O cortejo desfila na Rua Ferreira Borges. Neste momento, bandeira desfraldada, vai a passar a República dos Inkas.
Meio Século – uma leve respiração do tempo.
-o cortejo da Tomada da
Bastilha de 1968
Ouvi há poucos dias , num programa televisivo de referência que relembrava
1968, exaltar-se como transcendente uma discussão estudantil vivida em Lisboa entre paredes e cobrir-se de silêncio o que então se
passou nas ruas de Coimbra. Também por isso, vale a pena trazer à superfície um ligeiro perfume
de verdade histórica. Confesso que fui também para tal acicatado por uma troca
de mensagens entre o Zé Dias, o Matos Pereira e o Rui Pato acerca do cortejo da Tomada da
Bastilha de 1968. Um episódio que viria a contribuir para o que aconteceu em Coimbra alguns meses depois.
Vou para isso, recorrer ao meu livro “Abril antes de Abril ─ A crise universitária de Coimbra de 1969” ─ limitando-me a citá-lo.
Na
sua página 55, pode ler-se:
“No novo ano letivo
(1968/69), prosseguindo a dinâmica potenciada em setembro, a CPE[ Comissão
Pró-Eleições] manteve a atividade para que tinha sido escolhida. Nos momentos
chave de todo esse processo o Secretariado do Conselho das Repúblicas (SCR),
foi uma estrutura coadjuvante de grande importância. A CPE e o SCR sempre
agiram concertadamente.
Em Outubro de 1968,
foi-se tornando claro que o movimento pró-eleições na AAC ganhava força crescente, pelo que se sentia que as
eleições académicas não tardariam. Quando isso foi patente, entendeu-se que era
acertado (até como meio suplementar de pressão) dar as eleições como facto
adquirido e desde logo lançar uma lista candidata à AAC. E optou-se por fazê-la
sair das mesmas estruturas que haviam criado a CPE, concebendo o processo do seu lançamento de modo a
aproveitar o prestígio desta Comissão, sem deixar de tornar evidente a novidade da lista.
aproveitar o prestígio desta Comissão, sem deixar de tornar evidente a novidade da lista.
Na sequência da entrega
do abaixo-assinado dos estudantes de Coimbra a exigirem eleições na AAC ao
Ministro da Educação (Hermano Saraiva) numa visita que ele fez a Coimbra, a CPE
foi oficialmente recebida por ele no Ministério da Educação, em Lisboa.
Em 25/11/68, dia da
Tomada da Bastilha, a CPE anunciou que o Reitor da Universidade lhe havia
comunicado a próxima realização de eleições, embora em termos não totalmente coincidentes
com os reivindicados por ela. Em 27/11/68, a CA anunciou que as eleições se
realizariam em princípios de Fevereiro. Entretanto, a lista do CR fora
publicamente divulgada em 23/11/68.”
Mais adiante pode ler-se na página 77:
“O cortejo tradicional da Tomada da Bastilha
foi uma impressionante marcha de protesto contra a CA na AAC, tal como nós
tínhamos programado, e não a manifestação política que os dirigentes de Lisboa
tinham sonhado vir fazer a Coimbra. Isso mesmo foi assegurado
pelo próprio Conselho das Repúblicas que organizou o desfile”. E em nota de rodapé acrescenta-se : “ Vale
a pena recordar um episódio relevante no processo de preparação do Cortejo.
Para isso, veja-se o Anexo nº 14
(pag. 175 )”.
Na
primeira parte anexo 14, explicava-se o que é a Tomada da bastilha na Academia
de Coimbra : “O ponto alto das comemorações era o
cortejo das repúblicas a que se associava toda a Academia e que descia atá à
Baixa por onde passava, para voltar para Praça da República. Foi o que
aconteceu também em 1968”.
Na
segunda parte, narrava-se o episódio em causa: “Ciente, a partir dessa manhã, dos problemas
criados em torno do Cortejo da Tomada da Bastilha, pelos colegas de Lisboa, e
aproveitando o facto de estarem presentes todas as repúblicas, no Sarau
Cultural integrado nas comemorações, realizado essa tarde no Teatro Avenida, o
Secretariado do Conselho das Repúblicas convocou de urgência uma reunião do
Conselho.
A reunião decorreu nos
bastidores do Teatro Avenida com todos os seus participantes de pé. E aí foi
decidido que, sendo o cortejo das Repúblicas, elas se iriam responsabilizar por
fazer com que ele decorresse de acordo com a orientação preconizada pelos
dirigentes do movimento estudantil de Coimbra. E assim, o cortejo seria
dividido em 22 segmentos claramente demarcados (um por república), cada um dos
quais seria colocado sob a responsabilidade exclusiva de uma das repúblicas, a qual
seria, portanto, responsável por tudo o que decorresse dentro dele.
Todos os estudantes que
quisessem participar no cortejo iriam distribuídos por esses 22 segmentos, não
havendo portanto cortejo fora deles. O cortejo seria silencioso até que em
locais predeterminados se gritassem apenas duas palavras de ordem: “ Fora a
CA!” (leia-se Comissão Administrativa da AAC) e “ Eleições
Já!” (eleições na AAC, claro).
O cortejo seguiu o percurso tradicional, tendo
atravessado a baixa da cidade mais de três mil estudantes, que nos momentos
adequados gritaram as palavras de ordem combinadas. O efeito foi enorme,
transmitindo uma imagem de coesão e força de grande impacto.
A propalada tentativa
de fazerem do cortejo uma manifestação ostensivamente política, mesmo ao
arrepio da vontade dos organizadores do cortejo, que se dizia estar na mente
dos colegas de Lisboa, foi assim reduzida a nada. Soube-se que foram esboçadas
algumas tentativas, nesse sentido, pronta e implacavelmente anuladas pelos
“repúblicos” responsáveis pelo espaço em que surgiram. O cortejo foi assim uma
manifestação imponente de apoio aos objetivos imediatos da luta dos estudantes
em Coimbra e como se sabe as eleições realizaram-se pouco depois com os
resultados conhecidos”.
Evoco o que aconteceu homenageando
fraternalmente todos aqueles que atravessaram o tempo naquela noite fria de
novembro há cinquenta anos.
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