sexta-feira, 19 de setembro de 2008

A estranha morte do Senhor Neoliberal

O Senhor Neoliberal morreu. Teve uma indigestão de bancos pré-falidos, de companhias de seguros desesperadas, de secretos de mercado negro e de negócios infelizes.

Ao longo da sua cintilante existência, o Senhor Neoliberal foi sempre considerado um produtivo empresário de sucesso. Os seus muitos admiradores sempre garantiram que ele era um pujante gerador de resplandecente riqueza, que ele era o elixir de uma longa e próspera vida, para qualquer sociedade; e, principalmente, que era um sujeito eterno.

Por isso, os seus cortesãos mais chegados, fossem eles dirigentes do Bando Mundial, da Reserva Americana, do Banco Central Europeu, do FMI, da OCDE; fossem eles Ministros das Finanças de um qualquer governo bem comportado, ou científicos patrões da Escola de Chicago, nem queriam acreditar que ele pudesse ter morrido; para mais vitimado por tão indignas doenças.

Houve mesmo um destacado Comissário Europeu, apesar de suspeito de uma leve e rara sensibilidade a alguns vagos perfumes de esquerda, que alegou, timidamente, que o Senhor Neoliberal não tinha morrido, apenas não pensava, não respirava, não se mexia, não falava, não via, não ouvia, não tinha sensibilidade ao tacto e não se lhe sentia o coração. Fora isso, estava bem vivo.

Consta, também, que alguns responsáveis políticos de uma certa esquerda mansa, pelo menos suficientemente mansa para poder reivindicar-se como moderna, ficaram deveras surpresos com um passamento, que, sinceramente, julgavam cientificamente impossível.

É, à luz de tudo isto, que se pode compreender a discreta brisa de esperança que veio animar os desamparados cortesãos do defunto, tendendo a dar força à tese do Comissário : o Senhor Neoliberal não morreu. É certo que não pensa, não fala, não vê, não ouve, não respira, mas nem por isso deixa de estar vivo e bem vivo.

E, se não morreu, não pode ser enterrado: nem cremações, nem funerais.

Mas se não for enterrado, nem a fé dos seus sequazes, que o olham como vivo, pode garantir que se não corra o risco (inexplicável, é certo) de vir a exalar um cheiro pestilento.

Por isso, se pediu a um Prémio Nobel da Escola de Chicago que fizesse compreender aos cortesão mais fiéis do Senhor Neoliberal, que, pelo menos, o deviam empalhar, mumificando-o como se fosse um faraó do antigo Egipto. E assim fizeram.

Por isso, desde hoje, às 17 horas e 15 minutos, hora de Lisboa. O Senhor Neoliberal está sentado a uma ampla secretária, colocada na sede do Banco Central Europeu, onde ficará durante quinze dias.

Depois, passará uma temporada no FMI, outra no Banco Mundial, outra na Reserva Federal Americana, esperando-se um convite da Escola de Chicago. Não está prevista uma temporada na Casa Branca, por receio de que o presidente Bush diga algo de inconveniente.

Assim, o que parecia uma morte trágica converteu-se numa quietude tranquila. A múmia silenciosa do Senhor Neoliberal orienta agora, judiciosamente, com o seu silêncio, os seus esforçados seguidores.

E apesar de tudo, mesmo eu, que sou pessimista, não estando totalmente convencido da utilidade do empalhamento mumificador, reconheço que o maior perigo está no risco de o irrequieto Zézinho, neto de um porteiro do Banco Central Europeu, poder escapulir-se até à sala do trono e aí, atrevidamente, gritar:

-Ó Avô, por que é que não enterram o velho ?