quinta-feira, 14 de dezembro de 2017

O PERIGO DO LACRAU


Muitos dirigentes e quadros dos partidos de esquerda estão habituados a sofrer, a travarem um combate desigual com as direitas. De quando em quando vêm à superfície e respiram, tomando nas  mãos algumas alavancas de poder, com as quais a custo manobram em território inimigo. Abrem algumas clareiras de esperança, revertem alguns estragos mais gritantes, travam os ímpetos predatórios dos poderes de facto.

Mas parecem atingidos , em muitos casos, por uma estranha maldição. Parecem possuídos por uma incontida pulsão suicida, como se o êxito, mesmo precário e relativo, os afligisse. Como se a sua vocação irreprimível fosse a de estarem com os de baixo, lutando contra os que estão em cima, como se não lhes importasse verdadeiramente trazer os de baixo para cima, até deixar de se poder falar em baixo e em cima, quando se fala de sociedade.

Como o lacrau que a meio do rio fere de morte o sapo que o transporta e ao ser inquirido sobre o absurdo de, ao matar o sapo a meio do rio, ir morrer com ele, responde: “É da minha própria natureza! Não consigo evitá-lo.”

As esquerdas em Portugal entenderam-se, transformaram, através de uma solução atípica e engenhosa, o impossível  no desejado. Uma solução que resistiu à hostilidade furiosa da direita doméstica e ao cerco frio das direitas europeias, institucionalmente senhoras da União Europeia. A solução sobreviveu a dificuldades, acidentes, cercos e incidentes. Os poderes de facto hostilizam-na sistematicamente, sem piedade. Tem resistido. Pode tornar-se um precedente. Não se vislumbram vias alternativas capazes de suscitar esperança. Para as direitas portuguesas isto é desesperante.

As  diferenças entre as esquerdas,  fisiologicamente expressas no espaço mediático, foram-se tornando naturais. Mas, no seio dessa heterogeneidade natural, despontam de quando em quando alguns surtos de crispação insalubres que comportam riscos desnecessários que não devem ser negligenciados.

Foi o caso de uma alta dirigente do BE que tingiu uma crítica normal ao PS de um tom de censura ética, claramente inábil, tosco e ofensivo. O PS enquanto tal não reagiu, mas houve pelo menos um dos seus expoentes mediáticos que dramatizou o incidente e não deixaram de ser ouvidos alguns outros ecos oriundos do PS . 

A relevância política objetiva  do assunto é nula. A tonalidade ética da crítica é tonta e desnecessária. A intensidade de algumas reações é excessiva e  despropositada. Como incidente é menor, como indício é preocupante.


Esperemos pois que as lideranças das nossas esquerdas não se cansem de não estar em puro sofrimento defensivo. É que  não pode esquecer-se que o  povo de esquerda não tem nenhum apego a que voltem a apertar-lhe o garrote que lhe corta a respiração.  As lideranças das nossas esquerdas não podem  transformar-se no "lacrau" que afunda a solução alcançada, alegando que isso lhes está na  própria natureza.

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