domingo, 8 de maio de 2011

HOMENAGEM A PAULO QUINTELA

O acaso da peregrinação por revistas de outro tempo levou-me a uma Vértice de 1967, ao número 282/283, que correspondeu ao 25º aniversário dessa revista, então editada em Coimbra. Um número publicado dentro dos dez anos ( 1964/1974 ) em que pertenci ao Conselho de Redacção dessa revista. Ao passar os olhos pelo respectivo índice, deparei com seis poemas de Paulo Quintela.



Com o tempo a memória torna-se injusta. Frequento, de quando em vez, as traduções magistrais da autoria de Paulo Quintela, especialmente de poemas de Brecht. Mas não tinha memória de poemas da autoria do próprio Paulo Quintela. Percorri-os com curiosidade; e fiquei com um sentimento mais fundo de mágoa pelas injustiças em que a nossa memória tantas vezes incorre.




Por isso, o mínimo que tenho obrigação de fazer é prestar homenagem a Paulo Quintela: ao que ele deu à cultura portuguesa, à Univerisdade de Coimbra e a sucessivas gerações de estudantes, através do Teatro de Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC). E não posso aqui também esquecer o apoio generoso ( e tão importante) que deu ao punhado de socialistas, oriundos do PS e com outras origens, que com Lopes Cardoso iniciaram em 1978 a aventura da UEDS (União da Esquerda para a Democracia Socialista). E não posso esquecer, porque era um deles. Não se filiou, mas encorajou-nos e apoiou-nos publicamente.



E nada mais apropriado, nesta circunstância, para sublinhar o calor dessa homenagem do que transcrever um dos seis poemas acima referidos.




CONTRIBUIÇÃO PARA UM FUTURO RETRATO

Valeu a pena o desgaste, a erosão
Do tempo no meu rosto
─ As rugas da angústia e da meditação
E do desgosto;
Os traços verticais da cólera entre os cenhos;
Os desenhos
Que as lágrimas abriram com seu sal;
O amargo vale
A emoldurar a boca arrepanhada
De sarcasmo brutal
Ou de azeda ironia,
Quase sempre cerrada.
Raro aberta de inata bonomia;
Os olhos fatigados.
Mas ainda e sempre apaixonados
Da beleza do mundo ─ ;

Valeu a pena ter descido ao fundo
Da dor e da paixão;
Ter dado amor e amizade
Pra receber traição;
Ter sofrido o desterro e a saudade
Na própria terra em que nasci ─ ;

Valeu a pena ao declinar da idade
Poder dizer «amei, sofri ─ vivi» ─ ;

Valeu a pena tudo retratar
Em carne viva e dura
Nesta face cansada ─

Pra tu poderes passar a mão alada
De ternura
E estudar, decorar
A geografia complicada
Da humana criatura ─ ;

Ouvir dizer que gostavas de a guardar
Na memória amorosa dos teus dedos...

[ Paulo Quintela ]

1 comentário:

Henrique Dória disse...

Como precisávamos hoje de Paulo Quintela, da sua grandeza moral e intelectual! Ainda bem que o recordaste aqui, Rui.
Gostaria que comentasses um texto sobre a igualdade que coloquei em baixo como comentário e outros que tenho no odisseus. Uma abraço