sexta-feira, 5 de agosto de 2016

A Ética- Pirilampo



A Ética- Pirilampo

A vida tem ironias que nos surpreendem. Esse é um dos seus encantos. Vejam o estranho caso dos três secretários do atual governo vítimas de uma irreprimível vontade de apoio à nossa seleção. Tão irreprimível que os deixou á mercê da tremenda voragem galpista de um convite para que concretizassem in loco tão denodado apoio. Lá foram. A seleção de todos nós passou pelo arco do triunfo. Foi tempo de condecorações, de abraços e discursos, de multidões em delírio e de comovidas lágrimas em romarias privadas. Foi o tempo do “somos os melhores do mundo”. Um tempo rápido, mas eufórico. Mas naturalmente os nossos dias voltaram , enfim, à  sua mansidão tensa, ainda que vagamente à sombra do ruído europeu.
 Agosto procurou-nos com o seu hálito de queima, levando alguns de nós para as praias de todos os algarves e outros mais contidos para as aldeias desertas do Portugal profundo. Em casa, ficaram muitos, continuando a enfrentar a imensidão do mês, mal preparado para uma escassez nas carteiras. E a vida continuou indiferente à canícula, devidamente avisada de que estamos em férias. Nada se passar parecia um destino, mas não era notícia.
Foi aqui que regressaram os três secretários de estado. Já não como partilhadores das glórias futebolísticas, mas como potenciais figurara de um caso suficientemente interessante para nos fazer escapar do tédio noticioso de agosto.
Os turcos ainda tentaram ajudar com uma espécie de golpe, a nossa seleção alegadamente C foi para o Brasil mostrar que em campo pode ser um A muito grande. Mas é pouco. A canícula é grande e a atenção fraca. É indispensável algo que acorde,  que torne verosímil bater nas panelas. E assim voltaram os três secretários de Estado. Já não como candidatos a heróis na vertigem da vitória, mas como vilões necessários na voragem de agosto.
Aceitaram um convite da GALP. Um convite da GALP, vejam bem. Eu próprio, como muitos de nós, talvez digamos: Eu não aceitaria o convite! Aliás, não é preciso grande imaginação para se pensar que os próprios secretários de Estado, hoje não aceitariam esse convite. Mas aceitaram. E a virtude não os pode desculpar.
E assim, o CDS e o PSD depois de alguns relâmpagos de indignação e algumas vociferações dispersas, convergiram finalmente na ética. Abandonaram prudentemente os meandros jurídicos, onde se consideram fracos, para meterem todas as suas fichas na ética como adamastores da virtude. Fiquei pois descansado, por saber que para a nossa direita, sempre alegadamente institucional, não está em causa uma questão jurídica. Apenas a ética, uma ética com letras enormes que estejam à medida da sua grande dimensão moral a preocupa verdaeiramente.
E fiquei aliviado, já que estava assim a ser dada uma garantia implícita de que com o tandem PASSOS- CRISTAS a verticalíssima direita portuguesa ia fazer com que a ética invadisse a política. E assim ficaria dormitando no remanso deste fim de tarde na Beira profunda, se às vezes não tivesse o infeliz hábito de pensar.
De facto, sendo pouco provável que a ética hoje tonitroantemente colocada no topo da política pelo CDS e pelo PSD, fosse uma breve comichão estival, provocada por um vírus desconhecido, ela não nasceu decerto de supetão. Já estaria irremediavelmente entranhada nos passos e nas cristas, quando há pouco tempo atrás essa figura cimeira da cimeira dos Açores, que foi o Comissário Barroso, levou os seus dez anos de experiência e informações na liderança da Comissão europeia, para o redil insalubre da Goldman Sachs. E no entanto não foram ouvidos os seus gritos de indignação.
Admito que no segredo das suas comichões éticas mais profundas, a Dr.ª Cristas e o Dr. Passos tenham sentido a sombra de um ligeiro incómodo. Mas nada que justificasse uma conferência de imprensa, um comunicado, uma entrevista, uma fuga de informação, de onde pudesse deduzir–se o assomo de uma preocupação ética, o mais leve perfume de censura pelo deslize de Barroso para dentro da Goldman Sachs. Nada. Absolutamente nada, a não ser alguns breves sussurros de júbilo, envergonhado é certo, mas júbilo.
Aqui o meu pensamento começou a inquietar-se. Então as cristas e os passos erguem-se como gigantes da ética contra três viagens de secretários de estado de um governo de que não gostam, mas não ronronam o esboço de uma reserva ética em face da deriva para dentro da Goldman Sachs de um ex-presidente da Comissão Europeia, que por acaso veneram ? Olho com desconfiança para a ostensiva duplicidade dessa ética que ruge contra quem não gosta mas nem chega a miar contra quem venera. É muito fraca a ética de uma ética dessas ─ pensei eu.
E foi então que o meu espírito de compreensão admitiu que talvez não fosse tanto assim. Talvez houvesse uma explicação que pudesse reinserir no campo da decência a referida ética cristo-passista. E a explicação surgiu subitamente iluminada por uma certeza, relativa é certo, mas que vos apresento tal como me surgiu.
Estamos perante uma nova ética , a ética-pirilampo: ora se acende ora se apaga, embora nunca deixe de existir. E foi essa caraterística que suscitou o infeliz acaso acima referido. Embora continuadamente presente quer nos seguidores de Cristas, quer nos seguidores de Passos, por mero acaso, ela estava apagada no caso Barroso/Goldman e estava acesa no estranho caso dos três secretários de Estado.

Confesso que não estou totalmente convencido com esta nova ética que é a ética-pirilampo. No entanto, atrevo-me a sugerir uma conferência de imprensa  conjunta do CDS e do PSD para serem apresentadas todas as virtualidades, virtudes e implicações da ética-pirilampo. E já agora, sem querer intrometer-me, sugiro que a figura central da conferência seja alguém com credibilidade na matéria, o ex-ministro Relvas, do nunca esquecido governo Passos-Portas.

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