AS LISTAS DO PS ─ um drama virtuoso?
1.
Estamos em pleno drama da constituição das listas de deputados no PS. O
desenlace será certamente aplaudido, seja com o vigor do entusiasmo incontido,
seja com o choque ligeiro das mãos desanimadas
Quem valorize a memória
de dramas anteriores, uns mais intensos outros mais ligeiros, calculará por certo
que dificilmente se atingirá no panorama geral um nível de desastre, sendo
certo, no entanto, que é improvável que se justifique um clamor de júbilo. Que
fiquemos mais perto do júbilo do que do desastre é o discreto desejo dos
socialistas. E o que é válido para o conjunto das listas ocorre também naturalmente
com cada uma delas, preocupando-se decerto cada um de nós, em especial, com a da sua federação.
Afastado das instâncias
onde mais sistematicamente se tece o destino, desconheço se já há
verdadeiramente esboços criveis de futuras listas, se há e com que
protagonistas competições ferozes. Tenho-me é certo apercebido, como cidadão
atento, do esvoaçar de alguns nomes pelo espaço público. Uns parecem
vocacionados para nos fazer sonhar, outros quase nos assustam. Entre o sonho de
sonharmos e o risco de nos assustarmos, esperamos. Sendo certo, deve dizer-se,
que provavelmente aquilo que faz uns sonhar assusta outros. Este dilema não
pode evitar-se, mas há um caminho para lhe retirar dramatismo, a democracia.
É um caminho que, em
tonalidades diversas, muitos têm vindo a propor há muitos anos. Já houve mesmo
algumas experiências auspiciosas. Não há tempo na conjuntura atual para o
percorrer desta vez. Mas sendo inviável percorrer-se o melhor caminho, não fica
legitimado a indiferença quanto à qualidade da via que for escolhida. A impossibilidade
circunstancial da perfeição não pode abrir a porta à banalidade da imperfeição.
2.
E uma das imperfeições que não deve aceitar-se é a de não se respeitarem as
regras que forem fixadas. Vale a pena, por isso, revisitar os critérios
instituídos para a escolha dos candidatos a deputados pelo PS.
2.1. Nos termos do
nº 5 do art.º 67 dos Estatutos do PS
: “A
Comissão Política Nacional, sob proposta do Secretário-Geral, tem o direito de
designar candidatos para as listas de Deputados à Assembleia da República,
tendo em conta a respetiva dimensão, indicando o seu lugar de ordem, num número
global nunca superior a 30% do número total de deputados eleitos na última
eleição em cada círculo eleitoral.” Ou seja, no caso de Coimbra, tendo o PS
eleito 4 deputados, a CPN pode indicar um candidato que deverá ser o cabeça de
lista, em virtude dos critérios recentemente explicitados na CN. A escolha de
todos os outros candidatos é da competência da Comissão Política da Federação
Distrital.
No entanto, esta
competência não é livre, já que o número imediato do mesmo artigo diz: “Sem prejuízo do disposto nos números
anteriores, os processos de designação dos candidatos a titulares de cargos
políticos ocorrem de acordo com os critérios e as metodologias estabelecidos em
orientação aprovada pela Comissão Nacional.”
Pelo que a Comissão de Federação faz as
suas escolhas, de acordo com um juízo político que é seu, mas tem de respeitar
os critérios globais, previamente
instituídos pela Comissão Nacional. Se o não fizer, fica sob a alçada do
disposto no número seguinte:” Quando a
Comissão Política Nacional considerar que uma lista de candidatos a Deputados à
Assembleia da República, aprovada em Comissão Política da Federação, não cumpre
os critérios e/ou as metodologias estabelecidos no número anterior, pode, por
maioria dos membros em efetividade de funções, avocar a deliberação relativa à
composição da lista.”
2.2. Situado num
plano hierárquico inferior, há também que considerar o “Regulamento
eleitoral interno e de designação de candidatos a cargos de representação
política”. Ele confirma, como não poderia deixar de ser, o disposto nos Estatutos,
mas especifica o modo de o concretizar. Eis o que dispõe o seu Art.º 17 sobre a “designação
dos candidatos a Deputados à Assembleia da República”:
1. Compete à Comissão Política da Federação de cada
círculo eleitoral aprovar a constituição da lista de candidatos a deputados à
Assembleia da República.
2. O procedimento de designação da lista de candidatos,
sujeito sempre à observância dos critérios objetivos formulados pela Comissão
Política Nacional, é feito nos seguintes termos:
1. Apresentação prévia de candidaturas, fundamentadas e
individuais, ao Secretariado da Federação, devendo este dar conhecimento destas
candidaturas à Comissão Política da Federação;
2. Apresentação de lista para votação em reunião da
Comissão Política da Federação, sob proposta do Secretariado da Federação;
3. Decorridos 5 dias após a votação referida na alínea
anterior ou esta se converte em definitiva ou há lugar a nova deliberação se,
nesse prazo, for proposta uma lista alternativa, cuja propositura seja
subscrita cumulativamente por 10% dos militantes da Federação com capacidade
eleitoral, um terço dos membros da Comissão Política da Federação e com
observância dos critérios objectivos formulados pela Comissão Política
Nacional;
4. No caso previsto no final da alínea anterior as listas
são colocadas à votação de todos os militantes com capacidade eleitoral
inscritos na respectiva Federação.
