quinta-feira, 23 de abril de 2009

O PS e os outros



Se o coro de comentários, a uma sibilina frase presidencial alusiva à crise, tem algum sentido político, é o de indiciar a convergência de um vastíssimo leque de forças, que pode consubstanciar uma maioria de governo para Portugal.

E perante o dramatismo crescente da vida política portuguesa, induzido por uma convergência de factores, se cada agente se sentir obrigado a comportar-se na prática em consonância com as opiniões que sustenta, é razoável pensar que se desenham perante nós duas alternativas possíveis de governo: de um lado o PS, do outro lado, uma grande coligação polarizada, mais ou menos assumidamente, pelo Presidente da República, abrangendo as várias oposições.

Se isto assim for, estamos perante uma grande novidade estratégica. Aparentemente, essa novidade torna muito provável a saída do PS do governo depois das próximas eleições legislativas. De facto, o PS, isolado perante tudo o resto, parece ter contra si um bloco eleitoral maioritário. Isto, se for mantida a relação de forças reflectida nos dados revelados regularmente nas sondagens nos últimos dois anos, ou seja, se o PS não atingir a maioria absoluta.

No imediato, portanto, o PS parece estar à beira de uma derrota. Na verdade, se é certo que a convergência entre a oposição alegadamente de esquerda e a oposição de direita já ocorreu, esporádica e pontualmente, no decurso dos governos liderados por António Guterres, ela é agora muito mais reiterada do que nesse tempo. De facto, tem-se assistido, nos tempos mais recentes, a convergências de opinião e de proposta, bem como em articulações com estratégias sindicais que então eram impensáveis.

Um punhado de exemplos dispersos. Carvalho da Silva vai reunir com Ferreira Leite, ressaltando do encontro convergência, quer de perspectiva, quer prospectivas. Ouvindo as reacções dos partidos da oposição à mais recente entrevista televisiva a José Sócrates, é clara uma consonância bastante vasta. As alegadas “bicadas” do presente da República ao Governo, mereceram pronto aplauso não só da direita, como do PCP e do BE. Vi hoje na imprensa que o PSD afasta qualquer hipótese de apoiar o candidato proposto pelo PS para Provedor de Justiça, mas elogia o candidato apresentado pelo PCP. De um modo geral, sem prejuízo de algumas diferenças na análise da crise actual, as oposições convergem na ideia de que o seu principal fautor é o actual Governo, o que induz uma consequente convergência política quanto ao modo de a afrontar. No plano sindical ou simplesmente associativo, foram várias as posições públicas, apontando, de uma maneira mais ou menos explícita, para a ideia de: “todos menos o PS”.

Se a isto somarmos o implícito patrocínio presidencial dessa convergência latente, facilmente podemos concluir que está objectivamente em construção uma aliança universal contra o PS e o seu Governo.

Saber se psicologicamente os responsáveis pelas entidades envolvidas querem realmente essa “santa aliança”, não sendo irrelevante, não é decisivo. Objectivamente, comportam-se como se a quisessem.

É claro que uma tal “revolução” na cena política tem pela frente dificuldades. Desde logo, se atingirem o objectivo conjunto da derrota do PS, as oposições, postas perante o ónus da efectiva concretização de uma aliança de governo, hão-de hesitar; e se vencerem essa hesitação primária, hão-de penar muito para se entenderem num programa de governo. E se contra todas as expectativas esse abrangente governo visse a luz do dia? Quanto tempo duraria? Com que sequelas?

Há, aliás, que lembrar que este discreto “namoro” político é já hoje um sintoma inesperado da actual subalternidade estratégica do PCP e do BE, em face da direita. Paradoxalmente, a construção desta nebulosa de oposição, transformou um significativo êxito no plano táctico do BE e do PCP, consubstanciado nos vinte por cento de expectativas de votos que lhes outorgam muitas sondagens, numa secundarização estratégica, já que permitiu a ressurreição de uma direita que, como alternativa de governo, se continuava a revelar inviável, mas que assim desponta como protagonista liderante de uma coligação das actuais oposições.

Se, por uma razão qualquer, esta coligação não chegar a nascer, ou falhar rapidamente, os seus participantes serão provavelmente penalizados em actos eleitorais seguintes e o PS pode neles dispor de simétricas vantagens. Os portugueses não esqueceriam que eles teriam sido capazes de empurrar o PS para fora do Governo, mas não de gerar a alternativa implicitamente suposta nesse hipotético derrube.

E a parte do povo de esquerda que se reconhece eleitoral e socialmente (sempre ou de vez em quando) no PCP ou no BE, não vai provavelmente aceitar sem reagir que os que mais alegam uma deriva do PS para a direita se tenham deixado converter num instrumento dessa mesma direita que tanto dizem abominar.

E, no plano nacional, é legítimo defender-se que quem se congrega para derrubar um governo e se concerta para impedir o partido que o suporta de renovar uma maioria que lhe permita governar, não pode deixar de ser responsável por protagonizar uma alternativa própria correspondente, susceptível de reflectir globalmente a oposição praticada, realizando as medidas implícitas na sua alternatividade crítica ao governo do PS.

Este é um cenário difícil para o PS que este tem que encarar de frente. E há um ponto de partida evidente mas que o PS tem que assumir realmente. Não estando ao seu alcance interferir na linha dos outros partidos, tem que assumir o seu isolamento partidário e procurar falar directamente para todo povo de esquerda, sem menosprezar, num segundo plano, naturalmente, o permanente diálogo com os portugueses em geral.

Mas para que uma mudança de atitude estratégica deste tipo, não possa ser confundida com simples cosmética eleitoralista, alguns pressupostos devem ser preenchidos:
1) O PS tem que tornar claro, tirando daí consequências políticas e programáticas, que sendo a actual crise, no essencial, uma crise do capitalismo, não reflecte qualquer falhanço do modelo de sociedade que realmente corresponde à identidade histórica do PS, confirmando, pelo contrário, que é necessário caminhar-se para uma sociedade de um tipo diferente que esteja em harmonia com os valores socialistas;
2) O PS, querendo ganhar as eleições , quer consegui-lo não como um fim último , mas como parte importante de um processo de construção de uma base social de apoio sólida e duradoura;
3) O PS, em conjugação com o Governo, deve reexaminar criticamente o seu mandato, à luz das novas circunstâncias da crise, para no seu programa introduzir as novidades e as alterações que daí resultem;
4) O PS tem que passar a encarar o seu papel político, não só como partido de governo, mas também como movimento social com envolvimento directo e organizado na transformarão social e cultural.
Se caminhar nesse sentido, o PS estará a assumir plenamente as responsabilidades históricas que sobre ele impendem, mas também estará a colocar os outros, mais ostensivamente, perante as suas próprias responsabilidades.

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