O mistério do laranjal extraviado
Era uma vez um laranjal com um disfarçado perfume de direita.
Discreto para não afastar os pacatos portugueses suaves. Suficientemente detectável
para fixar a nebulosa conservadora, não desiludir o entusiasmo dos liberais,
nem excluir os prisioneiros distantes da ressaca salazarista.
No passado, num tempo de pujança eleitoral, chegaram a falar em cavaquistão. Há anos que muitos o procuram reencontrar num saudosismo infrutífero.
Os museus acolhem memórias; não prenunciam regressos.
Ontem, houve dentro do laranjal uma competição feroz entre
Rio e Rangel, para legitimar a entrega do leme partidário a um deles. O segundo
desafiava o primeiro que, aliás, dirigia já o laranjal em questão.
Os notáveis, os notabilíssimos e os híper-notáveis,
reconhecidos como frequentadores ou proprietários do laranjal, fizeram os seus alinhamentos. Estilos
diferentes: alguns deixavam deslizar um esgar aqui um sorriso ali sugerindo uma
posição; outros almoçavam com, pouco inocentemente; outros recebiam indiscretamente
cumprimentos. Só alguns desferiam verdadeiras cacetadas. Uns tantos
frequentavam lançamentos e cerimónias sentando-se uns ao lado dos outros com um
sorriso maroto. Queriam tornar bem clara a sua preferência sem que pudessem ser
acusados de a ter explicitado. No meio desse labirinto de subtilezas e de hipocrisias, pode
nem sempre ter sido claro o apoio a Rangel, mas foi sempre evidente a recusa em
apoiar Rio.
Marcelo, Balsemão, Cavaco, Moedas, Manuela Ferreira Leite,
Passos Coelho, Poiares Maduro, Morais Sarmento, não apoiaram Rio. O chamado
aparelho, ao que disseram vozes conhecedoras, também não. Apesar disso, 52,43 %
dos votantes nas primárias deram a vitória a Rio.
Os derrotados, sem deixarem de o ser , deixaram contudo uma
mensagem devastadoras quanto ao vencedor: Rui Rio não seria um
primeiro-ministro desejável. Mas mostraram também que, todos juntos, só foram
ouvidos por 47,57 % dos militantes do PSD que votaram. Para tão ilustre equipa
é pouco, muito pouco, muitíssimo pouco. No entanto, Rio está desde já condenado
a suportar o peso desses 47,57 % e da luzidia plêiade de notáveis que o
abandonou. Incontornável!
Como podem os portugueses confiar para os governar em alguém que reúne uma tal unanimidade cética de tão ilustres figuras tão próximas dele ?
Por isso, se pode dizer que se há ainda um verdadeiro laranjal com o respetivo perfume ainda ativo , seguramente que se extraviou.
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