sábado, 6 de junho de 2020

14-UM LIVRO, UM POETA - Álvaro Feijó





14UM LIVRO, UM POETA - Álvaro Feijó

1. Em 2017, escrevi aqui o texto que se segue, quando retomei uma série de evocações de poetas que havia interrompido:

Incluí neste blog uma série de evocações de poetas que , por uma ou outra razão, por um ou outro poema, produziram em mim um eco mais fundo. Fi-lo através de uma seção específica, “Um livro, um poema”, mas que por vezes incluiu para cada autor mais do que um poema.

Desde 2 junho de 2015 que a interrompi. Até então, a um ritmo irregular havia recordado: Daniel Filipe, G. Ungaretti, Carlos de Oliveira, Manoel de Barros, Egito Gonçalves, B.Brecht, Reinaldo Ferreira, João Cabral de Melo Neto, Pablo Neruda, Sidónio Muralha, Manuel Bandeira, Cesário Verde e António Nobre.

Uma e outra vez decidi retomar essas evocações. Por uma razão ou por outra, isso foi não acontecendo.

O facto de, na homenagem prestada no Mosteiro dos Jerónimos a Mário Soares aquando da sua recente morte, ter sido incluída a transmissão de dois poemas  de Álvaro Feijó declamados por Maria Barroso, foi o impulso que me fez retomar a série há tanto interrompida. Vou pois transcrever esses dois poemas: “ Os dois sonetos de amor da hora triste”.

Embora  dando continuidade à série, vou introduzir uma ligeira alteração na sua designação que passará a ser: “ Um livro, um poeta”. Ela traduz mais fielmente o que ela tem sido e que penso que venha a ser.


2.Álvaro Feijó nasceu em Viana do Castelo em 1916 e morreu em Coimbra em 1941, onde era estudante de direito, antes de completar 25 anos. Com outos jovens estudantes de Coimbra , como Joaquim Namorado, Carlos de Oliveira, João José Cochofel e Fernando Namora, fez parte do grupo neo-realista  do Novo Cancioneiro. Um livro seu viria a ser publicado nesta coleção já depois da sua morte sob o título de :”Os poemas de Álvaro Feijó”.



                                                             
Os dois sonetos de amor da hora triste


Quando eu morrer - e hei-de morrer primeiro
do que tu - não deixes fechar-me os olhos
meu Amor. Continua a espelhar-te nos meus olhos
e ver-te-ás de corpo inteiro

como quando sorrias no meu colo.
E, ao veres que tenho toda a tua imagem
dentro de mim, se, então, tiveres coragem,
fecha-me os olhos com um beijo.

Eu, Marco Pólo,

farei a nebulosa travessia
e o rastro da minha barca
segui-lo-ás em pensamento. Abarca

nele o mar inteiro, o porto, a ria...
E, se me vires chegar ao cais dos céus,
ver-me-ás, debruçado sobre as ondas, para dizer-te adeus.

II
Não um adeus distante
ou um adeus de quem não torna cá,
nem espera tornar. Um adeus de até já,
como a alguém que se espera a cada instante.

Que eu voltarei. Eu sei que hei-de voltar
de novo para ti, no mesmo barco
sem remos e sem velas, pelo charco
azul do céu, cansado de lá estar.

E viverei em ti como um eflúvio, uma recordação.
E não quero que chores para fora,
Amor, que tu bem sabes que quem chora

assim, mente. E, se quiseres partir e o coração
to peça, diz-mo. A travessia é longa... Não atino
talvez na rota. Que nos importa, aos dois, ir sem destino.

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