quinta-feira, 29 de março de 2012

PARTIDO SOCIALISTA - romper o cerco.

1. O PS parece cercado. De um lado, acusam-no de submissão injustificada aos ditames da “troika”; do outro, de faltar ao compromisso assumido de acatar esses ditames. Valorizo o respeito pela palavra dada. Mas não me parece racional que se trate toda a questão política envolvida nesta problemática com a linearidade subjacente a essa perspectiva.

Desde logo, acho absurdo que se tenha consentido em misturar a obrigação de o país não ir além de um certo patamar de endividamento e de um certo nível de défice público, com a imposição de serem seguidas certas políticas para se atingirem esses resultados, como se essas políticas os garantissem e fosse certo que com qualquer outro rumo isso não aconteceria. Compreende-se, na verdade, que os nossos "credores"queiram garantir a nossa solvência, mas não se compreende que aproveitem a oportunidade para nos forçarem a engolir medidas neoliberais como se fossem uma imperatividade objectiva.

Do mesmo modo, não parece certo, nem sequer compatível com um mínimo de ética política, que se ponham no mesmo saco, como infracções igualmente censuráveis, quer as derrapagens orçamentais comprovadamente causadas por uma gestão errada, deste ou daquele governo, quer as que claramente resultam da obediência a recomendações ( ou até a imposições) feitas pelos poderes “troikos”.

Também não me parece moralmente justificável que se tratem do mesmo modo despesas públicas feitas para salvar vidas ou para impedir cidadãos de sucumbirem ao flagelo da fome e despesas públicas derivadas da compensação de desfalques bancários feitos por ricaços desonestos.

As coisas são, por isso, bem mais complexas do que a dicotomia simplista e radical entre ferrar-se um calote e pôr-se a cabeça no cepo do absolutismo “troikista”. Entre os dois extremos, há uma imensa série de possíveis atitudes intermédias.

Por outro lado, é certo que, quando se tratava de combater o governo do PS o essencial das causas da crise eram, exclusiva e insistentemente, imputadas à política interna, quer pelas oposições, quer pelos “econúmerodontes” de serviço, quer pelos inefáveis plumitivos da vulgata neoliberal. Mas, hoje, mesmo os mais “amedinados” de entre eles reconhecem a centralidade do factor externo, as motivações europeias dos poderes económicos predatórios e a crise do capitalismo internacional, que procuram pudicamente limitar ao desregramento financeiro

É, por isso, de uma inenarrável má fé pretender que tudo se reduz a um merecido castigo aos malandros, que poderíamos ser nós os portugueses, que se encarregam de infligir os sólidos baluartes de um novo angelismo económico, que seriam os membros do cartel político que quer dominar a Europa, bem como todos os que aceitem servir-lhes de lacaios.

Tudo isto merecia ter sido ponderado pelo PS, como condição para calibrar a sua actuação política, em face do modo como o governo de direita interpreta e executa o memorando da “troika”, de modo a que essa actuação fosse explicada e facilmente compreendida pelo povo socialista.

2. Mas há uma outra dimensão do problema que não deveria ser esquecida. O chamado memorando da “troika” é um documento político e não uma simples lista de actos independentes, cujo cumprimento se apura pela prática isolada e sucessiva de cada um deles. Por isso, o PS ao subscrever o memorando obrigou-se a uma conjugação de medidas interdependentes, cuja imagem global seria outra se algumas delas fossem amputadas ou se outras lhe fossem unilateralmente acrescentadas.

Nessa medida, ao governo saído das eleições caberia negociar com o PS os termos e o quadro de uma cooperação que assegurasse as condições para que fosse cumprido o roteiro político desenhado pela “troika”. Mas mudar esse roteiro, acrescentando-lhe novas medidas, não é o mesmo que colocar um mero apêndice numa lista que manteria o mesmo significado político, apenas o enriquecendo ou empobrecendo mais um pouco. Não é. E mesmo que o pudesse ser na perspectiva do governo, só um processo negocial novo poderia garantir que também o era para o PS. Ou seja, se o governo da direita entendeu que devia mudar o roteiro político inerente ao memorando da “troika”, ou garantiu previamente que o PS se mantinha concordante com essa mudança, ou renunciou ao apoio que até então tinha do PS por causa de compromissos anteriores.

