sábado, 26 de fevereiro de 2011

O ECONOMISTA E O CARTOMANTE


O grande economista concedeu um olhar mole à plateia silenciosa e numa displicência solene, propositadamente arrastada, fulminou a assistência: “ O nosso sistema político não tem credibilidade!”

Não disse em que remoto laboratório da racionalidade económica fez a verificação científica que lhe permitiu proferir essa pesada sentença condenatória do sistema político. E também não se conhece o mais leve indício da existência de qualquer recanto dessa implacável ciência exactíssima, onde possa gerar-se a competência para distribuir sentenças definitivas sobre os sistemas políticos.

Foi aqui que um relâmpago de alarme rasgou o meu espírito. Terá sua sapiência deslizado para o prosaico reino do palpite ? Terá a sua mente sido contaminada pelo vírus oracular que tão frequentemente tem assolado a exactíssima ciência que cultiva?


Tudo indica que sim. E foi por isso que se sentiu irresistivelmente empurrado para essa frase cortante, oriunda de um misterioso território mental, onde as palavras que deviam conter o perfume da ciência, reflectem afinal o sarro nocturno da cartomancia.

E foi assim que, subitamente, a plateia atónita percebeu que, sob a pele lisa da ciência económica, gorgolejava impetuosa uma humana mistura da cartomancia africana e de oráculos gregos. Quando julgavam ir conhecer um pouco dos insondáveis mistérios que o mundo da economia tem à nossa espera num futuro próximo, as filas de gravatas azuis e cinzentas, sempre pálidas, quase ficaram sem respiração, quando verificaram que afinal o grande economista apenas se propunha ler-lhes a sina, numa reminiscência andaluza de procissões e ciganas.

Por um momento, o grande economista, ex-ministro de passagem que não esquece a humilhação, dócil conselheiro da direita com pose de distância, pareceu tropeçar numa hesitação, mas logo definitivo se reergueu, excomungando de vez o nosso sistema político.

As minhas palavras podem não o ter mostrado; mas eu compreendo a deriva cartomante do nosso sábio. Como compreenderia que um médico que conduzisse repetidamente os seus doentes a uma morte teimosa, apostasse no estudo dos sonetos de Camões para salvar o seu ego. Mas uma coisa é estudar os sonetos de Camões outra coisa é agredi-los com palpites. E a frase prosaica do ex-ministro Cunha é muito mais uma pedrada irresponsável e cega do que um sinal de que alguém vindo de outras paragens se embrenhou honestamente no estudo dos insondáveis mistérios da política.

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