terça-feira, 21 de abril de 2020

MATILHA MEDIÁTICA, PANDEMIA E HONESTIDADE INTELECTUAL





MATILHA MEDIÁTICA, 
PANDEMIA  E
 HONESTIDADE INTELECTUAL


1. Os jornalistas e os comentadores de referência comportam-se, em regra, como uma verdadeira matilha  mediática que vai selecionando alvos cujo potencial de captação de público vai explorando até ao tutano. As exceções merecem a nossa consideração e o nosso respeito. Mas não deixam de ser exceções.

São especialmente irritados por tudo o que tenha um cheiro a esquerda um pouco mais intenso, como se reagissem a manjares especialmente irritantes a que não sabem resistir. Escritos  favoráveis às esquerdas existem, mas são raros. E se não considerássemos as prestações mediáticas próximas do Bloco de Esquerda maior seria a  sua raridade. E se procurarmos apenas  os que vejam com bons olhos o atual governo ou  o Partido Socialista, será como procurar agulha em palheiro. Especialmente, se descontarmos as vozes que, com apreciável frequência, exprimem comichões direitistas no seio do próprio Partido Socialista.


2. Este contexto pode ajudar-nos a compreender um episódio que, pela minha parte, atingiu  ontem o seu desenlace. Na verdade, quiçá por um acaso feliz, um jornalista televisivo resolveu finalmente pedir a uma perita epidemiologista da Direção Geral da Saúde para o esclarecer quanto ao momentoso caso do chamado pico da pandemia no nosso país.

 Sabendo o referido perito realmente do que estava a falar, explicou com clareza em duas penadas o que estava em causa. Ficámos a saber por que razão a Ministra da Saúde tinha dito que os especialistas na matéria haviam considerado como provável que  o referido pico tivesse ocorrido ainda em março.

Na verdade, como explicou a epidemiologista da DGS, o critério a que atribuem relevância científica é o que se baseia no número de casos confirmados por data de início de sintomas ou notificações. Aliás, como expressamente então informou  a especialista, o gráfico  correspondente tem sido publicado, desde o início da difusão de notas informativas da DGS sobre a pandemia, entre os gráficos divulgados diariamente pela DGS.

Por mim, verifiquei assim que se tratava de um gráfico de  cuja relevância eu não me tinha apercebido, cuja utilidade me tinha escapado . A mim e todos os parlapatões de extração  vária que enxamearam o espaço mediático com ataques à Ministra da Saúde e à DGS. Ataques  que agora se comprova serem apenas fruto de uma profunda ignorância  e de um arreigado fanatismo antigovernamental.

Agora, depois da explicação, é óbvia a razão que levou a Ministra da Saúde a dizer o que disse. O gráfico em causa mostra claramente que foi o período entre  26 e 29 de março aquele em que ocorreu o pico da epidemia entre nós quanto à trajetória  da eclosão de novas contaminações.

Tal como eu apenas cairia no ridículo se imputasse  à DGS a minha falha de compreensão quanto a essa problemática, também o é a imputação de culpa que lhe fizeram os mencionados parlapatões mediáticos. Com a agravante de eles  terem irrompido no espaço público, revestidos de uma alegação de competências próprias relevantes, com base nas quais agredirem  desregradamente, com diatribes e  censuras, as autoridades públicas da saúde.

Mas afinal , esses epidemiologistas, esses médicos de saúde pública, esses matemáticos, esses especialistas em estatística, esses sociólogos (e até alguns protagonistas políticos mais dados a sabichão), que vieram a público censurar a Ministra, não sabiam do que estavam a falar. No fundo, o seu fanatismo antigovernamental reduziu-os a meros autores encartados de patetices especializadas que não tiveram pudor em usar como armas de arremesso de muito baixa chicana política. Baixa, mas principalmente estúpida.

De facto, invocaram evidências que apenas traduziam a sua própria ignorância, falaram com base em pressupostos  errados, insinuaram uma intenção propositada de se enganar o povo, alegaram  incompetência comunicacional, apenas por não perceberem o que lhes havia sido dito.

Houve mesmo um matemático, alegadamente de alto coturno, que num jornal de Coimbra desfez as autoridades sanitárias e os poderes públicos com a  implacável denúncia do que teria sido um falso pico, que elas teriam propositada e imperdoavelmente difundido para iludir o povo. Note-se que ele não veio criticar o método acima mencionado, propondo um caminho mais adequado, o  que  seria ótimo. Veio, isso sim, evidenciar que, abusando dos seus galões de matemático público, apenas nos tentou  esmagar, a nós pobres  mortais, com o seu verbo sábio e pomposo. Tê-lo-á sido, mas para mim, que na altura o li  com total abertura de espírito, apenas se comportou agora por escrito como um vulgar idiota. Alguém que se meteu a criticar posições de terceiros que afinal nem compreendera.

Só nos resta fazer votos para que por palavras, números ou desenhos, os génios, geniozinhos e geniozões, que nos derem a suprema honra de os podermos ler , não se esqueçam nunca de temperar os seus iluminados artefactos com uma pitada, uma modesta pitada de honestidade intelectual.