força das
coisas serei certamente levado a preferir poemas curtos. Publicarei poemas em
língua portuguesa ou traduções para português de poetas que escreverem noutras
línguas.
Começo hoje pelo livro” A invenção do amor e outros poemas”
do poeta cabo-verdiano, Daniel Filipe, nascido em 1925 em Cabo Verde , onde viria a
falecer em 1964. Teve a honra de ser perseguido politicamente pelo fascismo
salazarista. Publico aqui o início do poema que dá o título ao livro.
A invenção do amor (extracto)
Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminho de ferro que foi o lar da nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor
Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana
Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado.
A invenção do amor (extracto)
Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de aparelhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminho de ferro que foi o lar da nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor
Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia quotidiana
Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado.
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