Ora, o facto é que essa negociação não ocorreu, mas o PSD e o CD reformularam o programa que correspondia ao memorando da “troika”, indo assumidamente para além dele. Ou seja, o governo da direita com essa mudança rompeu o pacto gerado a partir da assinatura comum do memorando de entendimento. E, como se isso não bastasse, aquilo que acrescentou ao inicialmente acordado, em regra, representou uma tomada de medidas que genericamente se podia esperar que fossem especialmente desagradáveis na óptica do PS. Ou seja, rompeu o acordo tácito inerente à subscrição conjunta do memorando da “troika” e rompeu-o num sentido que objectivamente significou provocar ou humilhar o PS, procurando forçá-lo a engolir aquilo de que não gosta.

Que o PS não tenha denunciado frontalmente essa provocação irresponsável do governo da direita, avisando solenemente que se ele agravasse as sequelas inerentes ao memorando de entendimento se afastaria de qualquer cooperação, parece-me estranho. Mas que aceite ser amarrado a uma proposta de alteração à lei laboral que ele próprio admite ser contrária à dignidade do trabalho e à identidade histórica dos socialistas, parece-me completamente absurdo.

Tanto mais absurdo, quanto sendo uma condição normal da cooperação política que pedem ao PS a manutenção de um grau de agressividade política, compatível com esse espírito de limitação de hostilidades, a verdade é que os partidos da direita , o aparelho de Estado e o complexo mediático que lhes corresponde, têm vindo a lançar uma miserável campanha de ataque ao PS, só comparável com os períodos mais difíceis dos governos do PS.



Também neste caso, seria um bom índice de firmeza e coragem política, eticamente intocável, que o PS tornasse claro que, se o PSD e o resto dos poderes da direita continuarem a hostilizá-lo nos termos rasteiros e agressivos com que o têm feito, podiam dar por encerrado qualquer tipo de cooperação política até ao fim da legislatura. Na verdade, se insistirem na agressividade contra nós, terão resposta automática à altura. Governem enquanto tiverem maioria, o PS será a oposição que as suas ideias mandarem que seja; sem sectarismo, mas sem a mínima transigência.

Ainda não é tarde, mas já não é cedo. O povo português precisa do PS, o povo socialista quer o seu partido forte e actuante. Mas nem o país precisa de um PS hesitante, inconsequente e amolengado, nem o povo socialista o suportaria.

2 comentários:

Anónimo disse...

Ora aí está,fica claro que desenrolar um cabo que fez cocha não é tão fácil como se julga.

A um Partido Socialista (esquerda) não é permitido abusar na situação governante. E, foi o que fez José Socrates (socialista) durante seis longos anos.

Não é somente o povo socialista que sofre, são todos os portugueses e de todos os quadrantes politicos.

Será que os depautérios conseguidos pelo governo anterior
serão culpa de quem trabalha?
E no entanto quem produz, quem não se deixou seduzir pelas bonitas palavras está a ser fustigado.

Sabemos bem que o contrato assinado pela hégide troikiana só o foi feito para defesa do liberalismo mais retrogada e reacionário, porquê então a lamentação?

Como dizia ontem, o passado longinquo e recente está a pesar nas consciências dos socialistas de esquerda.
Não é tarde como diz, certo, mas para quem já viveu setenta e tal anos, é o meu caso, e navegante e muitos mares, torna-se dificil aceitar tamanha proeza...Esperar!
Respeitosamente de "O Catraio"

Rui Namorado disse...

"Como dizia ontem, o passado longinquo e recente está a pesar nas consciências dos socialistas de esquerda"- foram palavras suas.

Não tenho a estulta pretensão de ter tido sempre razão, mas quando me enganei, fi-lo de boa fé. Por isso, nada me pesa na consciência.

Mas gostava de saber que trajecto de gloriosos acertos foi o seu para nada ter feito, ou deixado de fazer, que lhe possa pesar na consciência, embora diagnostique um peso acusador nas consciências de outros.

Tem, aliás, a seu favor a vantagem de saber com quem está a falar, quando se dirige a mim.O que em contrapartida não acontece comigo quanto a si, uma vez que sempre se esconde por detrás desse misterioso "O Catraio".