terça-feira, 7 de abril de 2015

UM LIVRO, UM POEMA - 5


Hoje, escolhi para vos recordar um poema de Egito Gonçalves (1920/2001), “Notícias do Bloqueio”. Foi publicado pela primeira vez em livro em 1958, em “Viagem com o teu rosto”, mas, segundo o autor, data de 1952. Logo depois, em 1953, integraria o 4º número da revista de poesia Árvore fundada no outono de 1951, extinta pele máquina repressiva do  fascismo na primavera de 1953, com o número acima referido. Todos os números da “Árvore – folhas de poesia” viriam mais tarde (2003) a ser publicados pelo Campo das Letras em edição fac-similada. Em 1980, Egito Gonçalves fez publicar no Círculo de Poesia da Moraes Editora uma seleção dos seus “Poemas Políticos”(1952-1979) que abre precisamente com as “Notícias do Bloqueio”.

Amado pela resistência e pela poesia, o poema foi ganhando raízes numa e noutra, instituindo-se como uma das mais intensas poesias inscritas na resistência cultural ao fascismo. Uma poesia que nos interpelava e interpela pela sua generosa ternura e pela indómita energia de uma resistência que não se cansa.

De algum modo, há ainda um bloqueio que cerca a ilha imaginária da esperança e faltam ainda víveres na cidade.

 


NOTÍCIAS DO   BLOQUEIO

                        -Egito Gonçalves –


Aproveito a tua neutralidade,
o teu rosto oval, a tua beleza clara,
para  enviar notícias do bloqueio
aos que no continente esperam ansiosos.

 
Tu lhes dirás do coração o que sofremos
nos dias que embranquecem os cabelos…
Tu lhes dirás a comoção e as palavras
que prendemos  ─ contrabando ─ aos teus cabelos.

 
Tu lhes dirás o nosso ódio construído,
sustentando a defesa à nossa volta 
─ único acolchoado para a noite
florescida de fome e de tristezas

 

Tua neutralidade passará
por sobre a barreira alfandegária
e a tua mala levará fotografias,
um mapa, duas cartas, uma lágrima…

 
Dirás como trabalhamos em silêncio,
como comemos silêncio, bebemos
silêncio, nadamos e morremos
feridos de silencio duro e violento.

 
Vai pois e notícia com um archote
aos que encontrares de fora das muralhas
o mundo em que nos vemos, poesia
massacrada e medos à ilharga.

 
Vai pois e conta nos jornais diários
ou escreve com ácido nas paredes
o que viste, o que sabes, o que eu disse
entre dois bombardeamentos já esperados.

 
Mas diz-lhes que se mantém indevassável
o segredo das torres que nos erguem,
e suspensa delas uma flor em lume
grita o seu nome incandescente e puro.

 
Diz-lhes que se resiste na cidade
desfigurada por feridas de granadas
e enquanto a água e os víveres escasseiam,
aumenta a raiva
                           e a esperança reproduz-se.

 

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