quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

CAVACO, JOVENS E FUTURO

O Presidente da República não compareceu a uma cerimónia pública numa escola, antes anunciada. Podemos valorizar diferentemente o grau de verosimilhança da desculpa dada pelos respectivos serviços de apoio, mas todos ficámos a saber, quando vimos as imagens da contestação que o esperava, quais as verdadeiras razões da sua ausência.

Talvez, haja alguma injustiça quando se protesta contra o Presidente da República, por razões que mais acertadamente seriam imputáveis ao Governo. Mas deve compreender-se que nas emocionalidades reivindicativas acicatadas, por sucessivas decisões restritivas que vão estrangulando a qualidade da educação, não surja com clareza uma distribuição rigorosa de responsabilidades, pelo que nos falte ou nos agrida. O poder em toda as suas vertentes é, por isso, sentido como um todo causador do que justifica os protestos.


Mas, a seráfica postura do actual Presidente, conhecida produtora de frases, que ora desafiam a esfinge pela obscuridade do sentido, ora concorrem com o anedotário semanal pela aproximação ao dislate, não estava preparada para ser envolvida num tão desagradável banho de realidade. Prudentemente, ficou em casa.

Por mim, tive a sorte de assistir ao elevado modo como a estação televisiva do Dr. Balsemão (que, como se sabe, nada tem a ver com o principal partido do actual Governo), deu e embrulhou tão excitante notícia. Focou uma juventude bem disposta que foi gritando ao que vinha, para tentar abrilhantar um espectáculo cujo palco, hoje, era dela. Reivindicou coisas simples que facilmente se podem admitir como justas. Agitou cartazes e gritou.

Sem qualquer pausa, eu e os outros espectadores, fomos transportados para anos atrás, para o tempo do governo anterior, para nos ser demoradamente mostrada uma manifestação contra o Primeiro-ministro da altura, José Sócrates, nessa mesma escola. É certo que Sócrates foi , falou e foi abundantemente vaiado. E os jornalistas conseguiram armar a confusão informativa de nos mostrarem que não conseguiram saber por onde ele tinha saído. Mas mostraram mais os apupos a Sócrates de há anos atrás do que a espera do dia ao Presidente da República. É o que se chama honestidade informativa: esconder uma notícia de hoje, com outra de anos atrás.


Quanto ao actual Governo, os televisores deixaram passar fugazmente pelo ecrã um sujeito algo abrilhantinado, alegadamente Secretário de Estado de qualquer coisa relacionada com a educação, que tentou desesperadamente passar entre dois pingos de chuva sem se molhar. Conseguiu, graças à generosa mãozinha que lhe foi dada pelos “balsemões”.

No entanto, esta pequena anedota informativa merece pelos menos dois reparos. Em primeiro lugar, permitiu-nos recordar como foi virulenta a contestação a Sócrates, com muitos cartazes a chamarem fascista ao governo de então, podendo compará-la com uma outra actual dirigida a Cavaco, tão mansa em termos relativos. Episódio isolado? Talvez; mas é fácil reconhecer que muitos dos que contestavam alegadamente pela esquerda o Governo anterior, têm usado um tom bem mais contido para contestar o actual Governo. E, no entanto, tudo aquilo em que contestavam o anterior Governo foi , depois dele, drasticamente agravado pelo actual. Estarão constrangidos por se sentirem indirectamente responsáveis por terem aberto a porta a um Governo que veio piorar dramaticamente tudo aquilo que era objecto do seu descontentamento anterior?

Em segundo lugar, para além da gravidade das carências que motivam no imediato os protestos, para além das razões pontuais e imediatas que levam os jovens a rebelar-se, cada vez mais irá estar presente na sua emocionalidade reivindicativa, como atmosfera incontornável, um sentimento crescente e asfixiante de lhes terem confiscado um futuro.


Por isso, saber se caminhamos para uma revolta da juventude, dotada de uma energia transformadora de toda a sociedade ou para uma explosão social dissipativa, fechada num desespero sem saída, é uma questão cada vez mais central. Procurar aumentar as probabilidades da primeira hipótese é um dever cívico elementar, sabendo-se que serão os próprios jovens quem em maior medida fará pender a balança para um dos lados. Mas maginar que sucessivas gerações de jovens irão continuar a alimentar indefinidamente filas crescentes de frustração e desespero, para deixarem que viceje a árvore podre da desigualdade, é talvez o sonho da pequena casta que monopoliza poder e dinheiro, mas não passa disso.

