segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Para uma desratingação do mundo

O papel das agências de rating, na crise económica que o mundo atravessa, está por apurar na sua dimensão completa. Mas o que até agora é dado como adquirido, já é suficiente para lhes retirar qualquer sombra de credibilidade como aferidoras seja lá do que for, no plano económico.

Verdadeiramente, uma das primeiras medidas de combate à actual crise devia ter sido a sua pura e simples extinção, para poderem ser substituídas por um organismo novo dependente das Nações Unidas, que realmente fosse uma fonte informativa, objectiva e imparcial, sobre a realidade económica de cada país. Ou seja, uma instância realmente imparcial, fiável e movida por critérios científicos, radicados num indispensável pluralismo científico em matéria económica. Nunca uma expressão paradigmática do pensamento neoliberal dominante, de cuja eficácia na própria reprodução do capitalismo se pode duvidar. Uma ilustração da própria deriva neoliberal, um subproduto da sofreguidão lucrativista empenhada, essencialmente, na conquista de lucros cada vez mais especulativos para os seus accionistas, ou seja, a reprodução daquilo que as malfadadas “três irmãs” do rating tão eloquentemente representam.

E, no entanto, ei-las que voltam distribuindo conselhos e anátemas, passando certidões de excelência e de fracasso, como se um qualquer concílio dos deuses as tivesse ungido, dessa extrema sabedoria e dessa honesta imparcialidade, que as legitimam para condenarem países e povos a dificuldades acrescidas ou a primaveras inesperadas. Uma canhestrice dos seus sábios, uma perversidade calculada dos seus donos, um desvio atraído por qualquer recompensa, podem atirar com dificuldades ou com oxigénio, para cima de países com milhões de cidadãos que não votaram nos senhores do rating, nem os podem controlar, nem demitir, nem têm como não votar neles numa próxima vez.

E num dia, tais senhores, podem causar mais prejuízos a um país, com os seus eventuais erros, com os seus preconceitos ideológicos, com os seus anátemas teleguiados pela vulgata neoliberal, do que séculos de pirataria conseguiram pela força dos canhões e da falta de escrúpulos dos corsários. Mas os piratas, quando eram apanhados corriam o risco de ser enforcados, enquanto os "ratings" têm a possibilidade de contemplar como se fossem seus vassalos, ajoelhando-se perante eles numa submissão de preces, muitos daqueles que mergulharam na desgraça, mas que temerosamente , lhes fazem encomendas.

As agências de rating e o papel que se lhes continua a consentir na arena internacional são eventualmente a mais incontornável ilustração do modo como os poderes dominantes no mundo actual, se preparam para continuar a deixar o neoliberalismo à rédea solta, como se fosse uma fatalidade que o mundo não fosse mais do que uma oportunidade para que o poder inquestionado do dinheiro reduzisse á infelicidade as multidões de explorados.

Que os partidos da direita se acomodem com este escândalo, não estranho: fazem o seu papel de caniches do capital.

Mas que os partidos de esquerda, sejam eles partidos de governo ou partidos de oposição, pratiquem a mesma indulgência, é que me parece suicida. Nem o exacerbar das preocupações gestionárias de uns nem a sofreguidão no combate ao um governo de outros, podem absolver desta miopia política.

Não nos iludamos: os poderes incontrolados das agências de rating constituem um risco mais sério para muitos países do que uma invasão militar. Se não temos dúvidas quanto á necessidade de nos defendermos desta, porque nos desprotegemos perante aquelas ?

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