Em Fevereiro de 1996, quando eu era deputado na AR
pelo PS, publiquei um livro de poemas , “Sete Caminhos”, através da editora Fora do Texto [Centelha].
O livro estava organizado em sete partes, uma das
quais a penúltima se intitulava “Pré-história”.
Era composta por quatro poemas, um dos quais “Pré-história de guerra”
evocava o risco de uma guerra nuclear- O título sugeria que estávamos perante
um risco que perdera actualidade.
Hoje, passados todos estes anos, vemos que assim não
é. Por essa razão resolvi recordá-lo aqui.
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PRÉ-HISTÓRIA
DE GUERRA
1.
a pomba foi morta pelo general
calculou
o sítio exacto
o lugar único
onde a morte esperava
no
relatório omitiu a cor branca da vítima
e aquela leve pluma de ternura
visível no seu olhar depois de morta
parecia mais pena do que saudade ou terror
mais um enorme peso de braços caídos
do que o gelo transido do pânico
o general descreveu com precisão
a trajectória magnífica do tiro
o seu rigor
a rapidez fatal
com palavras antigas sincopadas
ao ritmo dos tambores de mil batalhas
2.
quando pouco tempo depois lhe disseram
que o neto
o filho a sua velha mãe
a mulher cujo sabor guardava dia a dia
a casa com jardim e duas árvores
a rua suave
a cidade onde nascera
eram agora uma nuvem espessa de cinza
onde a custo emergia o esqueleto de uma árvore
sozinha
o general suspendeu o relatório
e teve um suor frio vindo da raiz da alma
mas quando lhe vieram dizer pouco depois
que era inútil mandar o relatório
porque o lugar que o ia receber não existia
o general chorou como um menino perdido
e foi
então que o sol se perdeu numa nuvem de poeira
e um doce sabor a morte azul e profundo
entrou pelo general até aos ossos
3.
a mão do general ficou ligeiramente tombada
sobre a folha do relatório vitorioso
ocultou um pouco a trajectória da bala
a palavra pomba parecia agora levemente manchada
e junto à porta o olhar fixo do jovem ajudante
era um vidro de espanto gravado no general
tudo à volta estava finalmente tranquilo
a paz fulminantemente conquistada
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