sexta-feira, 12 de julho de 2019

A relação de forças resultante das eleições legislativas na Grécia





A relação de forças resultante das eleições legislativas na Grécia

1. Vale a pena revisitar-se o resultado das recentes eleições legislativas ocorridas na Grécia, para se chegar a uma ideia precisa do modo como o conjunto dos eleitores realmente se pronunciou. O alarido dos grandes títulos e a vozearia televisiva, tendo dito alguma coisa, não disseram tudo.

Sem dúvida que o  resultado dessas eleições foi uma vitória nítida da direita clássica, a Nova Democracia, traduzida numa maioria absoluta de 158 deputados num parlamento de 300. Recordemos, no entanto, que o sistema grego de distribuição de mandatos implica um bónus de 50 lugares para o partido mais votado. Nas eleições anteriores o Syriza fora o partido beneficiado. Desta vez, a vantagem coube à Nova Democracia. Pode discutir-se a bondade do sistema, mas não é questionável a legitimidade do poder assim atribuído ao partido agora vencedor, como o não foi a do Syriza, quando beneficiou de um bónus semelhante.

Isso não impede que se valorize o significado político do apoio social realmente conseguido por cada partido, tendo em conta os votos obtidos e os deputados conquistados, antes da atribuição do bónus. O número total de lugares atribuídos aos partidos foi assim de 250. Só têm deputados os partidos que tenham pelo menos 3% dos votos. Isso ocorreu com 7 partidos. Os 39,6% da Nova Democracia outorgam-lhe 108 deputados ; o novo partido de extrema-direita Solução Grega com 3,8% chegou aos 10 deputados. Os 31,6 % do Syriza deram-lhe 86 deputados; o Kinal  ( que integra o antigo PASOK) com 8% teve 22 deputados; o Partido Comunista Grego com 5,4 % teve 15 deputados; e a Diem 25 ( de Varoufakis) com 3,5% chegou aos 9 deputados. Ou seja, a ND mais a extrema-direita  chegaram aos 43,4%, a que corresponderam 118 deputados, enquanto as várias esquerdas que elegeram deputados atingiram 48,5% dos votos a que corresponderam 132. A Nova Direita teve 2.251 411 votos; um novo partido de extrema -direita chegou aos 208. 805; os quatro partidos de esquerda somados atingiram 2.732.517 votos ( dos quais 1 781 174 votos no Syriza). Esta é a relação de forças real, antes do bónus dos 50 deputados.

Ou seja, os votos realmente entrados nas urnas traduziram uma preferência pelo conjunto das esquerdas , mas o sistema eleitoral grego transformou essa preferência numa vitória estrondosa de um dos partidos da direita. A legitimidade jurídico-política do novo governo é inquestionável, mas não anula o facto de haver uma maioria de eleitores que lhe é adversa.


2. O significado político destes resultados ficará mais nítido se os compararmos com os de 2015. Neste ano houve na Grécia duas eleições legislativas, umas em janeiro, outras em setembro. Nas primeiras, o Syriza foi, pela primeira vez, o partido mais votado. Tendo assim direito ao bónus de 50 deputados, atingiu os 149 mandatos o que o deixou a dois lugares da maioria absoluta. Aliou-se com um pequeno partido nacionalistas de direita (Gregos Independentes), tendo a coligação passado a ter a necessária maioria absoluta.

Divergências ocorridas no seio do Syriza, fizeram com que A. Tsipras se demitisse, provocando novas eleições, que tiveram lugar em setembro de 2015. Em relação às eleições anteriores, o Syriza  perdeu 0,8% ( menos  4 deputados ). Os Gregos Independentes foram mais penalizados, mas ficaram com lugares suficientes para que, somando-os aos 145 deputados do Syriza, a maioria parlamentar favorável ao governo se mantivesse, até às recentes eleições.

Se comparamos os resultados das duas eleições de 2015 entre si e com os de 2019, podemos verificar que, entre janeiro e setembro de 2015, o Syriza, mesmo tendo perdido apenas 4 deputados, viu fugirem-lhe 321.160 eleitores, dos quais 155.242 terão provavelmente transitado para uma cisão de esquerda que então sofreu , a da  Unidade Popular, a qual no entanto não elegeu deputados. Já relativamente aos resultados de setembro de 2015, pode ver-se que nestes quatro anos o Syriza perdeu 9 deputados (sem contarmos com o bónus dos 50 lugares que antes teve, mas agora não), o que  correspondeu a uma perda de 3,9 %, traduzida em 143.730 eleitores. Foi uma derrota, mas não foi um desmoronamento, devendo lembrar-se a pressão enorme que a Grécia sofreu durante esse período, suscitando grandes sacrifícios para o povo grego e causando naturalmente um forte desgaste, tal como teria ocorrido com  qualquer governo que estivesse me funções.

Pode também recordar-se que o Syriza teve, em 2009, 4,6% dos votos; em 2012, houve eleições em maio e em julho, tendo o Syriza atingido 16.8% na primeira e 26,9 % no mês seguinte. Foi em 2012, que pela primeira vez o Syriza ficou á frente do PASOK, tendo em ambos os casos ficado relativamente perto do partido mais votado , a Nova Democracia. Este historial permite avaliar melhor a dimensão da derrota sofrida pelo Syriza nas recentes eleições.

Na verdade, a vitória da Nova Democracia foi mais o resultado da sua capacidade para absorver o eleitorado da direita e do centro do que o reflexo de um esvaziamento do Syriza. A Nova Direita subiu nestes quatro anos 11%, o que correspondeu a 725.000 eleitores. Esse aumento refletiu certamente também o desaparecimento de O Rio, um partido moderado, e a queda abrupta da União Centrista, que em conjunto representaram cerca de 300.000 eleitores. Na extrema-direita, os votos perdidos pela Aurora Dourada (agora não elegeu deputados) quase correspondem à votação que teve a Solução Grega, partido de direita radical que agora entrou no parlamento grego.


3.Deslumbrada com o doce sabor de um castigo ao Syriza e de uma correspondente recompensa a uma direita com perfume  “harvardiano”, a matilha mediática internacional noticiou o resultado eleitoral em causa como um esmagador triunfo dos  virtuosos e como o desmoronamento  irrecuperável dos irrealistas.  Como mostrei, este modo de apresentar o ocorrido não é uma informação esclarecedora e objetiva sobre o que realmente aconteceu, mais se aproximando  de uma deturpação.

Na verdade, como ficou claro a direita só tem maioria absoluta por causa  do bónus inerente ao prémio dado ao partido mais votado, mas mesmo que se lhe juntem os votos dados à extrema-direita, quanto ao efetivo apoio eleitoral  fica bem atrás do conjunto das esquerdas. O Syriza perdeu votos mas conservou no essencial a sua base de apoio, ficando bem acima do seu melhor resultado de 2012. E tudo isso conta na relação de forças que emergiu do ato eleitoral em questão.


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