sábado, 3 de julho de 2010

Uma vez mais, o avesso e o direito



Ouvi ontem falar , numa estação televisiva, um advogado de uma figura conhecida da extrema-direita portuguesa, que está a contas com a justiça. No quadro da defesa dos interesses desse seu constituinte, revelou que ia entregar na Procuradoria Geral da República documentação que provava o envolvimento de pessoas próximas do primeiro-ministro, em chorudos depósitos em “off shores” bancários. Num estranho malabarismo mediático alguém sublinhou em comentário que tais operações eram legais.

No meu espírito sublinhei três coisas:

1º A proximidade, signifique isso o que significar, é um elemento de conexão relevante e suficiente para enlamear seja quem for em praça pública. Ou seja, para atingir qualquer figura pública ou qualquer cidadão comum não é necessário correr o risco de lhe imputar comportamentos concretos censuráveis que tenham que ser provados, bastando alegar uma neutra proximidade com algum prevaricador menor, para sem riscos (nem oportunidade de defesa) se enlamear seja quem for.

2º Pode montar-se um espectáculo mediático de denúncia ao MP de comportamentos, sobre os quais se diga expressamente que não são ilegais.

3º A chegada da extrema-direita mais retinta e confessa ao festival anti-Sócrates não pode deixar de revelar objectivamente a compatibilidade entre o seu código genético e a natureza mais funda desse festival.

É claro que o que acabo de dizer não entra em contradição com o facto de eu ser um defensor incondicional do castigo de quem realmente prevarique, incorrendo em comportamentos criminosos; desde que se decidam e apliquem os castigos, no respeito pelas regras universais do Estado de direito democrático. Sou, no entanto, também incondicionalmente, contrário a que se compense a impotência em vencer politicamente um adversário nas disputas democráticas, recorrendo-se a campanhas negras com que se tenta destruir pessoas e partidos, com uma utilização abusiva ou uma instrumentalização grosseira da máquina judicial, a qual nunca pode ser mais do que a materialização orgânica do Estado de Direito.


No geral, a penugem dos anjos melífluos, que tanto forcejaram por parecer justiceiros limpos, começa a ficar gasta. Por isso, nos próximos tempos é muito natural que, por detrás da sombra perdida dos falsos anjos, se perfilem as arestas mefistofélicas das suas identidades terrenas, talvez perversas, talvez banais.

Sem comentários: