quarta-feira, 3 de novembro de 2010

BRASIL - relação de forças após as eleições


Dilma Roussef foi eleita Presidente da República do Brasil com uma margem de 12% de votos. Derrotou José Serra, apoiado por uma coligação que, apesar de heterogénea, era uma expressão política clara da direita brasileira. Dilma, pelo contrário, embora apoiada por uma coligação também heterogénea, exprimia, nesta disputa eleitoral, também claramente, o principal protagonismo da esquerda brasileira, claramente hegemónica nessa coligação.

Dilma Roussef foi eleita à segunda volta com 56% dos votos (contra 44% do candidato José Serra). A direita brasileira falhou, assim, uma vez mais, a tentativa de ganhar uma eleição presidencial com o auxílio de uma enorme maré de calúnias, mentiras, meias-verdades, arremessada contra o candidato da esquerda. O complexo mediático dos grandes órgãos de comunicação social, as hierarquias mais conservadores da igreja católica e de outras igrejas cristãs protestantes, os partidos apoiantes da candidatura de Serra, ajudados por segmentos conservadores do aparelho judicial e das polícias, montaram uma enorme operação de propaganda suja, que teve os seus pontos mais altos, no período imediatamente anterior à 1ª volta das eleições presidenciais e durante as semanas que decorreram entre as duas voltas. Com o precioso auxílio da candidatura ambígua de Marina Silva, ainda conseguiram evitar uma vitória de Dilma na 1ª volta, mas já não conseguiram suster a maré na segunda.

Um novo tempo se abre. Certamente marcado pela continuidade, relativamenete aos dois mandatos do Presidente Lula. Novo tempo, já que a novidade é precisamente o facto de ser possível essa continuidade. Há um ano, era legítimo duvidar-se da possibilidade de Dilma recuperar da imensa desvantagem que lhe era atribuída nas sondagens, sobre as intenções de voto nas presidenciais brasileiras, relativamente a José Serra. No campo "lulista", perfilavam-se outros candidatos potenciais. Dilma foi a preferida por Lula, antes de ser a opção do PT. Mas este partido acabou por escolhê-la formalmente como a sua candidata. Foi, depois, possível evitar que Ciro Gomes se candidatasse pelo PSB, dividindo a base de apoio do governo de Lula. Também foi evitada a apresentação de um candidato próprio pelo PMDB, partido que viria a indicar o vice-presidente na chapa de Dilma , convertendo-se numa importante peça do bloco eleitoral que veio a ser vencedor. Não se evitou a candidatura de Marina que saiu do PT e aderiu ao PV para poder vir a candidatar-se.
Depois das eleições de domingo passado (e das que decorreram no início de Outubro, para Governadores dos 27 Estados Brasileiros, para parte dos 81 lugares do Senado e para os 513 deputados federais da Câmara de Deputados), pode dizer-se que há uma nova relação de forças no Brasil, talvez mais favorável ao Governo de Dilma do que a actual era ao Governo de Lula.

Podemos verificá-lo, fazendo um breve percurso através dos governadores eleitos, do actual conjunto de senadores e dos deputados federais eleitos. Consideraremos apenas os partidos que integraram formalmente qualquer das coligações eleitorais, cujo candidato presidencial tenha obtido mais do que 0,50% dos votos, ou que, não pertencendo a nenhuma delas, disponha, pelo menos, de um eleito entre os governadores, os senadores ou os deputados federais. Faremos fé na listagem oficial dos partidos pertencentes a cada coligação presidencial, a qual sempre indica um partido liderante quando dispuser do apoio de vários. Marina Silva era apenas apoiada pelo PV; Plínio A. Sampaio, pelo PSOL; José Serra, por uma coligação liderada pelo PSDB; Dilma, por uma coligação liderada pelo PT. Vamos pressupor que cada partido se inclina sempre na totalidade para o mesmo lado, mantendo a posição oficial, embora saibamos que há excepções, algumas das quais já conhecidas. Vamos valorizar a pertença de cada eleito ao seu partido, desconsiderando o facto de muitos deles terem sido apoiados por coligações, algumas das quais claramente atípicas. Vamos também passar por cima da relatividade da disciplina partidária e da frequente mudança de partido corrente na vida política brasileira. Vamos apenas considerar os alinhamentos da primeira volta.

