sexta-feira, 10 de junho de 2011

ATÉ QUE O MURO FENDA!

Quando os filhos das Parcas encharcam de um medo cinzento e abafado os caminhos do futuro, os poetas podem ajudar-nos a varrer com a luz da esperança este tempo de abutres. Convoquemos hoje um grande poeta da língua portuguesa, do século XX, de Coimbra. Deixemos que Carlos de Oliveira nos ofereça o seu "Soneto".

Acusam-me de mágoa e desalento,
como se toda a pena dos meus versos
não fosse carne vossa, homens dispersos,
e a minha dor a tua, pensamento.

Hei-de cantar-vos a beleza um dia,
quando a luz que não nego abrir o escuro
da noite que nos cerca como um muro,
e chegares a teus reinos, alegria.

Entretanto, deixai que me não cale:
até que o muro fenda, a treva estale,
seja a tristeza o vinho da vingança.

A minha voz de morte é a voz da luta:
se quem confia a própria dor perscruta,
maior glória tem em ter esperança.

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