segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

"Papa Francisco propõe um sistema económico mais justo e sustentável”




“Uma outra economia, uma outra vida. Um ir além do tipo de economia em que vivemos. Sair do capitalismo para se sobreviver como humanidade. Não estamos perante sonhos de nefelibatas ou perante uma radicalidade utópica de ressonância extremista. Estamos perante uma emergência antropológica que não é apenas a tonalidade necessária a qualquer política de esquerda, é uma condição de sobrevivência da humanidade. Também nos convoca para essa urgência o desarmado Chefe de Estado do Vaticano.”

Há alguns dias, escrevi no FB o parágrafo que acima reproduzo, como introdução à partilha de um artigo da autoria do jornalista Carlos Drummond, divulgado na página virtual da importante revista brasileira de grande circulação “CartaCapital”, em 9 de dezembro.

O artigo comenta uma iniciativa do Papa Francisco que irá decorrer em Itália no próximo mês de março. É estranho que a justificada atenção que a nossa grande comunicação social presta ao Papa tenha deixado passar em branco uma informação tão relevante. Estranho, mas compreensível. Basta ler o artigo. O poder mediático dominante, embora procure disfarçá-lo, ainda não aprendeu a digerir por completo este Papa.

O artigo tem como título: Papa Francisco propõe um sistema económico mais justo e sustentável”. Ei-lo:

“Estruturada com o auxílio do americano Joseph Stiglitz, a iniciativa conta com apoio do indiano Amartya Sen, ambos vencedores do Nobel
Mais de 2 mil jovens de 120 países confirmaram até agora a participação no encontro Economia de Francisco, de 26 a 28 de março de 2020 na cidade de Assis, Itália. Convocada pelo papa e estruturada com o auxílio do economista americano Joseph Stiglitz, a iniciativa conta com apoio do indiano Amartya Sen, ambos vencedores do Prêmio Nobel. A reunião pretende repensar, debater e buscar novos rumos para a economia mundial, hoje dedicada de modo quase exclusivo aos interesses de maximização dos lucros de empresas e de poucos indivíduos, de modo a direcioná-la para a proteção da maioria e do meio ambiente. As atividades preparatórias no Brasil incluíram um encontro com cerca de 500 interessados no fim de novembro, na PUC de São Paulo. O País terá 30 representantes vinculados a diferentes experiências.
Inovador no conteúdo e no formato, o encontro pretende debater experiências e promover rodas de conversa em substituição às tradicionais exposições de papers e mesas-redondas. A liderança caberá a jovens de até 35 anos, entre acadêmicos, agentes comunitários e empreendedores. A iniciativa floresceu em maio, quando o papa e Stiglitz comprometeram-se a trabalhar em conjunto para promover globalmente uma “economia social” que “olha para o futuro com a voz dos jovens em mente”.
Os dois advertiram sobre os problemas de certas formas de economia de mercado que incentivam o comportamento individualista e invertem papéis. “É necessário aprofundar as discussões sobre questões sociais e as mudanças geradas pela globalização nas sociedades, bem como pensar em ideias concretas sobre o que devemos fazer para a tecnologia e os mercados servirem à humanidade, e não o contrário”, propôs Stiglitz. É fundamental, alertou, “trabalhar na educação de sistemas alternativos que não adoram dinheiro. Temos de tentar desenvolver programas e estudos sobre o conceito de economia circular, que contribuam para uma educação que esteja ciente dos limites do meio ambiente e que ensine a devolver ao ambiente o que é retirado dele”.
A convocação feita pelo papa sugere um encontro inédito sobre economia: “Estou escrevendo para convidá-los a uma iniciativa que tanto desejei, um evento que me permita conhecer quem hoje está se formando e está iniciando a estudar e praticar uma economia diferente, que faz viver e não mata, inclui e não exclui, humaniza e não desumaniza, cuida da criação e não a depreda. Um evento que nos ajude a estar juntos e nos conhecer, e que nos leve a fazer um ‘pacto’ para mudar a atual economia e dar uma alma à economia do amanhã”, conclamou Francisco.
 “Na ‘Carta Encíclica Laudato si’”, prossegue o papa, “enfatizei como hoje, mais do que nunca, tudo está intimamente conectado e a salvaguarda do ambiente não pode ser separada da justiça para com os pobres e da solução dos problemas estruturais da economia mundial. É necessário, portanto, corrigir os modelos de crescimento incapazes de garantir o respeito ao meio ambiente, o acolhimento da vida, o cuidado da família, a equidade social, a dignidade dos trabalhadores e os direitos das futuras gerações”.
Estima-se que a liderança mundial do papa, realizador do Sínodo da Amazônia, em outubro, durante o auge de queimadas na floresta, contribuirá para tornar o evento um marco na crítica à economia dominante.
A iniciativa convergirá em torno de três grandes eixos, detalhados durante o evento preparatório na PUC-SP pela professora Patricia Dorneles, vice-coordenadora do curso de graduação em terapia ocupacional da UFRJ. O primeiro são as linhas gerais e as perspectivas de articulação de outra economia, inclusiva, marcada pela justiça social, ética e humanismo. O segundo eixo é a agregação e valorização das práticas concretas que incluem, no País, “inúmeras experiências de economia solidária, agroecológicas, de bancos de crédito comunitários, criação de novas moedas, atividades de economia criativa, de controle territorial de produção e distribuição”.
O terceiro eixo, prossegue, são as mudanças nos currículos das faculdades de economia no mundo. “Não podemos pensar em outra economia se formarmos economistas a partir de uma concepção única ou absolutamente voltada para a competição e as técnicas, muitas delas antiéticas, que geram sofrimento e privações a grande parte da população. O chamamento do papa é no sentido de os participantes formularem nova orientação curricular para formar economistas humanistas e integradores”, sublinha a professora.

