quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Um teólogo da libertação fala sobre o Brasil.




Um teólogo da libertação fala sobre o Brasil.

O teólogo brasileiro Leonardo Boff,  um dos mais destacados protagonistas da teologia da libertação, publicou no passado dia 26 de Novembro no Jornal do Brasil um texto sobre a actualidade política brasileira, intitulado “É importante derrotar as elites do atraso”.
Para escaparmos ao unilateralismo favorável ao poder político atual que , em regra,engessa a comunicação social portuguesa nada melhor do ler atentamente o referido texto que a seguir transcrevo:

 “Por mais críticas que se faça e se tenha que fazer ao PT, com ele ocorreu algo inédito na história política do país. Alguém do andar de baixo conseguiu furar a blindagem que as classes do poder, da comunicação e do dinheiro, por séculos, montaram, para minimizar ao máximo políticas públicas em benefício de milhões de empobrecidos. O mote era: políticas ricas para os ricos e políticas pobres para os pobres. Assim estes não se rebelariam.
A verdade é que as elites endinheiradas nunca aceitaram um operário, eleito por voto popular, a chegar ao poder central. É fato que elas também se beneficiaram, pois a natureza de sua acumulação, uma das mais altas do mundo, sequer foi tocada.
Mas permanecia aquele espinho dolorido: ter que aceitar que o lugar supostamente deles, fosse ocupado por alguém vindo de fora, sobrevivente da grande tributação, imposta aos pobres, negros, indígenas, operários durante todo o tempo da existência do Brasil. O nome de seu horror é Luiz Inácio Lula da Silva.
Agora esta elite despertou. Deu-se conta de que estas políticas de inclusão social poderiam se consolidar e modificar a lógica de sua abusiva acumulação.
Como é conhecido pelos historiadores que leram e leem a nossa história a partir das vítimas, como é o caso do mulato Capistrano de Abreu, do acadêmico José Honório Rodrigues e do sociólogo Jessé Souza entre outros, diferente da história oficial, sempre escrita pela mão branca, todas as vezes que as classes subalternas ergueram a cabeça, buscando melhorar a vida, esta cabeça foi logo golpeada e os pobres reconduzidos à margem, de onde nunca deveriam ter saído.
A violência nas várias fases de nossa história foi sempre dura, com prisões, exílios, fuzilamentos e enforcamentos ao revoltosos e particularmente com referência aos  pobres e negros, estes últimos centenas deles assassinados ainda neste ano.  
A política de conciliação das classes opulentas, à revelia dos reclamos populares, sempre detiveram o poder e os meios de controle e repressão. E o usaram vastamente.
Não é diferente no atual golpe jurídico-parlamentar de 2016 que injustamente apeou do poder a Presidenta Dilma Rousseff.
O golpe não precisou mais de cassetetes e de tanques. Bastou aliciar as elites endinheiradas, as 270 mil pessoas (menos de 1% da população) que controlam mais da metade do fluxo financeiro do país, associadas aos meios massivos de comunicação, claramente golpistas e anti-populares, para assaltar o poder de Estado e a partir daí fazer as reformas que os beneficiam absurdamente.
O Brasil ocupa uma posição importante no cenário geopolítico mundial. É a sétima economia do mundo, controla o Atlântico Sul e está voltada para a Africa. Esta área, na estratégia do Pentágono que cuida, ao sul, pela segurança do Império norte-americano, estava a descoberto. Havia aí um país, chamado Brasil, chave para a economia futura, baseada na ecologia, que tentava conduzir um projeto de nação autônomo e soberano, mas aberto à nova fase planetária da humanidade. Precisava ser controlado.
A Quarta Frota que fora suspensa em 1950 voltou a partir dos anos 90 a ser ativada com todo um arsenal bélico, capaz de destruir qualquer país oponente. Ela vigia especialmente a zona do pré-sal, onde se encontram as jazidas de petróleo e de gás, as mais promissoras do planeta.
Consoante à própria estratégia do Pentágono, bem estudada pelo recém falecido Moniz Bandeira e denunciada nos EUA por Noam Chomsky, era decisivo desestabilizar os governos progressistas latino-americanos, desfigurar suas lideranças, desmoralizar a política como o mundo do sujo e do corrupto e forçar a diminuição do Estado em favor da expansão do mercado, o verdadeiro condutor, creem eles, dos destinos do país. Pertence a esta estratégia difundir o ódio ao pobre, ao negro e aos opositores deste projeto entreguista.
Pois este é o projeto atual das elites do atraso (no dizer de Jessé Souza). Não pensam num projeto de nação, preferem uma incorporação, mesmo subalterna, ao projeto imperial. Aceitam, sem maiores reticências, a sua recolonização para serem meros exportadores de commodities para os países centrais.
Argumentam: para que termos uma indústria própria e um caminho próprio para o desenvolvimento, se tudo já está construído e montado pelas forças que dominam o mundo?
O capital não tem pátria, apenas interesses no Brasil e em qualquer parte do mundo. Estas elites do atraso colocam-se decididamente do lado do Império e de seus interesses globais.
Atrás do vergonhoso desmonte dos avanços sociais com o propósito de transferir a riqueza da nação e dos pobres para os já super-ricos, estão estas vorazes elites do atraso. Estão reconduzindo o Brasil às condições do século XIX até com trabalho semelhante ao escravo.
Bem intuía, pesaroso, Celso Furtado no entardecer de sua vida, que as forças contrárias à construção do Brasil como nação forte, vigorosa e ecumênica, poderiam triunfar e destarte interromper o nosso processo de refundação do Brasil. Basta ler seus dois livros:  Brasil: a construção interrompida (1993) e o outro O longo amanhecer (1999).
Nas próximas eleições devemos derrotar democraticamente estas elites do atraso, porque querem implacavelmente acabar de desmontar o Brasil social, pois não mostram nenhum interesse pelo país e pelo povo, apenas como oportunidade de negócios.
Se por nosso infelicidade, triunfarem, poderão levar consigo outros países latino-americanos para o mesmo caminho fatal. Teríamos sociedades altamente controladas, ricas por um lado e paupérrimas por outro, tremendo com medo da violência que fatalmente surgiria como está efetivamente surgindo com a polícia militar fazendo a obra repressiva dos militares no tempo da ditadura civil-militar de 1964.
Então, seríamos ainda positivamente cordiais?”



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