sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Propostas generosas podem esconder omissões dolorosas


A moção oficial apresentada ao congresso do PS, sequiosa da mais ligeira brisa de novidade, retirou do seu arsenal de memórias incumpridas o casamento gay e agitou-o como sinal possível de uma radicalidade prudente.

Por mim, embora compreendendo a lógica de quem propõe para essa união um instituto jurídico novo, deixando o casamento limitado ao seu âmbito actual, não ignoro o peso simbólico, como factor anti-discriminatório, que tem o alargamento do âmbito do instituto do casamento nos termos propostos. E, por isso, nada tenho a opor na substância.

Quanto à oportunidade, se ela se reduzir a prudência eleitoralista, também me parece um factor irrelevante. Se achamos uma proposta certa, não é compreensível esperar que ela faça perder votos, a não ser que a não saibamos defender ou que não saibamos neutralizar ataques demagógicos dos seus opositores.

Já me parece menos pacífico recorrer a esta proposta como sinal de arejamento de uma moção que escolheu para si uma abafada atmosfera de conformismo.

Para quem olha para o PS como uma orquestra afinada que responde a todas as partituras, para quem atravessa a floresta dos problemas da educação como alguém que apenas se julga credor de aplausos e elogios, para quem passa pelas questões da saúde como cão por vinha vindimada, para quem embrulha a desigualdade estruturante das sociedades actuais, entre o capital e o trabalho, num manto de esquecimento, para quem olha para o jardim de esperança, cooperação e solidariedade, constituído pelo sector cooperativo e social como pouco mais do que uma ilha deserta, não basta o casamento gay para o arrancar desse limbo de monótona previsibilidade que caracteriza a moção oficial apresentada ao congresso do PS.

Este é para mim o verdadeiro cerne da questão e da sua circunstância, a marca conjuntural de uma questão intemporal.

A problemática da eutanásia, guardadas as suas óbvias diferenças, tem em comum a reacção esperada dos conservadores da nossa sociedade, indispensável para causar a impressão de que se trata de uma medida com marca de esquerda.

Sem prejuízo da autenticidade da convicção quanto à substância do problema dos anunciados vinte e seis magníficos, que não tenho qualquer razão para pôr em causa, o seu ribombante anúncio de que vão levar o tema ao Congresso do PS já me merece uma perplexidade paralela à que atrás exprimi. Perplexidade que assenta no facto de os nomes, que vieram a público anunciar tão enérgico desígnio, não terem sido conotados com qualquer moção de orientação geral distinta da moção oficial. Se com os outros não ocorrer o mesmo, para esses não valem as considerações seguintes.

Na verdade, fica a impressão de que, para esses vinte e seis reticentes, o que mais conta é isso mesmo: serem vistos como reticentes. Eles não querem ser tomados como incondicionais seguidores , como membros da claque da actual direcção do PS, mas também não querem ser vistos como críticos mesmo que razoáveis. Querem apenas que sejam públicos os sinais prudentes da sua reticência. É uma reticência mansa que não envolve críticas nem juízos de valor. Não se importam que os vejam aplaudir, mas fazem questão que se perceba nos seus aplausos a sombra de uma hesitação, a brisa de uma reserva discreta, o sussurro de uma pequena discordância. Este foi um dos sinais públicos possíveis dessa subtil e cautelosa demarcação. Não quiseram deixar de o dar.

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