A necessidade de reformular o ensino de economia para colocá-la a serviço da sociedade é debatida há anos. Segundo o especialista Andrew Mearman, da Universidade West of England, apesar de os currículos da maior parte dos cursos denotarem a concepção de que as habilidades necessárias aos profissionais da área são essencialmente a capacidade de elaborar matemática de alto nível e reproduzir os pontos centrais de determinada linha de pensamento, vários estudiosos reconhecem o caráter essencial do conhecimento de humanidades na solução de problemas complexos que exigem saber econômico combinado à flexibilidade de pensamento, insights de outras disciplinas e consciência da realidade social e política do país e do mundo. Muitos dos seus colegas de ofício não conseguiram entender a crise de 2008, diz o professor, por nunca terem estudado história nem o fenômeno da desigualdade.
O evento é uma resposta inovadora à “gritante, absurda, insuportável e injusta desigualdade social e à crise ecológica provocada pela mudança climática”, analisa o sociólogo Michael Löwy, diretor de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique, da França, um dos participantes dos debates na etapa brasileira. A degradação do meio ambiente e da natureza e a degradação humana e ética estão intimamente ligadas, analisa Löwy, porque são consequências do sistema. “Não é, portanto, só problema de comportamento individual de um ou de outro, de tal ou qual empresário, banqueiro ou chefe de governo. É de um sistema que ignora valores humanos, éticos, espirituais, naturais, porque esses valores escapam ao cálculo financeiro, do mercado. É uma economia que mata.”
A necrofilia do sistema vitima principalmente negros, denunciou outra participante do debate, Eleonora Aparecida Alves de Souza Domingos, fundadora da ONG Projeto Caminhos, de preservação da cultura negra e de matriz africana. “Hoje sofremos no Brasil a intolerância, a violação, a queima de templos. Apesar disso, mantemos um coletivo que resiste numa cidade essencialmente evangélica e abriga jovens negros em situação de vulnerabilidade social. Eles chegam sem sonhos em busca do acolhimento do terreiro. Nós resistimos à desigualdade e àqueles que insistem em não respeitar a nossa religiosidade. O que mais o povo negro tem é ousadia de viver num país tão racista”, diz a mãe de santo.
A mudança do modelo econômico requer enfrentamentos, acredita Dennis de Oliveira, professor de jornalismo na USP, e um dos mais importantes deles é a luta contra o racismo, pois não se constrói democracia e justiça excluindo 54% da população. “À medida que o capital fica mais concentrado, a população negra, originária, é a que mais perde direitos. No Brasil, a cada 23 minutos um jovem ou uma jovem negra é assinada. O projeto de uma nova economia é também o projeto de um novo modelo de civilização, de ruptura com esse sistema estruturalmente perverso”, sublinha o professor.

Os extremos atingidos pela crise múltipla indicam a insuficiência das respostas convencionais e clamam por mudança de paradigmas. “A proposta da Economia de Francisco é uma busca pelo comum no lugar do individual, pela gestão comunitária no lugar da puramente privada. É a certeza de que o ideário neoliberal e a sua busca constante por competitividade não dá conta de prover as necessidades da maior parte da sociedade”, resume a economista Neusa Serra, professora de políticas públicas da Universidade Federal do ABC e integrante do grupo de Articulação Brasileira.
“Na Economia de Francisco não há lugar para a acumulação infinita nem para paraísos fiscais. Isso pressupõe a defesa de imposto diferenciado sobre grandes fortunas, artigos de luxo e supérfluos, taxação dos lucros e dividendos, capital improdutivo e movimentações financeiras internacionais”, dispara Célio Turino, historiador, consultor em políticas públicas e outro integrante da Articulação Brasileira.

