sábado, 7 de dezembro de 2019

UMA SONDAGEM, A POLÍTICA E O FUTURO



UMA SONDAGEM, A POLÍTICA E O FUTURO
1. Uma recente sondagem quanto à intenção de voto nas legislativas, promovida pela Intercampus , foi recentemente publicada pelo CM e pelo Negócios. Eco mediático modesto. Compreensível. Os resultados não permitiam um alarido simplista. Traduziam modestamente o foguetório antigovernamental e apontavam para um agravamento do pântano político em que as direitas parecem atolar-se. Os jornais comparavam estes resultados com os de uma sondagem feita no mês anterior já depois das eleições. Por mim, vou compará-los com os resultados das últimas legislativas. Parece-me mais significativo.
O PS passa de 36,5% para 34,9 %, o que significa uma perda de 1,6%. O PSD desce de 27,9para 24,9, o que implica uma perda de 3%.O BE passa de 9,7 para 10,8, o que se traduz num ganho de 1,1 %. A CDU passa de 6,5 para 8,1, o que representa um ganho de 1,6%. O CDS passa de 4,3 para 2,9, o que significa uma perda de 1,4%. O PAN sobe de 3,3 para 4,8, o que se traduz num ganho de 1,5%. O Chega sobe de 1,30 para 4,8, o que representa uma subida de 3,5%. A IL cresce de 1,3 para 2,9 o que implica um ganho de 1,5%. O Livre passa de 1,1 para 2,7 o que significa um aumento de 1.6 %.
Se considerarmos o PAN como ele diz que é (“nem de direita nem de esquerda”, ou seja de centro) esse espaço político alargou-se em 1,5%.
Se considerarmos a direita como abrangendo o PSD, o CDS, a IL e o Chega este conjunto passou de 34,7 para 35,5, o que significa um aumento de 0,8%. Mas se separarmos a direita clássica da extrema-direita, a primeira terá perdido 2,7% e a segunda terá ganho 3,5%.
Se considerarmos a esquerda como compreendendo o PS, o BE, a CDU e o Livre, verificamos que passou de 53,7 para 56,5, o que significa um ganho de 2,8%. Mas como vimos o PS perdeu 1,6% e os outros três partidos partilharam entre si em partes quase iguais um progresso de 4,4%.

2. As variações não são grandes. O PS sofreu um desgaste modesto apesar da intensa barragem de artilharia política que o tem assediado. As outras esquerdas ganharam algum viço o que parece especialmente relevante para o PCP, por parecer que desse modo reverte a tendência revelada nas legislativas; e para o Livre pelo facto de ter duplicado a percentagem de intenções de voto.
O PAN parece mostrar a solidificação da robustez adquirida .
Na direita clássica tradicional o CDS parece atolar-se ainda mais dramaticamente na sua crise. O PSD parece patinar, murchando um pouco mais, talvez em função da disputa interna que está a atravessar. A IL tem em termos relativos um aumento animador.
A extrema-direita quase quadruplicando as intenções de voto em comparação com os resultados eleitorais que obteve, ao ultrapassar claramente o CDS, acentua-lhe a dramaticidade da crise que está a viver. Coloca-se assim no horizonte como questão estruturante do futuro da direita clássica o modo como se vai relacionar com a extrema-direita.
O relacionamento entre PS e os outros partidos de esquerda tem-se revestido de uma atmosfera de incerteza. Parece não ter sido encontrado um tipo de conjugação entre eles que todos aceitem sem reserva mental. Se deixarem resvalar para o antes de 2015 o modo como se relacionam estarão a abrir a única porta através da qual a direita pode regressar ao poder. O BE, o PCP, os Verdes e o Livre só aprovarão as medidas que tiverem o voto favorável do PS, a não ser que se disponham a ter uma agenda política em que sejam centrais as medidas que suscitem o acordo das direitas ainda que não o do PS. Este tem uma situação quase simétrica ainda que lhe baste a abstenção das outras esquerdas ou de uma parte delas para não ter que recear a reprovação pelas direitas mesmo que concertadas. Se todos  vemos isto, parece inútil tentar esquecê-lo.
O governo afirmou expressamente que privilegia os acordos políticos entre o PS e os outros partidos de esquerda, mas estes parecem mais interessados num alarido de demarcação do que numa atmosfera de concertação. Vejamos o que realmente acontece.
No entanto, todos estes partidos não deveriam esquecer-se que a articulação política que construíram na legislatura anterior não foi uma invenção a frio de estados-maiores partidários, foi um impulso do povo de esquerda, do bloco dos seus eleitorados efetivos e potenciais a que esses estados-maiores tiveram o mérito de dar sequência. E é bem provável que os vários tios de tergiversações e de ambiguidades ocorridas na campanha eleitoral para as legislativas, quanto à assunção do que tinha ocorrido entre eles e quanto á vontade de a continuarem, tenham atirado para uma abstenção desiludida ou cética muitos e muitos eleitores do povo de esquerda.
E é bom que nos lembremos que nos cemitérios da memória política europeia jazem muitos partidos de várias esquerdas que, inventando ou conservando cartilhas obsoletas oriundas do seu passado ou do seu exterior, esqueceram a primazia da consonância com o povo de esquerda, com a sua esperança , com a recusa da sua humilhação. E assim foram murchando, murchando até serem nada. Se qualquer partido de esquerda for derrotado por ter ficado realmente  junto dos seus, nada o apagará, mas se for derrotado por se ter esquecido deles acabará por se esvair.


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