domingo, 13 de abril de 2008

Educação: o fantasma do recuo




O complexo mediático-partidário insiste cada vez mais numa política de jardim-escola. Exemplo maior dessa deriva foi o recente episódio do acordo da Ministra da Educação com os sindicatos.

Embora seja uma das evidências que ninguém contesta, a centralidade do papel da educação na possível melhoria da qualidade de vida dos portugueses, embora deva ser nítida a importância da educação e do conhecimento na dignificação e na humanização de cada pessoa, os porta vozes dos partidos , bem como os jornalistas dos vários meios de comunicação social, concentraram-se assanhados na enorme questão de se saber se a Ministra havia recuado ou não.

A substância do que estava em causa evaporou-se , como se tudo se reduzisse a apurar se a Ministra tinha cometido esse novo pecado mortal: o recuo. E mesmo a Ministra, tendo deixado vislumbrar uma ponta de uma outra perspectiva, em duas ou três frases contaminadas por alguma racionalidade, não foi capaz de dizer simplesmente uma verdade óbvia : perante as circunstâncias e as dificuldades práticas verificadas, no quadro de um processo de negociação, procurando contribuir para um apaziguamento que protegesse o final do ano lectivo, resolvera realmente recuar.
Por que não o disse claramente ? Porque, ao contrário do que procurou parecer, ela própria se deixou influenciar pela síndrome do recuo, perdendo uma boa oportunidade de se prestigiar, o que teria conseguido facilmente, se com simplicidade tivesse reconhecido o óbvio.

Talvez a vozearia mediático-partidária se tivesse excedido num primeiro momento num hiper-exacerbamento, mas rapidamente se calaria confrontada com o risco de cair no ridículo pela infantilidade da sua insistência.

Aliás, ultimamente, o fantasma do recuo parece assombrar realmente a oposição, quando se pode dizer que fora descoberto para incomodar o Governo. Realmente, com amplo destaque para o desesperado Dr. Menezes, a oposição, mediaticamente ampliada, anatematiza primeiro a rigidez do Governo, a sua incapacidade para ouvir críticas. Mas logo que o Governo dá importância a qualquer crítica, corrigindo-se, desaba sobre ele com o estranho fantasma do recuo. É certo que, num plano imediato, com isso é a oposição que se apouca e o Governo que se engrandece, mas, em última instância, é o nível do debate político que se degrada ainda mais.

E o abaixamento de nível do debate político não exprime apenas o agravamento de um juízo negativo da natureza ética, lógica, literária, ou simplesmente do foro do senso comum. Implica silêncio a propósito do essencial com a subsequente omissão da crítica em tudo que vá para além do ruído da propaganda mais superficial. Nem o Governo recebe a ajuda de críticas verdadeiramente centrais e fundamentadas, nem a oposição se adestra no hábito de se ocupar de coisas sérias.

Na verdade, o que mais me espanta nesta histeria em torno do fantasma do recuo da Ministra, é que desde o próprio Ministério, aos partidos políticos e aos sindicatos, todos parecem achar realmente decisivas as particularidades secundárias que ocuparam a agenda nos últimos meses , ao mesmo tempo que todos se omitem quanto ao que verdadeiramente é essencial .

Posso dar um exemplo: todos ribombam a propósito de uma avaliação dos professores que acham imprescindível, mas cujos detalhes os levam ao paroxismo de uma série de brigas cruzadas; nenhum levanta o problema da degradação da formação dos professores, acelerada dramaticamente desde a segunda metade dos anos oitenta.

Ora, a avaliação dos professores, desde que tecnicamente ajustada e eticamente decente, é útil e indutora de justiça relativa no seio da profissão docente, mas, mesmo antes de se saber através dela a extensão das insuficiências do actual sistema de formação de professores, é já hoje evidente que, se queremos resultados duradouros nesse campo, temos que modificar estruturalmente todo o sistema de formação de professores. Mudança tanto mais necessária quanto só pode ter sentido se tiver como vector básico uma estratégia exactamente oposta à deriva iniciada com o cavaquismo e desde então não revertida.
E, reparem, não estou a pensar numa retórica de mudança, destinada principalmente a mascarar uma tentativa de diminuir as despesas públicas com a educação. Trata-se realmente de uma reforma de fundo e não de uma série de mudanças que valorizem a abertura de oportunidades ao negócio privado com a educação. Trata-se de procurar uma mudança que seja útil aos portugueses e ao país e que corresponda a um desígnio de renovação cultural e civilizacional.
Não se trata de uma transacção que equilibre o que deve ser com o que convenha aos proprietários de colégios ou a interesses de proselitismo de qualquer religião. A liberdade de criar colégios privados está garantida, a liberdade de se criarem colégios com base em qualquer instituição religiosa deve estar garantida. Garantida a liberdade, mas não o financiamento público. Esse deve tender a concentrar-se no que realmente é público, sob a tutela democrática legítima.
Mas ao Estado cabe praticar uma estratégia de valorização do ensino público. Na verdade, a educação não é principalmente um serviço. É muito mais do que isso: é,essencialmente, um pilar estruturante do Estado democrático, um vector matricial da nossa cultura e da identidade do povo português, o que é ainda mais decisivo, em contexto de globalização. Esquecer isto pode convir a interesses privados ou confessionais, mas não está de harmonia com o interesse nacional, com os direitos dos cidadãos no seu todo e enquanto tais, com as obrigações de um Estado democrático.Trata-se de um desafio difícil, mas sem o enfrentar ficar-nos-emos pelo eterno: "faz que anda mas não anda".

Mas que importância tem tudo isto perante essa dúvida angustiante e central: "Afinal a Ministra da Educação recuou ?"

1 comentário:

Anónimo disse...

Em qualquer negociação tem, por definição, de haver cedências de parte a parte.
Se o Governo não negoceia, logo a oposição proclama que o Governo é autista, autoritário, anti-democrático,etc..
Se pelo contrário o Governo dialoga e procura obter um consenso, logo a oposição, desde Paulo Portas a Jerónimo, embandeira em arco, dizendo que "obrigou o Governo a recuar".
O Governo é preso por ter cão e preso por não ter cão.
É claro que a política não deve fazer-se com estados de alma, mas temos de convir que com oposições assim não apetece negociar...