A proposta da Economia de Francisco não se resume a uma reunião de gente de boa vontade empenhada em realizar um diagnóstico e cogitar alternativas. “O evento vem oxigenar a visão da economia que está muito circunscrita aos ditos especialistas que em geral não dão conta do recado. É uma forma de puxar a economia para a vida real e dizer que o que vem sendo feito não resolve nada. Acho muito importante”, sublinha o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, consultor editorial desta revista. “O debate ficou empobrecido, porque a economia foi considerada um espaço especial na vida dos indivíduos e não é, como vem mostrando o próprio Stiglitz em seus trabalhos e também o economista Robert Skidelsky. É isso que está em questão, as abstrações que não têm ancoragem na vida real. Há uma saturação, uma insatisfação diante do aprisionamento da economia num modelo abstrato ruim.”
Alguns dos trabalhos selecionados para representar o Brasil em Assis ilustram a diversidade de atividades e de propostas desenvolvidas pelos participantes.
Vitor Hugo Tonin, assessor econômico do Sindicato dos Químicos Unificados, trabalha no desenvolvimento da plataforma Livres Rede de Produtos do Bem, que permite o contato direto entre produtores e consumidores, elimina intermediários, custos e lucros de quem não está produzindo nada, aproxima produtor de consumidor e busca um consumo consciente. “No caso de alimentos”, detalha, “procuramos promover produtos sem agrotóxicos, da agricultura familiar e orgânicos. Visa também eliminar intermediários de serviços que monopolizam mercados simplesmente por serem proprietários das plataformas digitais como os prestadores de serviços do tipo Uber e aplicativos de entregas em domicílio.”
O assessor técnico parlamentar David Deccache pesquisa no doutorado em Economia da UnB as possibilidades, desafios e impactos da elaboração de um programa de garantia de emprego com base na Teoria Monetária Moderna. “A pesquisa resultou em um Projeto de Lei apresentado pelo deputado Glauber Braga, do PSOL, na Câmara dos Deputados. Ao colocar o Estado como um empregador de última instância, o projeto avança na resolução de inúmeros problemas: estabelece o respeito ao salário mínimo e a legislação trabalhista e elimina o desemprego crônico a um custo líquido próximo a 2% do PIB”, defende.
Eliza Hostin, formada em Comunicação e mestre em Economia para Transição, trabalha como consultora de sustentabilidade com foco em duas frentes. A primeira é o apoio a empresas para repensar a atuação em busca de formas mais sustentáveis e, se possível, regenerativas. A segunda é em educação, pelo apoio a indivíduos e organizações no entendimento sobre a nova economia de modo a compreenderem os diferentes conceitos que a compõem, bem como conhecerem práticas existentes. “A relevância deste trabalho está em criar pontes de diálogo entre o mundo capitalista e o novo modelo socioeconômico que emerge. Permite novas lentes para ver e agir no mundo e, com isso, tornar-se agente ativo dessa transformação.”
Cristina Pereira Vieceli, aluna de doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, trata de economia feminista e trabalhos reprodutivos. A economia feminista, diz, critica a invisibilidade dos trabalhos não remunerados exercidos principalmente pelas mulheres, tais como afazeres domésticos e trabalhos voluntários não incluídos na contabilidade nacional dos países. “Essa dinâmica impacta tanto na trajetória feminina no mercado de trabalho quanto na sua posição de dependência econômica e o caráter de seu trabalho, pois as mulheres são sobrerrepresentadas em atividades de meio turno, com baixas remunerações.”
Francisco, tudo indica, está disposto a combater o Bezerro de Ouro.


3 comentários:

Roberto Moreno disse...

Roberto Moreno, fundador e presidente da Fundação Geolíngua e, que - não é Papa e nem Nobel da Economia, vem apresentando, desde 2002, aos Ministérios da Administração Interna e da Economia de Portugal, o projeto ENDOECONOMIA (ver no Google) e, também foi apresentado em 2012, em audiência oficial no Palácio de São Bento, ao ex-primeiro ministro Passos Coelho, via o seu assessor de economia Rudolfo Rebelo, este projeto de economia altruísta e autossustentável, muito semelhante em alguns pontos, com este apresentado pelo Papa, porem muito superior em todo o seu conjunto, quer na sua ideologia e na sua logística, pois, coloca na mão do POVO, o poder de redirecionar o consumo de produtos e serviços, no seu dia a dia, numa marca em que ele seja o DONO, incluindo uma Fundação e um órgão de comunicação, pois, a Fundação Geolíngua vai ser doada aos 10 milhões de portugueses, porem, o governo e a imprensa fazem de tudo para ignorar e boicotar o que está a ser-lhes apresentado desde 2002.- Porque será?! – Alguém conhece um jornalista e um advogado - para pegar nesta material???

danilo disse...

Li com atenção o texto e o comentário do Presidente da Fundação Geolingua, sr Roberto Moreno. De facto o que propõe o Santo Papa, não está longe ao que ele propõe, sendo que a proposta de Roberto Moreno tem mais de 17 anos. Espero que a mensagem é o comentário se cruzem e tragam realizações da o bem da humanidade atrapada. Bem haja

Luis Manuel Silvestre disse...

É bom seguir o seu blogue Rui. Tomei a liberdade de publicar todo o texto no facebook. Acedi, graças ao e-mail recebido do meu grande amigo Helder Costa. Muita Saúde para 2020.