DIREITA - inflação de partidos ou procura?
1. Independentemente das subjectividades individuais dos seus membros, os partidos políticos da direita funcionam objectivamente como protecção
e salvaguarda do sistema económico vigente, o capitalismo. A complexidade das circunstâncias históricas , as conjunturas nacionais e a qualidade política
dos seus protagonistas condicionam o desempenho desse papel. A vozearia que lhes dá vida é muitas vezes uma simples cortina de fumo.
Por isso, saber se à direita há um, dois, três ou quatro
partidos, é secundário, ainda que possa ter alguns efeitos circunstanciais. É que, verdadeiramente, todos eles funcionam, no essencial, como se fossem marionetas manipuladas por um todo-poderoso ventríloquo. E assim, por detrás das várias modulações de voz, realmente, as falas que se ouvem são afinal de
um único ventríloquo, que não vemos nem conhecemos.
A desvantagem desta proliferação está no facto de a multiplicidade
de partidos à direita poder transformar uma força em várias fraquezas, com consequências
devastadoras na representatividade eleitoral de todas elas. Por isso, se
excluirmos o folclore corrente, isso só acontece em termos relevantes quando se pense que o modo de representação política vigente da
direita está em crise, ou pode ser muito melhorado. É o que acontece agora, em Portugal.
Por isso, está em
curso um período experimental de verificação politico-partidária que no seu termo permitirá apurar se
realmente era necessário e possível promover um reordenamento político-partidário
da direita em Portugal. Mas não se trata de uma experimentação laboratorial dirigida por um
comando único, coerente estrategicamente e obedecido. Trata-se de uma convivência
entre processos distintos com um baixo grau de articulação, cada um dos quais
apostado num caminho próprio.
Temos o estilo tribunício de matriz trovejante
que se imagina épico e portador de bandeiras exaltantes, se possível
radicalmente portuguesas. Temos o estilo rasca do lixo ideológico que procura
juntar toda a lama que possa conseguir nos
subterrâneos da vida. Temos o estilo liberal assético, tecnocrático e modernaço, apostado em fazer-nos ser engolidos pacifica e inteligentemente pela garganta fria do
neoliberalismo.
Aproveitando esta sofreguidão partidista, oriunda das
oligarquias sociopolíticas da direita nacional, entrou já também no
espaço mediático a ameaça humorística de uma política de arraial , seguramente
animada por farto foguetório, bem regada por um tinto forte e de boa cepa.
2. Mas, marcado talvez por uma prudência excessiva, eu atrevo-me a recomendar às
esquerdas :” Não continuem
a fruir docemente o vosso repouso estratégico, como se estivessem adormecidas”.
É que este frenesim da direita não é uma contenda de
gatos num saco fechado. Pelo contrário, vai ser cada vez mais uma disputa entre
várias maneiras de enganar o povo, de afastar de qualquer das esquerdas uma
parte daqueles que fazem parte delas, ou que têm interesses objetivos que os deveriam tornar seus apoiantes naturais. Que as esquerdas se permitam continuar o doce
repouso estratégico, é deixar os “gatos” sozinhos seduzindo o povo, sem o necessário
contraditório a contrariá-los.
Não me cabe a mim (nem saberia como fazê-lo) dar as
táticas que abram às esquerdas a porta do êxito. Mas cabe-me, mais do que o
direito, o dever de opinião. O dever de uma opinião cidadã dada dentro do povo
de esquerda.
Excluída a persistência do sonolento repouso como desígnio estratégico, não me parece também concebível que a maneira de as
esquerdas se afirmarem como vivas possa centrar-se numa intensificação de
acrimónias mútuas, numa retórica de um “eu é que sou presidente da junta”
coletivo e recíproco.
Também não me parece realista despejar no espaço público
toneladas de banalidades esperançosas, repetidoras óbvias de passados, ainda que
agora embrulhadas numa retórica digital e esvoaçante, quer pousando ao de leve na
Europa, quer arranhando-a discretamente.
Fazer com que as pessoas , que cada cidadão se possa
sentir por dentro das propostas , dos desígnios, do horizonte, não por ser um
eleitor cujo voto é almejado, mas por ser um cidadão desafiado a envolver-se num processo
social que poderá tornar a sua vida melhor, deixando futuro ás gerações vindouras.
Para isso, não é preciso ser complicado. É, pelo contrário, necessário ser simples e claro;
autêntico e sem subterfúgios. Fazer compreender para se ser apoiado. Ir à raiz
última dos problemas para que fique claro o que pode ser resolvido a curto
prazo e o que só pode ser resolvido a médio prazo se fizermos evoluir toda a
sociedade, transformando-a estruturalmente.
Os partidos de esquerda quando são Governo têm a obrigação de gerir
a sociedade tal como ela é. Sem dúvida. Mas não serão vistos como tais, se só fizerem isso, renunciando a serem
protagonistas da luta por uma sociedade outra, livre e justa. Será mais fácil, se for
caso disso, perdoar-lhes por se terem movido erradamente em direção a um horizonte dignificante do que por terem ficado
tolhidos na repetição do passado.
3. O ventríloquo instalado confortavelmente nos centros
de poder do capital financeiro vai manipulando discretamente as suas marionetas que gesticulam com entusiasmo como se tivessem voz própria. Por isso, o povo de esquerda espera dos seus partidos que combatam e neutralizem essas
marionetas, sejam elas duas, três, quatro ou cinco.
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