sábado, 29 de setembro de 2018

CAPRICHO ITALIANO?


1. Em meados do corrente mês de setembro, foi divulgada em Itália uma sondagem das intenções de voto dos italianos. Os dois partidos (Movimento Cinco Estrelas e Liga) que estão na base do governo atual, e que em março passado tinham obtido 50,1% dos votos, obtiveram 59,6% das intenções de voto. A Liga (extrema-direita) que tivera 17,4% dos votos tinha agora 30,2% das intenções de voto, enquanto o Mov.5 Estrelas (centro populista) passou de 30,2% dos votos para 29,4% das intenções de voto. Ou seja, a extrema-direita, hoje minoritária no Governo, passaria a força dominante, se estas intenções de voto se confirmassem, escassos meses depois de ser governo.


A Liga concorreu às eleições de março, integrada numa coligação de direita que abrangeu também a Força Itália (de Berlusconi) [14% dos votos] e os Irmãos de Itália (extrema-direita clássica) [4,4%]. Nesta sondagem, a primeira tem 8,7% das intenções de voto e os segundos, 2,7%. Ou seja, a Coligação de direita, que teve em março 35,8% dos votos, passaria a ter 41,6% das intenções de voto. Mas a Liga, em vez de ser um partido ligeiramente mais forte do que o segundo (antes dominante), passaria a ser a força largamente dominante. E embora a Coligação de direita se tenha dividido quanto a este governo, estando uma parte dentro e outra parte fora dele, já foi anunciado que se manteria em próximas eleições.
 
Nas eleições de março passado, o Partido Democrático (PD) [que faz parte do  Partido Socialista Europeu], força dominante do governo anterior, foi o grande derrotado, tendo-se ficado pelos 18,7%. Na sondagem mais recente, que tem vindo a ser comentada , a sua posição quanto a intenções de voto é ainda mais modesta : 17,3%. Dois outros partidos de esquerda, em parte resultantes de cisões do PD, LeU ( Liberi e Uguali) e PP ( Potere al Popolo), tiveram nas eleições de março, respetivamente :3,4% e 1,1%. Na sondagem recente, em intenções de voto, o primeiro teve 2,9% e o segundo 2,2%. Ou seja, a Esquerda que, no seu todo, somou em março uns desastrosos 23,2 %, conseguiu nessa sondagem a proeza de descer ainda mais, chegando aos 22,4%. Mas encarado isoladamente o PD, em vez de recuperar, desceu 1,4%. Mostrou assim a sua impotência para consubstanciar um sobressalto democrática contra  o controverso governo italiano atual  de Conte/ Di Maio/ Salvini.


Panorama insalubre, bem ilustrado pelo protagonismo de Salvini na cena política europeia,como uma das mais ostensivas alavancas do reerguer da extrema-direita. Panorama enegrecido pela divulgação, em conjunto com a sondagem referida, de um gráfico comparativo da avaliação do desempenho do atual governo e dos governos anteriores, liderados pelo PD e encabeçados primeiro  por Renzi e depois por Gentiloni.

Do primeiro são considerados os meses de abril a novembro de 2016, no âmbito dos quais atingiu, quanto a uma valorização positiva, um máximo de 44% em outubro e um mínimo de 39% em abril. Do segundo, é considerado todo o tempo de duração do seu governo, tendo tido a avaliação mínima no seu início em dezembro de 2016, com 38%; e a máxima no seu último mês em fevereiro de 2018, com 45%.O atual governo tem duas avaliações com duas valorizações positivas; uma  de 57% em junho e outra de 62%  em setembro. Fica assim claro o êxito do atual governo italiano em termos de popularidade, a inocuidade cúmplice da direita clássica e a desorientação gritante da esquerda, especialmente grave quanto ao PD. 
 
2. As próximas eleições para o Parlamento Europeu, que vão decorrer em meados de 2019,  perfilam-se no horizonte como auspiciosas para a extrema-direita e como sombrias para a esquerda. E tudo indica que sê-lo-ão tanto mais, para uns e outros, quanto menos a esquerda for capaz de mostrar um caminho novo para os europeus. Um caminho  que possa esvaziar a atmosfera de descontentamento e frustração sociais de que a extrema-direita se tem alimentado. Um caminho que se aproxime realmente dos povos e resista ao garrote do capital financeiro.
 
Na verdade, quer a extrema-direita, quer a direita clássica mais autoritária, vão continuar a explorar a imigração como nuvem de medos irracionais e vão apostar num soberanismo nacional que se apresente como resistência a uma burocracia europeia sem alma que suga os povos. E pouco importa que essa imagem seja de um simplismo primário que a afasta da verdade, se os poderes dominantes na União Europeia continuarem mergulhados na deriva neoliberal, insistindo no veneno de uma decadência injusta  como se estivessem a conduzir a Europa para um doce paraíso. Incapazes de enfrentarem realmente os problemas da União Europeia abrem a porta a todos os desesperos e encorajam todos os atalhos, mesmo aquilo que prometem sejam apenas noites mais negras.
 
Sem prejuízo de todas as esquerdas deverem ser tidas em conta, é na resposta que for dada pelos partidos que integram o Partido Socialistas Europeu que se joga o essencial destas eleições. Eles têm que tornar evidente que vão assumir a representação dos europeus a quem a atual desigualdade social mais penaliza, que estão decididos a percorrer esse caminho duravelmente. Sem ambiguidades ou tergiversações; sem sofreguidões precipitadas mas com urgência. Ou seja, a qualidade da sua resposta  depende da medida em que se libertarem  do colete de forças ideológico- político que os tem constrangido.
 
Esta nova atitude tem que ser evidente. Não pelo facto de ser proclamada, mas como ressonância óbvia das opções programáticas , das medidas propostas e da posição assumida no xadrez político pelos socialistas. Só assim uma ampla parcela do povo de esquerda sentirá como seus os partidos integrados no PSE, apoiando-os.

Do mesmo modo, só assim se criarão condições para um acolhimento digno dos refugiados extra-europeus . Um acolhimento que desse modo será um aspeto de uma politica de promoção da igualdade e da dignidade de todos os cidadãos , sejam eles europeus sejam eles refugiados.
 
Na verdade, ter a ilusão que é possível, sem abrir espaço para a extrema-direita e para a direita xenófoba, receber condignamente os refugiados extra-europeus numa Europa que continua a escavar as suas desigualdades internas e a desrespeitar uma parte significativa dos seus povos é isso mesmo : uma ilusão. Não é esse o único pressuposto relevante para uma política europeia de imigração justa e humanamente saudável, mas é uma condição sine qua non.
 
Na verdade, o atual panorama político italiano pode ensinar-nos muito se o lermos com cuidado e sem preconceitos. Discursos redondos, circunlóquios ideológicos presos na rotina, subordinação à lógica do capital financeiro, longos textos de um europês burocrático, são elementos que podem gerar uma tempestade perfeita.

Hoje, mais do que nunca, a propósito do que está em jogo nas próximas eleições europeias, tem plena atualidade a conhecida frase de Bossuet: " Não há pior desregramento do espírito do que tomar como realidade aquilo que gostaríamos que ela fosse".


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