3. A Comissão Política Nacional, sob proposta do
Secretário-Geral, tem o direito de designar candidatos para as listas de
deputados, tendo em conta a respectiva dimensão, indicando o seu lugar de
ordem.”
Como se vê o Regulamento consolida o disposto nos Estatutos, acrescentando-lhe apenas um
pequeno roteiro procedimental e regulando a hipótese de vir a surgir mais do
que uma proposta de lista. Nada traz de novo relativamente à repartição de
competências entre os órgãos nacionais e federativos.
2.3. Por último, percorramos os “Critérios para a
escolha de candidatos a deputados nas próximas eleições legislativas”, aprovados na Comissão
Nacional, sob proposta da Secretária-Geral Adjunta do PS, Ana Catarina Mendes.
De acordo com o testemunho de camaradas que participaram nessa CN, os
critérios aí aprovados sublinharam o conteúdo de algumas disposições
estatutárias e deram relevo a algumas recomendações específicas.
Foi assim explicitada a competência da
CPN para, sob proposta do Secretário-Geral, escolher até 30% dos candidatos
que, no respetivo círculo, tenham sido eleitos nas eleições legislativas
anteriores. No âmbito dessa competência, é reservada ao SG a faculdade de
designar os cabeças de lista. As regiões autónomas estão excluídas destas
regras.
Em cumprimento da lei, impõe-se que, no
ordenamento dos candidatos, não possam suceder-se três do mesmo sexo.
Estatui-se também que as listas devem envolver necessariamente uma
representação diversificada da sociedade portuguesa, com destaque quer para o
plano profissional, quer para o geracional. É imperativo ouvir-se a propósito
das listas quer a Juventude Socialista, quer as Mulheres Socialistas.
Na escolha dos candidatos valoriza-se a
representatividade territorial. Essa valorização é calibrada com base no peso
relativo dos espaços que integram cada círculo eleitoral, em cuja determinação tem
especial importância a distribuição do peso eleitoral do PS. Na escolha em
causa, valorizam-se naturalmente as exigências da ação política, no âmbito da
qual se dá relevo ao contributo esperado de cada um para a coesão da candidatura, bem como para a difusão e
para o cumprimento do programa eleitoral e de Governo do PS.
Por fim, foram tidos em conta
autonomamente dois tópicos. Por um lado, enunciaram-se os aspetos da atividade
dos deputados cessantes que devem ser tidos em conta para a eventual decisão de
os recandidatar. Por outro lado, foi expressamente mencionada a subscrição de
um compromisso ético a que todos os candidatos estão obrigados.
Foram estes os critérios realmente
aprovados na CN, sendo por isso os únicos em vigor. Não cabe no espírito deste
texto avaliá-los criticamente, avaliar a sua completude, a sua clareza, o seu
acerto. É a eles, bem como evidentemente aos Estatutos e ao Regulamento
Eleitoral, que têm que obedecer as Comissões Políticas Distritais no exercício
das suas competências nesta matéria; o mesmo acontece com o Secretário-Geral e
com a Comissão Política Nacional. Todos dispõem dos poderes que expressamente
lhes são conferidos, ninguém dispõe de poderes livres que possa exercer
arbitrariamente.
3.A constituição de uma lista de
candidatos a deputados é um processo complexo, cujos resultados podem ser
avaliados por diversos prismas. Embora nem todos tenham a mesma importância, nenhum
pode ser desvalorizado por completo. A lista tem que ser eleitoralmente
competitiva, sendo neste plano naturalmente relevante a qualidade e o impacto
do cabeça de lista. Será desejável que essa competitividade se radique principalmente
no prestígio cívico, político, intelectual e profissional dos candidatos.
Na
verdade, para além do desejado efeito imediato, desse modo os deputados que
vierem a ser eleitos serão, durante o mandato, uma provável fonte permanente de
prestígio para a Federação em particular e para o Partido em geral. Por outro
lado, tenderão a potenciar a qualidade do exercício da sua função de deputados,
valorizando o trabalho parlamentar no seu todo e robustecendo a importância política
da Federação a que pertençam. Se tiverem um protagonismo parlamentar forte e
exercerem um mandato em ligação permanente com sua Federação poderão ser um
importante recurso político no enraizamento social e político do Partido e no
seu reforço no distrito e no país.
Ou seja, muito simplesmente, uma boa
lista de candidatos será sempre algo de bom e de estimulante, pelo que não é
aceitável que prevaleçam jogos de pequenos sonhos e longas carreiras, paroquialismos
de grupo, sobrancerias lisboetas. É claro, que a capacidade de trabalho e de
reflexão políticos, a militância persistente e responsável, a disponibilidade
para o trabalho político quotidiano, não podem ser desconsideradas. Mas o que
está aqui em causa deve ser muito mais do que um jogo de ambições individuais,
ainda que compreensíveis e legítimas. O
que está aqui em causa é o imperativo de contribuirmos realmente como Partido
para caminharmos para uma sociedade mais
justa e mais livre. Nesse combate evidentemente que os deputados não são tudo,
mas vão ocupar uma instância muito importante que em certos casos pode ser
decisiva.
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