A
relação de forças resultante das eleições legislativas na Grécia
1.
Vale a pena revisitar-se o resultado das recentes eleições legislativas
ocorridas na Grécia, para se chegar a uma ideia precisa do modo como o conjunto
dos eleitores realmente se pronunciou. O alarido dos grandes títulos e a vozearia
televisiva, tendo dito alguma coisa, não disseram tudo.
Sem dúvida que o resultado dessas eleições foi uma vitória
nítida da direita clássica, a Nova Democracia, traduzida numa maioria absoluta
de 158 deputados num parlamento de 300. Recordemos, no entanto, que o sistema
grego de distribuição de mandatos implica um bónus de 50 lugares para o partido
mais votado. Nas eleições anteriores o Syriza fora o partido beneficiado. Desta
vez, a vantagem coube à Nova Democracia. Pode discutir-se a bondade do sistema,
mas não é questionável a legitimidade do poder assim atribuído ao partido agora
vencedor, como o não foi a do Syriza, quando beneficiou de um bónus semelhante.
Isso não impede que se valorize o significado político
do apoio social realmente conseguido por cada partido, tendo em conta os votos
obtidos e os deputados conquistados, antes da atribuição do bónus. O número total
de lugares atribuídos aos partidos foi assim de 250. Só têm deputados os
partidos que tenham pelo menos 3% dos votos. Isso ocorreu com 7 partidos. Os
39,6% da Nova Democracia outorgam-lhe 108 deputados ; o novo partido de
extrema-direita Solução Grega com 3,8% chegou aos 10 deputados. Os 31,6 % do
Syriza deram-lhe 86 deputados; o Kinal (
que integra o antigo PASOK) com 8% teve 22 deputados; o Partido Comunista Grego
com 5,4 % teve 15 deputados; e a Diem 25 ( de Varoufakis) com 3,5% chegou aos 9
deputados. Ou seja, a ND mais a extrema-direita
chegaram aos 43,4%, a que corresponderam 118 deputados, enquanto as
várias esquerdas que elegeram deputados atingiram 48,5% dos votos a que
corresponderam 132. A Nova Direita teve 2.251 411 votos; um novo partido de
extrema -direita chegou aos 208. 805; os quatro partidos de esquerda somados
atingiram 2.732.517 votos ( dos quais 1 781 174 votos no Syriza). Esta é a
relação de forças real, antes do bónus dos 50 deputados.
Ou seja, os votos realmente entrados nas urnas
traduziram uma preferência pelo conjunto das esquerdas , mas o sistema
eleitoral grego transformou essa preferência numa vitória estrondosa de um dos
partidos da direita. A legitimidade jurídico-política do novo governo é
inquestionável, mas não anula o facto de haver uma maioria de eleitores que lhe
é adversa.
2.
O significado político destes resultados ficará mais nítido se os compararmos
com os de 2015. Neste ano houve na Grécia duas eleições legislativas, umas em janeiro, outras em setembro. Nas primeiras, o Syriza foi, pela primeira vez, o
partido mais votado. Tendo assim direito ao bónus de 50 deputados, atingiu os
149 mandatos o que o deixou a dois lugares da maioria absoluta. Aliou-se com um
pequeno partido nacionalistas de direita (Gregos Independentes), tendo a
coligação passado a ter a necessária maioria absoluta.
Divergências ocorridas no seio do Syriza, fizeram
com que A. Tsipras se demitisse, provocando novas eleições, que tiveram lugar
em setembro de 2015. Em relação às eleições anteriores, o Syriza perdeu 0,8% ( menos 4 deputados ). Os Gregos Independentes foram
mais penalizados, mas ficaram com lugares suficientes para que, somando-os aos
145 deputados do Syriza, a maioria parlamentar favorável ao governo se
mantivesse, até às recentes eleições.
Se comparamos os resultados das duas eleições de
2015 entre si e com os de 2019, podemos verificar que, entre janeiro e setembro
de 2015, o Syriza, mesmo tendo perdido apenas 4 deputados, viu fugirem-lhe
321.160 eleitores, dos quais 155.242 terão provavelmente transitado para uma
cisão de esquerda que então sofreu , a da Unidade Popular, a qual no entanto não elegeu
deputados. Já relativamente aos resultados de setembro de 2015, pode ver-se que
nestes quatro anos o Syriza perdeu 9 deputados (sem contarmos com o bónus dos
50 lugares que antes teve, mas agora não), o que correspondeu a uma perda de
3,9 %, traduzida em 143.730 eleitores. Foi uma derrota, mas não foi um
desmoronamento, devendo lembrar-se a pressão enorme que a Grécia sofreu durante
esse período, suscitando grandes sacrifícios para o povo grego e causando
naturalmente um forte desgaste, tal como teria ocorrido com qualquer governo que estivesse me funções.
Pode também recordar-se que o Syriza teve, em 2009,
4,6% dos votos; em 2012, houve eleições em maio e em julho, tendo o Syriza
atingido 16.8% na primeira e 26,9 % no mês seguinte. Foi em 2012, que pela
primeira vez o Syriza ficou á frente do PASOK, tendo em ambos os casos ficado relativamente
perto do partido mais votado , a Nova Democracia. Este historial permite
avaliar melhor a dimensão da derrota sofrida pelo Syriza nas recentes eleições.
Na verdade, a vitória da Nova Democracia foi mais o
resultado da sua capacidade para absorver o eleitorado da direita e do centro
do que o reflexo de um esvaziamento do Syriza. A Nova Direita subiu nestes
quatro anos 11%, o que correspondeu a 725.000 eleitores. Esse aumento refletiu
certamente também o desaparecimento de O Rio,
um partido moderado, e a queda abrupta da União Centrista, que em conjunto
representaram cerca de 300.000 eleitores. Na extrema-direita, os votos perdidos
pela Aurora Dourada (agora não elegeu deputados) quase correspondem à votação
que teve a Solução Grega, partido de direita radical que agora entrou no
parlamento grego.
3.Deslumbrada
com o doce sabor de um castigo ao Syriza e de uma correspondente recompensa a
uma direita com perfume “harvardiano”, a
matilha mediática internacional noticiou o resultado eleitoral em causa como um
esmagador triunfo dos virtuosos e como o desmoronamento irrecuperável dos irrealistas. Como mostrei, este modo de apresentar o ocorrido
não é uma informação esclarecedora e objetiva sobre o que realmente aconteceu, mais
se aproximando de uma deturpação.
Na verdade, como ficou claro a direita só tem
maioria absoluta por causa do bónus
inerente ao prémio dado ao partido mais votado, mas mesmo que se lhe juntem os
votos dados à extrema-direita, quanto ao efetivo apoio eleitoral fica bem atrás do conjunto das esquerdas. O Syriza
perdeu votos mas conservou no essencial a sua base de apoio, ficando bem acima
do seu melhor resultado de 2012. E tudo isso conta na relação de forças que
emergiu do ato eleitoral em questão.
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