sexta-feira, 9 de abril de 2010

O banquete e as sombras


Uma neblina suave parece roubar a clareza das coisas. Nada, verdadeiramente, é aquilo que parece. Os que protestam sentem a justiça do que dizem em sofrimentos e frustrações reais, mas atacam, por vezes, apenas sombras, deixando ronronantes de uma tranquilidade felina os objectos que projectam essas sombras, contra as quais inutilmente se abate a sua justa ira.

Os que julgam que detêm o leme navegam afinal entre os perigosos baixios das realidades virtuais num empastelamento de contornos que confisca o horizonte e os obriga a navegar sem rumo, embora convencidos de que seguem a rota segura que a ciência lhes indica objectiva e neutra. Mas não. Realmente, surpreendem apenas por entre a neblina o cinzento etéreo de vagos contornos, esbatidos pelas ilusões, dia a dia tecidas, pelos seus fabricantes profissionais.

Os cães de guarda das casas do dinheiro rosnam numa fúria de quem quer sempre mais. A nossa vida vai sendo convertida lentamente em moedas, que se acumulam no remanso paradisíaco de uns poucos, que depois nos afrontam com uma generosidade hipócrita, restituindo-nos uma ligeira parte do que nos extorquíram, com a bonomia de quem nos salva por piedosa caridade.

Uma parte da matilha mediática, alguns dos vagos cachorros que uivam no deserto das opiniões, o coro aflito dos que se sentem sem futuro e o marulhar tenso do povo mais profundo, ameaçam a tranquilidade dos sultões empresariais, para cujos estratosféricos rendimentos apontam os focos de uma indignação crescente.

Dizem: se os que se sentam à mesa do banquete, que nos anunciam como se fosse a História, deixam escorrer para nós apenas a esquálida sombra de umas escassas migalhas, como é possível que atulhem os seus mastins de saborosas sobras e de vistosos restos de iguarias ?

Dizem ainda: tragam os mastins para dentro das nossas migalhas, não os deixemos banquetearem-se com o que nos falta!

Mas eu digo: sentemo-nos todos à mesa da História! Acabemos com o banquete de que nos dão pobres restos. Façamos um piquenique nos jardins do tempo para todos nós.Realmente, para todos.

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