sábado, 3 de dezembro de 2011

DIREITA E ESQUERDA

1. Quando vejo alguém de direita dizer que já não há esquerda nem direita, isso só pode querer dizer que esse alguém quer continuar a ser de direita sem ser incomodado, pela vago remorso de que há um conjunto de pessoas ao qual ele não pertence que é objectivamente mais decente do que ele, quando se trata de imaginar a sociedade como um todo.

Quando vejo que há alguém que eu julgava ser de esquerda a dizer que já não há esquerda nem direita, isso só pode querer dizer que há um novo renegado em gestação que quer fazer desaparecer o corpo de delito do que ele próprio avalia como uma traição.

Por isso, mantém actualidade a velha máxima de que quem questiona a diferença entre a direita e a esquerda é forçosamente de direita; ou para lá caminha apressadamente.

2. Isto é um esquema que na maior parte dos casos espelha a verdade. Mas, como esquema, não exclui que a diversidade luxuriante dos indivíduos conduza, de quando em vez, a excepções. E aí estamos nós a tropeçar num inesperado conservadorismo de gente de esquerda ou a surpreender rasgos futurantes em gente de direita. A paisagem política não é monótona, pelo que temos que a percorrer com todo o cuidado, se não quisermos ser atropelados pelo nosso próprio simplismo.

3. Pensar a dicotomia esquerda-direita é, por isso, de algum modo pensar a própria política. Talvez por isso, não seja fecundo procurar determinar um padrão abstracto de referência, tecido por valores, princípios, orientações programáticas e perfis prospectivos, com base no qual se incluiriam ou excluiriam da esquerda, excluindo-os ou incluindo-os por simetria na direita, as organizações e as pessoas sobre as quais estivéssemos a pensar. Nada disso pode ser esquecido, mas tudo isso não é suficiente,
para se chegar a um juízo.

4. Talvez a pedra de toque seja outra: pugnar pela eternização do capitalismo, quer por se entender que ele é o fim da História, quer por se achar que ele é o sistema mais perfeito possível, quer porque quem o defende sabe ser esse o sistema que lhe convém , é a espinha dorsal da direita. Olhar o presente como exílio, senti-lo como antecâmara de um futuro livre, justo e fraterno, caminhar para ele numa aposta permanente de esperança, não aceitar por isso o capitalismo como o fim da história, é a espinha dorsal da esquerda.

Estar ao lado dos que gerem os verdadeiros privilégios neste tipo de sociedade, por erro, conveniência ou ilusão, contribuindo para perpetuar esse domínio; ou estar ao lado dos que pagam, através de uma vida difícil, a fruição por outros de paraísos alheios, contribuindo para esvaziar esse domínio e varrer esses privilégios − é o que coloca alguém na direita ou na esquerda.

Mas não excluo como flexibilização de um critério com ambições de objectividade, uma radical deriva subjectiva: é de esquerda qualquer pessoa ou organização que se assuma como tal. E transgredindo uma hipotética simetria: é de direita qualquer pessoa ou organização que não se assuma como de esquerda.

5. Talvez falte o Centro, território político misterioso, que verdadeiramente nem sabemos se existe; mas que, em contrapartida, não podemos garantir que não seja uma terra de ninguém, decisiva no plano político.

Ou será apenas uma mistura efémera e volátil, entre os arrependidos dos dois lados, que não foram ainda capazes de decidir se, passada a zanga, aceitam ser filhos pródigos ou se estão dispostos a rasgarem-se para se entregarem ao inimigo?

1 comentário:

Anónimo disse...

Rui, ao contrário do que possa pensar, creio que faz todo o sentido argumentar, que no contexto actual europeu, não faz sentido uma distinção política entre esquerda e direita. Razões?
1. A crescente cedência de soberania dos Estados, com reflexos na política económica de cada país, nomeadamente, a claudicação da política monetária e cambial, e uma política orçamental cada vez mais condicionada, que retira a componente ideológica das políticas, que caminham cada vez mais para a neutralidade, enquanto isso, os mercados têm cada vez mais primazia sobre a política, destruindo as ideologias vigentes.
2. A própria descredibilização da classe política perante as populações.