segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Educação em Debate - 2


O José Gama, velho amigo e camarada, e um dos participantes na elaboração da moção de que reproduzi excertos na minha recente postagem sobre Educação em Debate, comentou-a em termos que devem ser salientados. Após uma apreciação genérica concordante, escreveu:

"O pensamento crítico não poderá esquecer os sinais que se vão revelando todos os anos lectivos. A discussão sobre as retenções é um dos sinais. As nossas escolas confrontam-se com acentuados níveis de insucesso. Onde está a principal origem desse insucesso? O que se pede à escola para resolver este problema não se traduz numa impossibilidade para ela mesma? Por que é que há em Portugal tantas crianças e adolescentes que não querem a escola como local de aprendizagem?"

Tem toda a razão. Tal como não nos devemos deixar aprisionar num imediatismo que nos impeça de encarar o longo prazo e de superar as primeiras aparências, não podemos ignorar as arestas que todos os dias ferem alunos e professores. Sem o húmus do que está a ser vivido, as reflexões prospectivas correm o risco de se revelarem incapazes de ajudarem a descobrir o caminho que nos há-de levar de onde estamos para onde sonhamos que se venha a estar num futuro.

As interrogações que coloca não podem ser iludidas. Se as deixarmos em suspenso estaremos a inquinar e a desprestigiar quaisquer visões optimistas que lhes queiramos contrapor.

Aliás, para além da óbvia superficialidade das declarações da Ministra quanto às retenções, o que poderia até ser natural numa abordagem jornalística, se pensarmos bem , o modo como se refere ao assunto é um sintoma indiciador de uma atitude complacente e invertida quanto ao insucesso escolar.

Na verdade, se a Ministra encarasse o fim dos "chumbos" como o desenlace final de um longo processo de transformação do sistema de ensino, que tornasse possível que esse fim dos chumbos reflectisse um dramático aumento da capacidade do sistema escolar para vencer o insucesso escolar, teria sido certamente essa saga que ela poria em destaque. O fim das repetências seria a natural caducidade de uma das mais graves sequelas de um sistema de ensino obsoleto e um sintoma de que ele tinha progredido o suficiente para tornar realmente possível uma dramática redução do insucesso escolar até um nível residual. O fim das repetências seria um índice da qualidade de um sistema educativo e não um objectivo primário de uma política educativa.

Não foi isso que aconteceu. O fim das repetências foi anunciado um pouco como um coelho (salvo seja) que se tirasse de uma imaginária cartola, permitindo que se pensasse que estávamos perante a proposta de uma medida administrativa, que seria alcançável com um simples estalar de dedos.

Na verdade, se, por exemplo, a Ministra tivesse dito que o insucesso escolar, traduzido nas repetências, é uma tortura pouco útil para as vítimas e um prejuízo estéril para o país. E, portanto, sendo necessário combater-lhes as causas em profundidade iria começar por reequacionar por completo a formação de professores, para finalmente reverter a deriva para onde essa formação foi lançada pelo cavaquismo, poderíamos discutir as suas ideias, mas não tínhamos qualquer razão para a acusar de pretender acabar com as repetências sem primeiro vencer a falta de conhecimentos dos alunos que se supõe estar na sua base. Podíamos não concordar com ela , mas não tínhamos qualquer ponto de apoio, ou sequer qualquer pretexto, para confundir a sua ambição estratégica com qualquer cosmética superficial das mazelas mais feias do sistema de ensino.

1 comentário:

JGama disse...

No comentário ao meu breve comentário, o Rui abordou e comentou bem o último episódio ministerial sobre os chumbos. Abordou um dos episódios que, por não ter sido corrigido em devido tempo, tem marcado e contribuído para o mal estar na educação: a formação de professores. O nosso grupo de reflexão política abordou o tema no último congresso. Mas as minhas perguntas são tentativas de "esburacar" um pouco mais a matéria densa que caracteriza este assunto (os chumbos). Proponho um exercício imaginário: criemos uma escola, desde o primeiro ciclo até ao secundário, com os melhores professores, as melhores condições de aprendizagem e nela se coloquem, acima de todos, os alunos que, pelo seu temperamento, pela sua inserção social, pela influência de certa cultura mediática, pelos modelos sociais que os inspiram, etc., não respeitam a escola e os seus professores, não abrem um livro de estudo e rejeitam a mínima disciplina e o mínimo de esforço e concentração. Esta escola e estes professores teriam sucesso? Quero, com isto, chamar a atenção para o que todos os dias acontece a montante da escola. Não me alargo mais no meu comentário.