segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Cityjacking


Obtive do João Silva autorização para transcrever este seu texto, hoje publicado no "Diário de Coimbra", neste meu blog. Eis o texto:


CITYJACKING


Titulava o Diário de Coimbra, na sua edição de 4 do corrente mês, que a tomada
de posse em Coimbra do presidente da Entidade Regional de Turismo Portugal”, que vai ficar sedeada em Aveiro, foi um “sinal". Devo confessar que para mim foi uma “bofetada”.
Depois de tudo o que se passou com este processo e do que se tem passado nos
últimos anos, com a retirada da cidade de serviços e instituições de âmbito regional, entendo que estamos perante um verdadeiro processo de cityjacking e que o que se passou faz parte desse processo.
Li bondosos argumentos para justificar a transferência e a localização noutras
cidades de serviços e direcções regionais que estavam em Coimbra, que vão desde a preparação da regionalização até à vontade de dar visibilidade a outras cidades. Mas a verdade é que não estamos perante etéreas questões bondosas mas confrontados com questões políticas, com consequências concretas e imediatas e com uma visão de ordenamento e desenvolvimento do território nacional e de organização global do Estado.
É verdadeiramente ridículo apontar o objectivo da regionalização como motivação para estas decisões quando o que se está a fazer é a retalhar cada vez mais a região, criando obstáculos futuros a uma verdadeira articulação urbana. O que se tem vindo a fazer é pura e simplesmente a criar “quintinhas”, por meras razões politicas circunstanciais e eleitorais, que só irão trazer dificuldades e problemas.
Apontar Coimbra como uma eventual capital regional e depois ir retirando-lhe
instrumentos de exercício dessa vocação não parece uma atitude séria nem inteligente. A boa política passaria, isso sim, por valorizar o território, os espaços e as cidades da Região Centro com investimento e valorização exógena e não à custa de rearranjos internos que apenas se traduzem na desvitalização de Coimbra.
Muitos desvalorizam e denigrem o papel de Coimbra no contexto do País e
fazem-lhe uma campanha infame, esquecendo a sua importância na criação e na
projecção duma intelligentsia nacional, bem como a competência com que tem
resolvido, de forma solidária, muitos dos problemas originados pelos egoísmo de Lisboa e Porto, para quem o centro do país é território de ninguém.
Aliás, a cidade não tem apenas benefícios dos seus equipamentos e dos serviços
que presta, por exemplo, na área do ensino e da saúde, também suporta elevados custos de qualidade de vida, de organização espacial, de mobilidade e circulação, e mesmo custos financeiros directos que não são compensados por ninguém.
Mas o que é mais doloroso é ter a convicção de que estas “bofetadas” e os “pontapés” que a cidade tem vindo a apanhar em muito se devem à incapacidade e incompetência interna, mormente daqueles que têm responsabilidades políticas e de governo da cidade, para além de muitas outras personalidades que se eximem, num comodismo fácil, a fazer ouvir a sua voz.
Há mesmo alguns que se portam hoje, para com Coimbra, como se portava no
século XVII, para com Portugal, aquele odiado secretário da Duquesa de Mântua, de nome Miguel de Vasconcelos.
Por mim dispenso que venham cá dar mais “sinais” com tomadas de posse para
depois irem “regionalizar” para outros Distritos. Chega de jogadas e de arranjos
partidários e sobretudo de ataques à inteligência dos cidadãos. É tempo de, para além garantir a segurança na cidade, realizar uma verdadeira operação contra o cityjacking a que Coimbra tem estado exposta.


João Silva


Comentário de RN :


Na verdade, só teria sentido promover a retirada de serviços de Coimbra, sob a alegação de um reequilíbrio no âmbito de uma hipotética futura região, se, em simultâneo, esse critério fosse estendido a todo o país; especialmente a Lisboa, mas também ao Porto. E assim, certamente, que a Coimbra haveriam de caber, nessa lógica, as sedes de duas ou três instituições de âmbito nacional, saídas de Lisboa, o que de algum modo compensaria aquilo que lhe tem sido retirado.

Doutro modo, alegar uma lógica de regionalização apenas parcelar que só funciona em prejuízo de Coimbra, mas nunca em seu benefício, é pura hipocrisia política.

Pura hipocrisia, que tenta justificar uma política penalizadora, não apenas de Coimbra, mas principalmente do país. De facto, conceber um país desenhado a partir de dois inchaços, embora um maior do que outro, não é uma concepção é uma perversão. Por isso, estamos, afinal, perante uma simples repartição da penúria, entre cidades médias e pequenas, para conforto das megalomanias de Lisboa e do Porto.

E, no entanto, parece claro que o país precisa de uma região central estruturada a partir de uma rede de cidades médias, complementares entre si, mas liderada por aquela que tiver maior visibilidade mundial. E aqui não há dúvida que Coimbra é a que tem essa virtualidade simbólica, pela sua Universidade, pela sua história, pela carga legendária de que dispõe.
Por isso, enfraquecê-la é contribuir para inviabilizar a reestruturação em rede do espaço central do país. Não é uma estratégia, é uma descuidada política paroquial, com tiques de pseudo-cosmopolitismo.
Querer ignorar isto, é apenas miopia política. Uma miopia confrangedora. E, embora saibamos que não há, como lembrava Tolstoi, pior provincianismo do que o das grandes cidades, não temos que nos submeter a ele, principalmente, quando significa prejuízo para o país e inútil e injusto apoucamento de Coimbra.

3 comentários:

Anónimo disse...

O que pensa a nossa secretária vital de estado?

Anónimo disse...

Sempre o mesmo erro grosseiro de quem confunde germano com género humano.

Uma coisa é conceber um modelo geral, outra é decretar mudanças. É cada Ministério que decide sobre os seus próprios serviços.

aminhapele disse...

Continuamos na mesma.
A tal "Região Centro" é uma miragem.
Convem a Lisboa,e até ao Porto,que o resto do país se mantenha em regime paroquial.
Dentro de poucos anos,quando um qualquer político se lembrar de vir a Coimbra,poderá dizer que "mergulhou no país profundo".
Mesmo sectores como o da saúde e do ensino superior estão a levar no coco,para que não haja ilusões de "excelência".
Não sei se,ainda no nosso tempo,não venderão a Universidade para pagar a Fundação Berardo...