Com este enquadramento, vamos distinguir quatro blocos políticos: 1) partidos que apoiaram Dilma;2)partidos que apoiaram Serra; 3) partidos que apoiaram outros candidatos;4) partidos que não apoiaram oficialmente nenhum candidato presidencial na primeira volta.
Olhando para este quadro, estamos a olhar para o essencial da base do governo de Dilma. Fica claro que ela dispõe de dois esteios principais, com um peso político aproximado: PT e PMDB. Num patamar próximo, surge o PSB, que, embora num segundo plano quanto a senadores e a deputados federais, é o partido que neste bloco elegeu mais governadores. No patamar seguinte, podemos colocar, sem ignorar algumas diferenças de peso político: o PDT, o PSC, o PR e o PC do B. Como se vê, este bloco de partidos tem 16 governos estaduais em 27, dispondo de maioria absoluta , quer no Senado, quer na Câmara de Deputados. Se, com algum simplismo, sabendo que cada partido é, ele próprio, heterogéneo e,talvez, sem um grande significado prático, procurarmos identificar dentro dele uma ala esquerda e uma ala direita, podíamos com prudência incluir na primeira: PT, PSB, PDT e PC do B. Esta ala ficaria em clara vantagem quanto ao número de Governadores, com alguma vantagem entre os Deputados Federais e com uma pequena desvantagem entre o Senadores. E não podemos ignorar o facto de a ela pertencer o partido liderante da coligação, ao qual aliás pertence a própria candidata eleita.
Olhando agora para o quadro dos partidos que apoiaram José Serra, que certamente irão constituir a oposição mais consistente e mais relevante ao governo de Dilma, verificamos que neste bloco há um partido claramente dominante, o PSDB, o qual tendo tido uma quebra quer no Senado quer na Câmara de Deputados, conseguiu ser o partido com um maior múmero de governadores eleitos, tendo continuado à frente de S. Paulo e de Minas Gerais. E, também aqui, há que salientar que é o partido liderante da coligação e que dele faz parte o candidato deste bloco partidário. Os Democratas (antigo PFL, oriundo da ala moderada dos apoiantes da ditadura militar) sofreram um sério revés, sendo agora um parceiro enfraquecido do PSDB. Surge depois o desacreditado PTB, com alguma expressão; e depois o estranho PPS (correspondente à facção maioritária do velho Partido Comunista Brasileiro que, como se vê, não só mudou de nome, como parece ter perdido, por completo, a própria identidade), que saiu destas eleições com uma expressão reduzida. O PMN tem o relevo de ter um Governo estadual. Falta saber se, o ex-Governador de Minas Gerais e actual Senador, Aécio Neves ( neto de Tancredo Neves )vai sair do PDSB e formar um novo partido; ou se o PSDB consegue albergar sem rupturas a luta pela sua liderança interna, entre paulistas e mineiros. A derrota de Serra foi um revés para os paulistas, mas eles ainda são governo em S.Paulo.

Se olharmos agora para a força de que passaram a dispor os partidos que apoiaram outros candidatos, verificamos que três deles têm representantes eleitos. O Partido Verde (PV) deixou de ter qualquer Senador, continuou sem qualquer Governo estadual e dispõe apenas de 15 deputados federais, apesar de a candidata de que era o único partido apoiante, ter ultrapassado os 19% de votos na primeira volta. Parece claro que Marina tem um peso bem maior do que o partido que a apoia. O PSOL, resultante de uma cisão de esquerda do PT, não conseguiu que o seu prestigiado candidato Plínio Arruda Sampaio chegasse sequer a 1% dos votos. Saiu enfraquecido da contenda eleitoral e apesar de ter apenas 3 deputados federais tem ainda dois senadores.O candidato do PRTB integra o conjunto dos partidos que apoiaram candidatos que se ficaram por resultados irrelevantes , mas conseguiu dois deputados federais.
Dos quatro partidos que, não tendo apoiado oficialmente qualquer candidato, tiveram representantes eleitos, apenas tem um peso relativo com alguma importância o PP( oriundo do sector mais conservador dos antigos apoiantes da ditadura militar).

Se somarmos os três conjuntos de partidos que não apoiaram Dilma na 1ª volta das presidenciais, verificamos que no seu todo elegeram 11 governdores, 32 Senadores e 202 Deputados Federais. Como vimos acima, mesmo juntos, ficam ainda longe dos 16 Governadores, dos 49 Senadores e dos 311 Deputados Federais, pertencentes aos partidos que integraram ofcialmente a coligação apoiante de Dilma , logo na primeira volta.
Este breve panorama é apenas um dado político entre outros, mas ilustra bem a complexidade do xadrez político que Dilma vai ter que enfrentar.

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