5 comentários:

Carlos Amado disse...

Para os "comentadores" de serviço aí pelas televisões, tão aterefados em passar a mensagem de uma juventude que não se interessa pela participação cívica ou mesmo reivindicativa, se já no mercado de trabalho ou à procura dele, é interessante que estes jovens do secundário dêm sinais que afinal também "pensam" e são crítico e acima de tudo provam que em sintonia prepararam ujma "boa" supresa a que como sempre um "medricas" Cavaco em se afirmar como referencial da Democracia e voz dos Portugueses, se esquivou !!
É tempo de ir juntando vozes e vontades para que este (des)governo rápidamente se vá....

Anónimo disse...

Sim, este devia ir mas... e para quê para voltar o dos outros corruptos dos robalos, sucatas, Freeportes e por aí adiante?
Infelizmente não temos alternativas credíveis.
Mas no essencial concordo com o Carlos, exige-se uma viragem nas políticas mas com outros políticos.

Rui Namorado disse...

A direita lançou uma subtil campanha, desde há uns anos a esta parte, para tentar relativizar o que sem isso lhe podia sair politicamente muito caro. Assim, aproveitando a sua presença estrutural no aparelho de Estado, explorou circunstâncias marginais e fortuitas, para transformar pequenas bagatelas em escândalos politico-mediáticos.Vejamos.

1. Freeport – alguma coisa foi apurada em desfavor do Sócrates desde então? Foi constituído arguido? Foi ouvido sequer judicialmente ?

2. Robalo e sucatas – há alguém da direcção nacional do PS envolvido no processo quealiás ainda está a decorrer? Que relevo tiveram as posições ocupadas no passado dentro do PS por qualquer dos réus?

Em contrapartida, um antigo líder parlamentar do PSD está preso; um antigo secretário-geral do PSD foi judicialmente envolvido num escândalo bancário tendo sido obrigado a demitir-se do Conselho de Estado; um antigo responsável pela área fiscal num governo do PSD, liderado pelo actual PR, esteve preso pela mesma fraude bancária praticada num banco por ele presidido, continuando em marcha o respectivo processo.

A táctica é simples: pôr tudo no mesmo saco como se houvesse similitude entre o que se imputa aos do PS e aos do PSD. Isto, para já não falar em submarinos e sobreiros, especialidades do outro parceiro da actual coligação.

Que haja gente de esquerda que faça ecoar esta ronha da direita é que me parece estranho.

Anónimo disse...

Naturalmente estamos de acordo, mas o passado também conta ao contrário do que se diz por aí.

Que fizeram os governos ditos de esquerda com mistura de membros poderosos da direita e centro nestes anos passados?

Foi o trabalho,(não interessa se classe operária se todos os trabalhadores, beneficiado por essas governações?

Ao PS tem faltado uma governação de esquerda e não uma miscelânia facturadora das mais valias que ao trabalho tem sido tirado.

Mais uma vez reitero a possibilidade de a esquerda toda ela, unirem-se no essencial para a tomada do Podere, Poder mesmo!
Com o devido respeito.
Adelino Silva.

Rui Namorado disse...

Sobre as políticas concretas, as opiniões podem divergir, com naturalidade. Não vejo nisso nada de mal. Aliás, isso acontece entre os próprios membros do PS.

No meu caso, por exemplo, em várias instâncias(interiores e exteriores ao PS) nunca deixei de dizer o que achava dever dizer, sobre o que ia estando em causa.Muitas vezes criticando, muitas vezes apoiando.

Mas procurei sempre distinguir o que é exercer uma crítica exigente, mas honesta, do alinhamento com as campanhas miseráveis que a direita fez contra os governos do PS.

No entanto, indo além deste plano de abordagem,ao longo dos anos, fui reforçando a opinião de que um governo de esquerda, sempre condicionado pelo sistema capitalista, só tem condições para ser fiel à sua identidade,se para além de outros factores, dispuser de uma sociedade mobilizada em consonância com os objectivos da sua governação.

De facto,as alavancas do Estado são primordiais, mas insuficientes, quando quem delas dispuser for um Governo de esquerda que queira fazer uma política de esquerda.

Ou seja, à superfície atacam-se sintomas, em profundidade ataca-se a doença. E se agir em face dos sintomas já não é simples, curar a doença é uma tarefa histórica tão difícil que até agora não foi conseguida duravelmente por ninguém.