MATILHA
MEDIÁTICA,
PANDEMIA E
HONESTIDADE INTELECTUAL
1. Os jornalistas e os comentadores
de referência comportam-se, em regra, como uma verdadeira matilha mediática que vai selecionando alvos cujo
potencial de captação de público vai explorando até ao tutano. As exceções
merecem a nossa consideração e o nosso respeito. Mas não deixam de ser
exceções.
São especialmente irritados
por tudo o que tenha um cheiro a esquerda um pouco mais intenso, como se reagissem
a manjares especialmente irritantes a que não sabem resistir. Escritos favoráveis às esquerdas existem, mas são raros.
E se não considerássemos as prestações mediáticas próximas do Bloco de Esquerda
maior seria a sua raridade. E se
procurarmos apenas os que vejam com bons
olhos o atual governo ou o Partido
Socialista, será como procurar agulha em palheiro. Especialmente, se
descontarmos as vozes que, com apreciável frequência, exprimem comichões
direitistas no seio do próprio Partido Socialista.
2. Este contexto pode ajudar-nos
a compreender um episódio que, pela minha parte, atingiu ontem o seu desenlace. Na verdade, quiçá por
um acaso feliz, um jornalista televisivo resolveu finalmente pedir a uma perita
epidemiologista da Direção Geral da Saúde para o esclarecer quanto ao momentoso
caso do chamado pico da pandemia no nosso país.
Sabendo o referido perito realmente do que
estava a falar, explicou com clareza em duas penadas o que estava em causa.
Ficámos a saber por que razão a Ministra da Saúde tinha dito que os especialistas
na matéria haviam considerado como provável que
o referido pico tivesse ocorrido ainda em março.
Na verdade, como
explicou a epidemiologista da DGS, o critério a que atribuem relevância
científica é o que se baseia no número de casos confirmados por data de início
de sintomas ou notificações. Aliás, como expressamente então informou a especialista, o gráfico correspondente tem sido publicado, desde o
início da difusão de notas informativas da DGS sobre a pandemia, entre os
gráficos divulgados diariamente pela DGS.
Por mim, verifiquei assim
que se tratava de um gráfico de cuja
relevância eu não me tinha apercebido, cuja utilidade me tinha escapado . A mim
e todos os parlapatões de extração vária que enxamearam o espaço mediático
com ataques à Ministra da Saúde e à DGS. Ataques que agora se comprova serem apenas fruto de uma
profunda ignorância e de um arreigado
fanatismo antigovernamental.
Agora, depois da
explicação, é óbvia a razão que levou a Ministra da Saúde a dizer o que disse.
O gráfico em causa mostra claramente que foi o período entre 26 e 29 de março aquele em que ocorreu o pico
da epidemia entre nós quanto à trajetória
da eclosão de novas contaminações.
Tal como eu apenas
cairia no ridículo se imputasse à DGS a
minha falha de compreensão quanto a essa problemática, também o é a imputação
de culpa que lhe fizeram os mencionados parlapatões mediáticos. Com a agravante
de eles terem irrompido no espaço
público, revestidos de uma alegação de competências próprias relevantes, com
base nas quais agredirem desregradamente, com diatribes e censuras,
as autoridades públicas da saúde.
Mas afinal , esses
epidemiologistas, esses médicos de saúde pública, esses matemáticos, esses
especialistas em estatística, esses sociólogos (e até alguns protagonistas
políticos mais dados a sabichão), que vieram a público censurar a Ministra, não sabiam
do que estavam a falar. No fundo, o seu fanatismo antigovernamental reduziu-os
a meros autores encartados de patetices especializadas que não tiveram pudor em
usar como armas de arremesso de muito baixa chicana política. Baixa, mas principalmente
estúpida.
De facto, invocaram
evidências que apenas traduziam a sua própria ignorância, falaram com base em
pressupostos errados, insinuaram uma intenção
propositada de se enganar o povo, alegaram incompetência comunicacional, apenas por não
perceberem o que lhes havia sido dito.
Houve mesmo um
matemático, alegadamente de alto coturno, que num jornal de Coimbra desfez as
autoridades sanitárias e os poderes públicos com a implacável denúncia do que teria sido um
falso pico, que elas teriam propositada e imperdoavelmente difundido para iludir
o povo. Note-se que ele não veio criticar o método acima mencionado, propondo
um caminho mais adequado, o que seria
ótimo. Veio, isso sim, evidenciar que, abusando dos seus galões de matemático
público, apenas nos tentou esmagar, a
nós pobres mortais, com o seu verbo
sábio e pomposo. Tê-lo-á sido, mas para mim, que na altura o li com total abertura de espírito, apenas se comportou
agora por escrito como um vulgar idiota. Alguém que se meteu a criticar posições
de terceiros que afinal nem compreendera.
Só nos resta fazer
votos para que por palavras, números ou desenhos, os génios, geniozinhos e geniozões,
que nos derem a suprema honra de os podermos ler , não se esqueçam nunca de
temperar os seus iluminados artefactos com uma pitada, uma modesta pitada de
honestidade intelectual.
1 comentário:
Muito bom.
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