segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Meio Século - O cortejo da Tomada da Bastilha de 1968



 O cortejo desfila na Rua Ferreira Borges. Neste momento, bandeira desfraldada, vai  a passar a  República dos Inkas.

Meio Século – uma leve respiração do tempo.
      -o cortejo da Tomada da Bastilha de 1968
Ouvi há poucos dias , num programa televisivo de referência que relembrava 1968, exaltar-se como transcendente uma discussão  estudantil  vivida em Lisboa  entre paredes e cobrir-se de silêncio o que então se passou nas ruas de Coimbra. Também por isso, vale a pena trazer à superfície um ligeiro perfume de verdade histórica. Confesso que fui também para tal acicatado por uma troca de mensagens entre o Zé Dias, o Matos Pereira e o Rui Pato acerca do cortejo da Tomada da Bastilha de 1968. Um episódio que viria a contribuir para o que aconteceu em Coimbra alguns meses depois.
Vou para isso, recorrer ao meu livro “Abril antes de Abril ─ A crise universitária de Coimbra de 1969” ─  limitando-me a citá-lo.
Na sua página 55, pode ler-se:
“No novo ano letivo (1968/69), prosseguindo a dinâmica potenciada em setembro, a CPE[ Comissão Pró-Eleições] manteve a atividade para que tinha sido escolhida. Nos momentos chave de todo esse processo o Secretariado do Conselho das Repúblicas (SCR), foi uma estrutura coadjuvante de grande importância. A CPE e o SCR sempre agiram concertadamente.
Em Outubro de 1968, foi-se tornando claro que o movimento pró-eleições na AAC ganhava força crescente, pelo que se sentia que as eleições académicas não tardariam. Quando isso foi patente, entendeu-se que era acertado (até como meio suplementar de pressão) dar as eleições como facto adquirido e desde logo lançar uma lista candidata à AAC. E optou-se por fazê-la sair das mesmas estruturas que haviam criado a CPE, concebendo o processo do seu lançamento de modo a
aproveitar o prestígio desta Comissão, sem deixar de tornar evidente a novidade da lista.       
Na sequência da entrega do abaixo-assinado dos estudantes de Coimbra a exigirem eleições na AAC ao Ministro da Educação (Hermano Saraiva) numa visita que ele fez a Coimbra, a CPE foi oficialmente recebida por ele no Ministério da Educação, em Lisboa.
Em 25/11/68, dia da Tomada da Bastilha, a CPE anunciou que o Reitor da Universidade lhe havia comunicado a próxima realização de eleições, embora em termos não totalmente coincidentes com os reivindicados por ela. Em 27/11/68, a CA anunciou que as eleições se realizariam em princípios de Fevereiro. Entretanto, a lista do CR fora publicamente divulgada em 23/11/68.”
Mais adiante pode ler-se na página 77:
“O cortejo tradicional da Tomada da Bastilha foi uma impressionante marcha de protesto contra a CA na AAC, tal como nós tínhamos progra­mado, e não a manifestação política que os dirigentes de Lisboa tinham sonhado vir fazer a Coimbra. Isso mesmo foi assegurado pelo próprio Conselho das Repúblicas que organizou o desfile”. E em nota de rodapé acrescenta-se :Vale a pena recordar um episódio relevante no processo de preparação do Cortejo. Para isso, veja-se o Anexo nº 14  (pag.  175 )”.
Na primeira parte anexo 14, explicava-se o que é a Tomada da bastilha na Academia de Coimbra : O ponto alto das comemorações era o cortejo das repúblicas a que se associava toda a Academia e que descia atá à Baixa por onde passava, para voltar para Praça da República. Foi o que aconteceu também em 1968”. 
Na segunda parte, narrava-se o episódio em causa: “Ciente, a partir dessa manhã, dos problemas criados em torno do Cortejo da Tomada da Bastilha, pelos colegas de Lisboa, e aproveitando o facto de estarem presentes todas as repúblicas, no Sarau Cultural integrado nas comemorações, realizado essa tarde no Teatro Avenida, o Secretariado do Conselho das Repúblicas convocou de urgência uma reunião do Conselho.
A reunião decorreu nos bastidores do Teatro Avenida com todos os seus participantes de pé. E aí foi decidido que, sendo o cortejo das Repúblicas, elas se iriam responsabilizar por fazer com que ele decorresse de acordo com a orientação preconizada pelos dirigentes do movimento estudantil de Coimbra. E assim, o cortejo seria dividido em 22 segmentos claramente demarcados (um por república), cada um dos quais seria colocado sob a responsabilidade exclusiva de uma das repúblicas, a qual seria, portanto, responsável por tudo o que decorresse dentro dele.
Todos os estudantes que quisessem participar no cortejo iriam distribuídos por esses 22 segmentos, não havendo portanto cortejo fora deles. O cortejo seria silencioso até que em locais predeterminados se gritassem apenas duas palavras de ordem: “ Fora a CA!” (leia-se Comissão Administrativa da AAC) e “ Eleições Já!” (eleições na AAC, claro).
 O cortejo seguiu o percurso tradicional, tendo atravessado a baixa da cidade mais de três mil estudantes, que nos momentos adequados gritaram as palavras de ordem combinadas. O efeito foi enorme, transmitindo uma imagem de coesão e força de grande impacto.
A propalada tentativa de fazerem do cortejo uma manifestação ostensivamente política, mesmo ao arrepio da vontade dos organizadores do cortejo, que se dizia estar na mente dos colegas de Lisboa, foi assim reduzida a nada. Soube-se que foram esboçadas algumas tentativas, nesse sentido, pronta e implacavelmente anuladas pelos “repúblicos” responsáveis pelo espaço em que surgiram. O cortejo foi assim uma manifestação imponente de apoio aos objetivos imediatos da luta dos estudantes em Coimbra e como se sabe as eleições realizaram-se pouco depois com os resultados conhecidos”.
Evoco o que aconteceu homenageando fraternalmente todos aqueles que atravessaram o tempo naquela noite fria de novembro há cinquenta anos.


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